14 de maio de 1962: inicia a Greve de Perus, em São Paulo, que durou sete anos em plena ditadura militar

Há 61 anos, iniciava a Greve de Perus, em São Paulo, que durou sete anos em plena ditadura militar.

Fotografia: Arquivo Edgard Leuernroth/UNICAMP

Igor Natusch

Alguns dos momentos mais emblemáticos da história de lutas da classe trabalhadora brasileira ainda são pouco conhecidos e documentados. É o caso, por exemplo, da greve na fábrica de cimento Portland, localizada no bairro de Perus, na região noroeste de São Paulo. A paralisação teve nada menos que sete anos de duração, sendo provavelmente a mais extensa da história sindical brasileira – tudo isso em pleno período de repressão motivado pela ditadura militar.

A paralisação mobilizou cerca de 3,5 mil operários, chamados popularmente de queixadas, que se revoltaram com o descumprimento de leis trabalhistas por parte da Portland Perus, fundada em 1926 e a primeira cimenteira de grande porte em solo brasileiro. Comandada pela família do empresário José João Adballa, a indústria era marcada, segundo os depoimentos de trabalhadores, por condições degradantes e jornadas exaustivas, com salários constantemente atrasados e sem pagamento de benefícios como os adicionais de férias e de insalubridade. Depois de reclamações formais terem sido ignoradas pela direção da fábrica, os trabalhadores decidiram cruzar os braços, movimento que iniciou-se no dia 14 de maio de 1962.

A greve, que estendeu-se originalmente por 99 dias, espalhou-se para as outras três plantas pertencentes aos Abdalla, em Gato Preto, Jundiaí e Pirajuí. Após pressão dos patrões e de políticos ligados à região, parte dos trabalhadores (rotulados, desde então, como “pelegos”) aceitaram retornar ao trabalho, sem melhorias significativas nas condições oferecidas. Apesar do apelido pejorativo, esses trabalhadores não aceitaram docilmente a situação, e promoveram uma série de protestos e passeatas contra os desmandos do patronato. A maioria dos funcionários da Portland Perus, porém, foi impedida de voltar ao trabalho pelos empregadores, enquanto José João Abdalla buscava, na Justiça, despejá-los das vilas operárias bancadas pela companhia. Esses grevistas, conhecidos como queixadas, mantiveram um ampla frente de resistência, exigindo a reintegração e o pagamento de todos os salários atrasados.

Foi um período longo e dramático, em que os queixadas passaram por repressão das forças de segurança, tiveram água e luz cortadas em suas casas e, sem novos empregos, dependiam da solidariedade de instituições religiosas e de vizinhos para sobreviver. O Exército chegou a ocupar Perus e o município vizinho Cajamar, o que não foi suficiente para sufocar os cimenteiros insatisfeitos. O sindicato ingressou, em 1963, com ação pedindo o retorno de todos aos postos de trabalho – mas muitos, exauridos pela longa disputa, largaram tudo e foram buscar emprego em outras cidades. Em 1967, a Justiça decidiu pela reintegração dos queixadas e pelo pagamento de atrasados – processo que só seria concluído em 1975, quando os valores referentes aos quase 2.500 dias parados foram depositados pelo governo federal. Então, o grupo Abdalla já enfrentava denúncias de corrupção, além de acusações de dano ambiental pela ausência de filtros nas chaminés. Sufocada por denúncias e processos, a Portland Perus foi fechada em 1983, mas parte do passivo deixado para trás ainda persiste, com alguns trabalhadores aguardando até hoje o pagamento de indenizações e verbas trabalhistas devidas.

A luta, agora, é para preservar essa memória. A Comissão da Verdade colheu depoimentos de queixadas no começo desta década, e esforços acadêmicos vêm sendo conduzidos para sistematizar os relatos de quem viveu, em primeira pessoa, os momentos decisivos da disputa. O prédio onde funcionava a antiga fábrica foi tombado, em 1992, como patrimônio histórico da cidade de São Paulo. No entanto, o poder público pouco ou nada fez para preservar a história do lugar desde então, e o edifício vem se deteriorando a olhos vistos. A mobilização de movimentos sociais e associações de moradores do bairro é transformar o prédio em um centro de cultura e memória, capaz de oferecer opções de lazer à população de Perus e, ao mesmo tempo, recordar a longa luta dos queixadas por melhores condições de trabalho e de vida.

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