Há 129 anos, foram executados os acusados de atuar no grupo espanhol La Mano Negra, cuja existência nunca foi realmente provada.
Igor Natusch
A repressão aos movimentos de revolta dos trabalhadores sempre tomou diferentes formas no decorrer dos séculos. Não é incomum, por exemplo, que a atuação conjunta de governos, empresários e proprietários rurais faça uso de teorias conspiratórias e denúncias infundadas, usando os medos reprimidos da população em uma guerra ideológica (ou moralista) contra sindicatos e grupos políticos. Uma das instâncias mais trágicas ocorreu em 1884, na cidade espanhola de Jerez de La Frontera, quando sete pessoas foram executadas em forca pública por supostamente integrarem um grupo revolucionário anarquista chamado La Mano Negra – cuja existência nunca foi efetivamente comprovada e que é visto, pela maioria dos pesquisadores, como uma provável invenção, encorajada pelas autoridades locais de então.
A Espanha do final do século XIX ainda era eminentemente agrícola, embora já vivendo os primeiros momentos de uma crescente industrialização. Em um país onde o analfabetismo era predominante, começava a surgir, junto com as fábricas e maquinário industrial, os primeiros núcleos de uma consciência política mais intelectualizada, então fortemente marcada pelo pensamento anarquista. Na região da Andaluzia, esse choque de realidades ganhava contornos ainda mais conflituosos, com uma série de motins e agitações causados pela falta de trabalho e pelos preços cada vez mais altos no comércio. Um deles, ocorrido em 3 de novembro de 1882, lançou a cidade de Jerez de La Frontera no caos, só sendo contido após a intervenção do exército e resultando em mais de 60 detenções.
Nos últimos dias daquele ano, juntava-se ao clima geral de insegurança os comentários sobre uma greve geral iminente, em busca de melhores salários. Foi nesse cenário tenso que, em novembro daquele ano, a Guarda Civil de Andaluzia anunciou ter encontrado uma espécie de “estatuto” de uma organização chamada La Mano Negra, além de um manual que guiaria julgamentos de um “tribunal popular” que puniria, secretamente, os integrantes da burguesia local. Entre as recomendações, estaria a promoção de incêndios em colheitas e prédios públicos, além de assassinatos. Os documentos teriam sido encontrados debaixo de uma pedra, e sua autenticidade divide historiadores: há quem defenda que são legítimos, embora de duas organizações clandestinas distintas e hoje desconhecidas, mas a maioria dos estudiosos da atualidade vê como mais provável a hipótese de falsificação.
A repressão das autoridades, de qualquer modo, foi dura. Em meio a um clima de quase histeria, foram feitas centenas de detenções, colocando quase todos os líderes anarquistas da região atrás das grades. Crimes ocorridos logo após a descoberta dos documentos foram atribuídos ao suposto grupo terrorista, em especial o assassinato de um campesino chamado Bartolomé Gago, em fevereiro de 1883, que ficou conhecido como o Crime da Parrilla. Em julgamento conduzido em junho do mesmo ano, quinze pessoas foram condenadas pelo crime – sete delas sentenciadas à morte por garrote vil, um método de estrangulamento a partir de uma argola de ferro. As execuções ocorreram no dia 14 de junho de 1884, na Plaza del Mercado de Jerez de La Frontera. Três dias depois, os juízes responsáveis pela sentença foram condecorados pela Coroa espanhola.
Embora a dura ação do poder local tenha desarticulado fortemente o movimento anarquista em toda Andaluzia, não demorou para que os resultados do julgamento fossem questionados. Em cartas enviadas da prisão, os delatores denunciaram que as confissões foram obtidas via tortura, e a campanha que se seguiu (capitaneada pelo jornal anarquista Tierra y Libertad, da capital Madrid) acabou resultando, entre 1902 e 1903, na comutação de pena dos condenados, que tiveram as prisões transformadas em exílio. Atualmente, e embora não haja dúvidas sobre a realidade material de boa parte dos crimes atribuídos a La Mano Negra, a motivação política da maioria deles é considerada duvidosa, que dirá a ligação com uma conspiração revolucionária de larga abrangência.
Nao é diferente em nossos dias. Os trabalhadores ainda sofrem ataques por conta de suas lutas e por conta do espaço de suas conquistas. Veja-se o retrocesso imposto ao trabalhador brasileiro diante da chamada “reforma trabalhista” iniciada por Temer e ampliada por Bolsonaro.