Há 83 anos, morria o militante anarquista Mário Castelhano, importante nome da resistência sindical portuguesa ao salazarismo
Igor Natusch
Um dos mais significativos nomes do anarquismo português durante os anos de ditadura, o sindicalista Mário Castelhano teve uma morte infame, nas masmorras do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Falecido em 12 de outubro de 1940, ele foi uma das cerca de quarenta vítimas oficiais das condições desumanas da carceragem, destinada aos opositores políticos do ditador António de Oliveira Salazar. A morte, porém, nada fez para apagar a história de uma importante figura nas lutas sindicais e políticas da primeira metade do século XX.
Nascido em Lisboa, em 1896, Castelhano começou a trabalhar aos 14 anos, como funcionário da Companhia Portuguesa dos Caminhos-de-Ferro. Seu envolvimento com o anarco-sindicalismo iniciou logo depois, ganhando força a partir de 1920 – quando, após participar da organização de uma greve, foi demitido e optou por assumir funções administrativas em entidades ligadas à Confederação Geral do Trabalho (CGT). Não demorou para que ocupasse cargos de maior destaque, em especial após o golpe de estado de 28 de maio de 1926 em Portugal. Nesse momento, tornou-se secretário-geral da CGT, além de chefe de redação do periódico A Batalha – uma forma de aproveitar experiências anteriores, quando dirigiu os jornais O Ferroviário e O Rápido, ligados à Federação Ferroviária.
Após a revolta de fevereiro de 1927, que tentou sem sucesso derrubar a ditadura militar que se consolidava, a perseguição ao sindicalismo português tornou-se mais dura e cruel, o que lançou a CGT na ilegalidade. Em outubro daquele ano, o sindicalista acabou preso e deportado para Angola, onde viveu durante dois anos. Mais tarde, foi para os Açores e para a Ilha da Madeira, onde participou, em abril de 1931, da revolta dos deportados contra o governo local. Após o fim da revolta, reprimida pelos militares, retornou clandestinamente a Portugal, onde reassumiu o secretariado do CGT, que seguia ativo na clandestinidade.
Ao lado da esposa, a professora e militante anarquista Lucinda Duarte, e da família, Castelhano chegou a viver escondido em um moinho, onde tinha sido instalada uma tipografia clandestina da CGT. Após a decisão do Estado Novo português de impor aos sindicatos o modelo vertical fascista, consolidada na Constituição de 1933, um grupo de anarquistas e comunistas organiza o movimento grevista e insurrecional de 18 de janeiro de 1934. Castelhano, um dos principais organizadores, acabou preso pelos salazaristas três dias antes do levante, sendo condenado pelo Tribunal Especial Militar a 16 anos de degredo.
Após um período na Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, acabou conduzido ao campo de concentração do Tarrafal, conhecido entre opositores de Salazar como “campo da morte lenta”, por motivos óbvios. Conta-se que, em setembro de 1940, Castelhano teve papel importante no enfrentamento de uma epidemia dentro da prisão, atuando de forma a garantir água potável e o mínimo de cuidado em meio às condições insalubres e diante do descaso da administração. Infelizmente, ele próprio ficou doente em seguida e, sofrendo de fortes dores no estômago, acabou morrendo dias depois.
Hoje, Mário Castelhano é visto como um dos heróis do anarquismo português. Seu livro “Quatro anos de deportação” foi editado pela primeira vez em 1975, e recebeu a condecoração póstuma de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade, em junho de 1980.