Há 114 anos, foi publicada a primeira edição do jornal “A Voz do Trabalhador”, importante veículo dos primórdios do movimento operário brasileiro.
Igor Natusch
A virada do Século XX foi bastante intensa para a imprensa anarquista no Brasil. Em um cenário efervescente – no qual os líderes sindicais anarquistas tinham destacada participação, e os intensos debates iam da busca de direitos ao ímpeto revolucionário – uma série de veículos foram criados para levar adiante as ideias e demandas da massa operária. Fundado no Rio de Janeiro e com primeira edição publicada em 1 de julho de 1908, “A Voz do Trabalhador” foi uma dessas publicações, e surgiu como parte dos planos de ação da Confederação Operária Brasileira, primeira central sindical do país e que começou a atuar em março do mesmo ano.
Em sua edição inaugural, uma espécie de editorial delimitava como objetivo “a emancipação dos trabalhadores da tirania e exploração capitalista”, a partir de uma futura organização de produtores-consumidores que teria os sindicatos de então como célula inicial. Dentro de uma prática comum naqueles dias, os artigos eram assinados com pseudônimos ou publicados de forma anônima, como forma de evitar que seus autores fossem perseguidos pelo governo. É sabido, porém, que o jornalista e advogado português Neno Vasco era do conselho editorial e um dos principais articulistas, e que figuras como Amaro de Matos, João Crispim e João Penteado também foram colaboradores do jornal. Até mesmo o escritor Lima Barreto publicou uma crônica, “Palavras de Um Snob Anarquista”, na edição de 15 de maio de 1913.
“A Voz do Trabalhador” viveu fases distintas. De início, a ideia era que o veículo fosse um semanário, buscando um caráter mais nacional em suas discussões. Porém, a falta de recursos levou a repetidas interrupções, que afetaram a periodicidade e fizeram com que a publicação tivesse uma última edição, em 9 de dezembro de 1909. Com a organização do Segundo Congresso Operário Brasileiro, programado para o segundo semestre de 1913, o entusiasmo dos editores foi renovado, e o jornal voltou a circular em janeiro daquele ano, adotando uma linha editorial mais militante e libertária. Mesmo com repetidos apelos por assinantes e colaborações, a situação financeira seguiu difícil, e “A Voz do Trabalhador” circulou pela última vez em 8 de junho de 1915, desta vez de forma definitiva. O fim do jornal coincidiu com a interrupção das atividades da própria COB – que, mesmo com uma série de tentativas de reorganização nas décadas seguintes, nunca chegou de fato a ressurgir.
Responsável, entre outros trabalhos, pela tradução para português do hino A Internacional, Neno Vasco retornou a Portugal em 1910 e não teve papel decisivo na segunda fase do periódico, embora provavelmente tenha colaborado como correspondente. Tomando novas formas em uma série de publicações, a imprensa anarquista brasileira seguiu influente pelo menos até os anos 1920, quando o anarco-sindicalismo começou a perder força diante do crescimento do marxismo-leninismo e da forte repressão das autoridades.