Há 61 anos, iniciava a Greve de Perus, em São Paulo, que durou sete anos em plena ditadura militar.
Igor Natusch
Alguns dos momentos mais emblemáticos da história de lutas da classe trabalhadora brasileira ainda são pouco conhecidos e documentados. É o caso, por exemplo, da greve na fábrica de cimento Portland, localizada no bairro de Perus, na região noroeste de São Paulo. A paralisação teve nada menos que sete anos de duração, sendo provavelmente a mais extensa da história sindical brasileira – tudo isso em pleno período de repressão motivado pela ditadura militar.
A paralisação mobilizou cerca de 3,5 mil operários, chamados popularmente de queixadas, que se revoltaram com o descumprimento de leis trabalhistas por parte da Portland Perus, fundada em 1926 e a primeira cimenteira de grande porte em solo brasileiro. Comandada pela família do empresário José João Adballa, a indústria era marcada, segundo os depoimentos de trabalhadores, por condições degradantes e jornadas exaustivas, com salários constantemente atrasados e sem pagamento de benefícios como os adicionais de férias e de insalubridade. Depois de reclamações formais terem sido ignoradas pela direção da fábrica, os trabalhadores decidiram cruzar os braços, movimento que iniciou-se no dia 14 de maio de 1962.
A greve, que estendeu-se originalmente por 99 dias, espalhou-se para as outras três plantas pertencentes aos Abdalla, em Gato Preto, Jundiaí e Pirajuí. Após pressão dos patrões e de políticos ligados à região, parte dos trabalhadores (rotulados, desde então, como “pelegos”) aceitaram retornar ao trabalho, sem melhorias significativas nas condições oferecidas. Apesar do apelido pejorativo, esses trabalhadores não aceitaram docilmente a situação, e promoveram uma série de protestos e passeatas contra os desmandos do patronato. A maioria dos funcionários da Portland Perus, porém, foi impedida de voltar ao trabalho pelos empregadores, enquanto José João Abdalla buscava, na Justiça, despejá-los das vilas operárias bancadas pela companhia. Esses grevistas, conhecidos como queixadas, mantiveram um ampla frente de resistência, exigindo a reintegração e o pagamento de todos os salários atrasados.
Foi um período longo e dramático, em que os queixadas passaram por repressão das forças de segurança, tiveram água e luz cortadas em suas casas e, sem novos empregos, dependiam da solidariedade de instituições religiosas e de vizinhos para sobreviver. O Exército chegou a ocupar Perus e o município vizinho Cajamar, o que não foi suficiente para sufocar os cimenteiros insatisfeitos. O sindicato ingressou, em 1963, com ação pedindo o retorno de todos aos postos de trabalho – mas muitos, exauridos pela longa disputa, largaram tudo e foram buscar emprego em outras cidades. Em 1967, a Justiça decidiu pela reintegração dos queixadas e pelo pagamento de atrasados – processo que só seria concluído em 1975, quando os valores referentes aos quase 2.500 dias parados foram depositados pelo governo federal. Então, o grupo Abdalla já enfrentava denúncias de corrupção, além de acusações de dano ambiental pela ausência de filtros nas chaminés. Sufocada por denúncias e processos, a Portland Perus foi fechada em 1983, mas parte do passivo deixado para trás ainda persiste, com alguns trabalhadores aguardando até hoje o pagamento de indenizações e verbas trabalhistas devidas.
A luta, agora, é para preservar essa memória. A Comissão da Verdade colheu depoimentos de queixadas no começo desta década, e esforços acadêmicos vêm sendo conduzidos para sistematizar os relatos de quem viveu, em primeira pessoa, os momentos decisivos da disputa. O prédio onde funcionava a antiga fábrica foi tombado, em 1992, como patrimônio histórico da cidade de São Paulo. No entanto, o poder público pouco ou nada fez para preservar a história do lugar desde então, e o edifício vem se deteriorando a olhos vistos. A mobilização de movimentos sociais e associações de moradores do bairro é transformar o prédio em um centro de cultura e memória, capaz de oferecer opções de lazer à população de Perus e, ao mesmo tempo, recordar a longa luta dos queixadas por melhores condições de trabalho e de vida.
Maravilha de informações.
O coro come na mata fechada, mas Queixada me ensinou a lutar sem a espada.