Há 114 anos, era executado o pedagogo catalão Francesc Ferrer i Guàrdia, idealizador da Escola Moderna.
Igor Natusch
A educação como potência libertadora é uma das bases do pensamento progressista e sindical em todo o mundo. Um dos nomes mais emblemáticos da pedagogia libertária em todos os tempos, o catalão Francesc Ferrer i Guàrdia criou a Escola Moderna, um movimento racionalista e contrário à autoridade que logo ganhou dimensão internacional. Os desdobramentos de sua iniciativa, porém, acabaram despertando a ira de igrejas e governos, resultando em perseguição sistemática e, finalmente, na sua execução por fuzilamento, concretizada no dia 13 de outubro de 1909.
Nascido na pequena vila de Allela em 1859, Ferrer mostrou-se anticlerical praticamente desde a infância, e engajou-se em movimentos revolucionários ainda na juventude, precisando exilar-se na França após apoiar uma fracassada revolta republicana em 1886. Foi durante sua estada em Paris que ele consolidou as bases de seu pensamento anarquista, além de descobrir e aprimorar sua vocação para a pedagogia. Com o passar dos anos, Ferrer i Guàrdia decidiu-se por um passo ousado: abrir uma instituição de ensino libertária, de caráter racionalista e que encorajasse o aprendizado prático em detrimento do academicismo.
Ao retornar a Barcelona, e fazendo uso de uma herança deixada por uma rica aluna chamada Jeanne Ernestine-Meunie, o pedagogo fundou a Escuela Moderna. De espírito secular e fortemente oposta aos dogmas católicos de então, a instituição tinha como norte estimular o pensamento livre dos alunos, e ignorava mecanismos como provas, recompensas e castigos, vistos por seu idealizador como mecanismos de coerção. Os estudantes não respondiam chamadas, podendo ir às aulas se e quando quisessem, e podiam planejar a maior parte das próprias atividades. Meninos e meninas frequentavam as mesmas salas sem distinção, o que era incomum à época, e as mensalidades eram cobradas de forma escalonada, com famílias mais ricas pagando mais e ajudando a sustentar o ensino dos alunos mais humildes. Como ponto de partida para uma reconfiguração mais profunda da sociedade, a Escola Moderna trazia também um forte caráter ideológico, criticando os poderes religiosos e estatais e tratando o capitalismo e o militarismo como inimigos da liberdade de pensamento.
A primeira turma, que iniciou aulas em setembro de 1901, tinha apenas trinta alunos; cinco anos depois, já eram quase 130 estudantes. A Escuela Moderna tinha também uma academia para formação de professores e uma gráfica, que produzia informativos e livros didáticos. A crescente influência de Ferrer e de sua escola, porém, era vista com profundo desagrado pelas autoridades, e a acusação (nunca plenamente esclarecida) de participação em uma conspiração para matar o Rei Alfonso XIII fez com que Francesc Ferrer i Guàrdia fosse preso em 1906, o que resultou no fechamento da Escuela Moderna.
Embora a escola nunca tenha sido reaberta, Ferrer reativou a gráfica logo que saiu da cadeia, em junho de 1907, e manteve uma intensa participação em publicações anarquistas, além de auxiliar na abertura de escolas libertárias em outras cidades europeias. Sua carreira, contudo, teria um fim trágico dois anos depois. Acusado de ser o idealizador de uma série de confrontos e insurreições que tomaram conta da Catalunha em julho de 1909, Ferrer i Guàrdia foi preso e condenado à morte por fuzilamento, em um julgamento denunciado já naqueles dias como uma grande farsa. Suas últimas palavras diante do pelotão da morte, segundo historiadores, teriam sido “Mirem bem, meu amigos! Sou inocente, mas vocês não têm culpa de nada. Vida longa à Escola Moderna!”
A execução de Ferrer despertou uma onda internacional de indignação, com protestos registrados em várias partes da Europa e das Américas. Se a ideia das autoridades espanholas era eliminar o ensino libertário do mapa, o efeito obtido foi oposto: nos anos subsequentes, inúmeras instituições de ensino inspiradas nos métodos e escritos do pedagogo catalão foram abertas em várias partes do globo, incluindo o Brasil. Embora amplamente revisto e modificado por experiências posteriores no decorrer das décadas, o método de ensino revolucionário idealizado por Francesc Ferrer i Guàrdia segue sendo inspiração para boa parte do ensino promovido por sindicatos e movimentos sociais em todo o mundo.