Há 103 anos, morria o anarquista Neno Vasco, que traduziu para o português o hino A Internacional
Igor Natusch
Falecido há 100 anos (mais precisamente, no dia 15 de setembro de 1920), Gregório Nazianzeno Moreira de Queiroz e Vasconcelos – ou Neno Vasco, como ficou conhecido – foi um dos mais importantes proponentes do sindicalismo revolucionário nos primeiros anos do século XX. Anarquista durante praticamente toda a vida, ele deixou uma ampla obra de ensaios, poesias e artigos jornalísticos e de opinião, sendo proponente ou entusiasta de inúmeras iniciativas importante na gênese dos movimentos operários brasileiros. No entanto, a lembrança mais frequente de seu legado sobrevive sem associação direta com seu nome: afinal, foi ele quem traduziu para a língua portuguesa o hino A Internacional, um símbolo dos movimentos revolucionários de então e que segue presente no imaginário político até os dias atuais.
Nascido em 1878 na cidade de Penafiel, em Portugal, Neno emigrou para o Brasil ainda na infância. Após alguns anos, regressou a solo português para cursar direito na Universidade de Coimbra, local onde teve seus primeiros contatos com o pensamento libertário e publicou seus primeiros artigos. Mas foi a partir de seu retorno ao Brasil, em 1901, que Neno Vasco teve contato com a obra anarquista de Errico Malatesta, que teve impacto decisivo em sua formação intelectual.
Radicado em São Paulo, o jovem anarquista português passou a atuar intensamente na crescente imprensa operária daqueles dias. Em 1902, foi um dos editores do jornal Amigo do Povo, um dos primeiros periódicos anarquistas do Brasil e que teve papel significativo na então incipiente troca de ideias entre diferentes grupos de natureza sindical. Mais tarde, publicou também a revista Aurora e os jornais A Voz do Trabalhador, A Lanterna e A Terra Livre, além de escrever textos para várias outras publicações. Mas foi em 1909 que Neno Vasco debruçou-se sobre A Internacional, letra escrita pelo francês Eugène Pottier, e deu a ela os versos em português que hoje é um patrimônio imaterial do pensamento revolucionário:
De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que, claro a soterra.
Cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, ó produtores!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional!
Com a proclamação da República Portuguesa em 1910, Neno Vasco retornou ao país natal, engajando-se na militância anarquista de Portugal e seguindo a colaborar, como correspondente, em periódicos brasileiros. Atuou na revista A Sementeira, principal publicação anarquista de Portugal na Primeira República, e também ministrou cursos de formação, nos quais desenvolvia suas ideias sobre o sindicalismo revolucionário. Crítico de movimentos marxistas e do partidarismo, oposto ao cooperativismo e entusiasta da ação direta, Neno Vasco via os núcleos de organização operária como base para uma sociedade futura, tendo a resistência e o confronto contra o patronato como suas funções primordiais.
Casado com Mercedes Moscoso, filha de uma família espanhola de notória tradição anarquista, Neno viveu uma vida sem luxos. Morreu de tuberculose, aos 42 anos, em uma residência humilde na freguesia de São Romão do Coronado, no norte de Portugal. A esposa e dois de seus filhos também morreram da enfermidade. Hoje, Neno Vasco é amplamente reconhecido como figura histórica pelos anarquistas de Brasil e Portugal, e sua versão d’A Internacional (com pequenas alterações para cada caso) ainda é amplamente usada por comunistas, libertários, socialistas e outros tantos ramos políticos ligados aos trabalhadores e trabalhadoras.