Há 91 anos, forças policiais reprimem a Marcha da Fome, importante mobilização de trabalhadores nos primeiros anos da Era Vargas
Igor Natusch
Uma das principais funções das forças policiais e militares, em todos os tempos e lugares, é impedir que a revolta de trabalhadoras e trabalhadores saia do controle. Em 19 de janeiro de 1931, a tentativa de promover uma Marcha da Fome em diferentes cidades brasileiras foi duramente reprimida pelas autoridades, dentro do tom muitas vezes contraditório da Era Vargas – um regime que, ao mesmo tempo em que consolidava direitos até então inéditos à classe trabalhadora, agia de forma dura contra sindicatos e qualquer tipo de dissensão em geral.
A paralisação foi convocada pela Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), fundada em 1929 durante o Congresso Operário Nacional. A entidade pretendia funcionar como um braço sindical do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e a Marcha da Fome seria sua primeira ação de alcance nacional. A partir da eleição de Heitor Ferreira Lima como secretário-geral do PCB, nos primeiros dias de janeiro de 1931, procedeu-se imediatamente à organização de um grande ato contra as más condições de vida de então.
Em um dos manifestos que chamavam a classe trabalhadora ao protesto, originalmente agendado para 17 de janeiro, a CGTB exortava o povo a “(tomar) à força o que de direito nos cabe”, posicionando o ato como um levante contra a polícia e a burguesia e chegando ao ponto de sugerir ações drásticas contra a miséria. “Assaltemos armazéns e levemos o pão para os nossos filhos”, dizia abertamente o documento.
As forças policiais, por óbvio, não enxergaram o tom belicoso do manifesto com bons olhos. Boletins e cartazes foram apreendidos não só no Rio de Janeiro, então Distrito Federal e principal polo de organização dos protestos, mas também em cidades como São Paulo, Santos e Curitiba. Organizadores foram arrancados da casa à véspera da data original, conduzidos à prisão e ameaçados de degredo ou deportação. Devido a essas ações, a manifestação foi reagendada pelo Partido Comunista do Brasil para dois dias depois – o que, é claro, não deixou de ser notado pelas autoridades. O próprio Getúlio Vargas, em seu diário, registrou que estava marcada para o dia 19 a “explosão de uma revolução comunista”, o que dá o tom da preocupação com a qual o governo via o protesto.
A marcha, de modo geral, acabou não acontecendo. No Rio, a presença maciça de forças policiais (incluindo a preparação ostensiva de metralhadoras na Praça da Bandeira, onde a concentração estava marcada para ocorrer) impediu qualquer iniciativa, enquanto a dura repressão em São Paulo dispersou rapidamente os manifestantes. Em Santos, diz-se que a situação foi ainda mais tensa, com organizadores da marcha resistindo às forças governamentais de armas na mão. De qualquer modo, o regime de Vargas conseguiu seu intento, e a tentativa de incendiar as massas rumo a uma revolta coletiva não teve o efeito esperado.
A reprimida Marcha da Fome acabou sendo um dos gatilhos para a aprovação de uma nova Lei de Sindicalização, que entrou em vigor em 19 de março de 1931. Entre suas principais determinações, estava a exigência de que qualquer organização sindical efetiva deveria ser registrada junto ao recentemente criado Ministério do Trabalho, a partir da aprovação de estatutos e balancetes trimestrais, entre outras exigências. A medida, que recebeu forte oposição do PCB, acabou esvaziando a CGTB original, e a dura repressão que se seguiu (incluindo a prisão de líderes conectados com a organização da Marcha) teve pesado efeito sobre os comunistas brasileiros nos anos seguintes.