Há 38 anos, o sindicalista Nativo da Natividade de Oliveira é assassinado em Goiás – crime cujos autores nunca foram punidos
Igor Natusch
No Brasil, o campo continua sendo uma terra sem lei. Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que, em 2019, foram registrados 1.833 conflitos em zonas rurais, com 32 assassinatos. Uma realidade que, infelizmente, nos acompanha desde muito tempo – e que tem no sindicalista Nativo da Natividade de Oliveira uma de suas muitas vítimas impunes. Presidente do Sindicato Rural de Carmo do Rio Verde, em Goiás, ele foi morto com quatro tiros à queima-roupa, no dia 23 de outubro de 1985 – e os responsáveis, mesmo conhecidos, nunca chegaram a pagar pelo crime.
Nascido em 20 de novembro de 1953 na cidade de Doresópolis (MG), Nativo se sustentava atuando como lavrador, e começou a se envolver com a atividade sindical na primeira metade dos anos 1970. Com uma atuação voltada à conscientização política dos camponeses, ele fez parte das Comunidades Eclesiais de Base e logo filiou-se ao PT e à Central Única dos Trabalhadores (CUT) – movimentações que foram vistas com grande desagrado por fazendeiros e políticos da região central de Goiás, onde Nativo e sua família residiam. Foi demitido mais de uma vez como represália pela sua militância, e era monitorado de perto pela ditadura militar, que chegou a prendê-lo durante um curto período em 1984. Liderados pelo sindicalista, os trabalhadores rurais de Carmo do Rio Verde entravam em constante conflito com a cooperativa das usinas de cana-de-açúcar do município, o que rendeu ameaças explícitas de morte.
O crime foi cometido no começo da noite de 23 de outubro, quase à porta do sindicato onde Nativo da Natividade de Oliveira atuava. O sindicalista foi surpreendido enquanto saía do veículo onde estava, e teria chegado a segurar o braço do assassino em um esforço para evitar os disparos. O velório contou com a presença de mais de mil pessoas, e teve as presenças do então presidente da CUT, Jair Meneguelli, e de líderes sindicais e religiosos de alcance nacional.
O assassino confesso é Júlio Santana, pistoleiro que teria matado 492 pessoas em diferentes estados do Brasil, quase sempre em ligação com disputas de terra. O número não é uma simples aproximação: segundo o jornalista Kleister Cavalcanti, o matador anotava em um caderno o nome de cada vítima, bem como da pessoa que havia encomendado o crime. De acordo com Santana, o mandante foi Roberto Pascoal Liégio, então prefeito de Carmo do Rio Verde. Preocupado com a crescente força política do sindicalista, ele teria se aliado ao presidente do sindicato patronal, Geraldo dos Reis de Oliveira, e ao fazendeiro Genésio Pereira para encomendar a morte.
No julgamento, em 1996, Liégio foi absolvido, enquanto Oliveira e Pereira foram condenados a 13 anos de prisão. Contudo, nunca cumpriram a pena: enquanto recorriam em liberdade, o Tribunal de Justiça de Goiás declarou a nulidade do ato de primeira instância, exigindo que ele fosse refeito por meio de júri popular. Como a 1ª Vara Criminal de Goiânia nunca pautou o novo julgamento, e uma vez decorridos 20 anos desde a pronúncia dos réus, o caso foi declarado prescrito em 2012, pela juíza Carmecy Rosa Maria de Oliveira.
Fora o reconhecimento de trabalhadoras e trabalhadores, que até hoje rendem homenagens ao líder sindical assassinado, a única justiça feita ao nome de Nativo da Natividade de Oliveira veio do governo federal. Em 2010, foi concedido a ele o status de morto político, com o reconhecimento de que a União criou, por ação direta ou negligência, o conflito político que resultou em sua morte. Quatro anos depois, foi concedida anistia política a Nativo, com pagamento de indenização e pensão permanente a sua viúva, Maria de Fátima Marinelli.