Há 216 anos, era promulgado o Slave Trade Act, que proibiu o comércio de escravos em todo o Império Britânico.
Igor Natusch
O comércio de escravos no território britânico acontecia desde a metade do século XVI, tornando-se um pilar importante na estrutura econômica daquela nação. No entanto, a visão de que a exploração do trabalho escravo era um crime vergonhoso logo ganhou espaço no debate de ideias que se seguiu. Mesmo que uma decisão jurídica declarasse jurisprudência contra a escravidão na Inglaterra desde 1772, não foi até 1807 que o Parlamento tomou medidas efetivas contra a prática, a partir da aprovação do Slave Trade Act (ou o Ato para a Abolição do Comércio de Escravos, na tradução para português do nome oficial).
A articulação para transformar a proibição em lei teve origens na comunidade protestante da Inglaterra. Em 1787, surgiu o Comitê para a Abolição do Comércio de Escravos, que logo teria presença significativa no parlamento. Chamados de “santos”, esses aliados trabalhavam fortemente para disseminar a ideia da escravidão como algo imoral, um crime bárbaro sendo cometido entre irmãos e que precisava ser interrompido por força da lei. Um dos principais líderes do movimento, William Wilberforce via a libertação dos escravos como uma missão divina, e chegou a escrever em seu diário: “Deus Todo-Poderoso colocou duas grandes tarefas diante de mim – a supressão do tráfico de escravos e a reforma dos costumes”.
Eventos como a rebelião de escravos no Haiti, que resultou na independência do país em 1804, mantiveram vivo o debate sobre o tema no coração do poder britânico. Em paralelo, os atos parlamentares de 1800, que uniram a Inglaterra e a Irlanda, levaram um grande número de políticos irlandeses ao Parlamento, a maior parte deles simpático a mudanças na legislação escravagista. Com esse cenário favorável, o texto foi levado à Casa dos Comuns em fevereiro de 1807, e resultou aprovado com estrondosos 283 votos contra 16. Cerca de um mês depois, em 25 de março, a lei foi sancionada.
Embora não tivesse o poder de abolir de imediato a escravatura (o que ocorreu somente com o Slavery Abolition Act, de 1833), a nova legislação criou grandes dificuldades para o comércio de escravos em escala global. Na época, a Marinha Britânica detinha autoridade quase total sobre os mares usados para navegação, e passou a patrulhar a costa africana – tanto por uma questão moral quanto para evitar prejuízos às colônias britânicas, que poderiam entrar em colapso se o lucrativo negócio continuasse a pleno em outras regiões.
No mesmo mês e ano do Slave Trade Act inglês, os Estados Unidos aprovaram uma lei banindo o comércio de escravos, mas uma legislação anterior impediu que a proibição entrasse em vigor até 1808. Outras nações foram pressionadas a assinar tratados nesse sentido com a Coroa Britânica, como Portugal (1810), França (1814) e Espanha (1817) – acordos que não tiveram efeito imediato, sendo desrespeitados em muitas instâncias, mas marcaram tomadas de compromisso que ampliaram a pressão pelo fim da escravidão nesses territórios.