Há 89 anos, iniciava a greve dos marceneiros de São Bernardo, uma das mais bem-sucedidas da primeira metade do século XX no país.
Igor Natusch
Durante um total de 43 dias, no segundo semestre de 1934, os marceneiros da chamada vila de São Bernardo, futura cidade de São Bernardo do Campo (SP) promoveram uma das mais longas e bem-sucedidas greves da década em solo brasileiro. Além de garantir melhorias concretas em um momento difícil para a economia brasileira, a paralisação trouxe um resultado extra inesperado: a aquisição de algumas fábricas pelos trabalhadores, gerando algumas das primeiras cooperativas operárias do Brasil.
Depois do progresso dos anos 1920, marcado pela construção da ferrovia Santos-Jundiaí e por uma crescente urbanização, os primeiros anos da década de 1930 eram de considerável depressão econômica. Na realidade da vila de São Bernardo, os trabalhadores da indústria moveleira estavam entre os mais especializados, e geralmente eram pagos por peça produzida, ao invés do modelo salarial típico dos outros ramos industriais da região. Os operários das fábricas de móveis também foram os primeiros na região a formar um sindicato, dentro das normas do Decreto 19.770, de 1931, que tornava obrigatória a aprovação de cada estatuto pelo Ministério do Trabalho. O Sindicato dos Marceneiros, Carpinteiros e Classes Anexas de São Bernardo nasceu em 1932, e logo passou a promover movimentações crescentes em busca de melhores condições de trabalho e de vida.
A greve decisiva teve início em 24 de setembro de 1934, tendo sido aprovada em assembleia no dia anterior. Além da exigência de melhorias salariais, os trabalhadores protestavam contra os maus tratos aos aprendizes, quase sempre menores de idade e que eram espancados pelos mestres dentro das fábricas. O principal líder grevista, Armando Mazzo, mais tarde seria membro do Partido Comunista do Brasil e eleito prefeito de Santo André, sendo cassado antes de tomar posse.
A adesão foi rápida e, em menos de uma semana de movimento, não havia um único marceneiro em São Bernardo que não estivesse de braços cruzados. Era uma situação especialmente indigesta para os patrões: dado o alto grau de especialização dos profissionais, demitir os grevistas mostrava-se uma opção arriscada, pela dificuldade de reposição. Além disso, o movimento adotou uma tática que se mostrou eficaz: forçando acordos junto às fábricas pequenas, estas acabavam retomando a produção antes dos grandes empresários – que, diante do prejuízo crescente e vendo a concorrência a pleno vapor, sentiam-se mais pressionados a negociar.
Ao todo, a paralisação durou quase dois meses. A maioria dos empregadores aceitou as exigências, que incluíam uma nova tabela para pagamento da produção e jornada máxima de oito horas diárias. Os proprietários de pelo menos três empresas de móveis – a São Bernardo, a São Luiz e a Santa Terezinha – foram ainda mais longe, e fizeram uma proposta quase inacreditável: que os grevistas comprassem as suas fábricas, assumindo totalmente o controle da produção. Do contrário, ameaçavam simplesmente fechar as portas, já que não dependiam dos lucros dessas unidades para viver. Diante da situação inusitada, os marceneiros decidiram aceitar a proposta, formando cooperativas para administrar as unidades.
A experiência autogestionada teve grande sucesso inicial, mas não durou muito tempo. Além da ocorrência frequente de subcontratações, muitos cooperativados venderam suas ações e usaram o lucro para abrir outros negócios, em desdobramentos que subverteram o sentido cooperativo original. Somada aos maus resultados de negociações conduzidas junto aos empresários nos anos seguintes, a situação acabou levando ao esvaziamento do sindicato dos marceneiros, que chegou a ficar de portas fechadas por três anos. Apenas em 1941 a organização ressurgiria de fato, assumindo, a partir de 1950, o nome de Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bernardo do Campo. Seja como for, o sucesso dos marceneiros teve importante papel simbólico, servindo para disparar uma retomada do movimento operário na região, hoje correspondente ao Grande ABC.
Tem uma curiosidade sobre a fábrica de Móveis João Basso: as peças de ferro da antiga serraria estão enterradas no terreno que outrora fora a fábrica.