Há 38 anos, morria o anarquista e sindicalista alemão Augustin Souchy, que conheceu e escreveu sobre experiências comunitárias ao redor do mundo
Igor Natusch
“Cuidado! Anarquista!” Escrita em seu mandado de prisão, expedido nos momentos iniciais da Primeira Guerra Mundial, a frase tornou-se uma definição para a vida do alemão Augustin Souchy, virando até mesmo o título de sua futura autobiografia. Falecido no dia 1º de janeiro de 1984, o jornalista foi além dos espaços tradicionais de militância política, dedicando boa parte de sua vida e trabalho a conhecer e registrar comunidades de trabalhadores em vários países – um material visto hoje como de valor inestimável para a compreensão das estratégias de organização e fraternidade em diferentes partes do mundo.
Nascido em 28 de agosto de 1892 na cidade de Racibórz, hoje parte do território da Polônia, Souchy vivia em Viena quando foi expedido o hoje famoso pedido de prisão. Já conhecido pelas autoridades locais pela sua atividade em núcleos anarquistas, ele viveu a maior parte da sua vida na estrada, não apenas por escolha, mas por necessidade de sobrevivência. Entre outras situações, precisou fugir para a Suécia para escapar do alistamento compulsório – e não ficou muito tempo por lá, sendo deportado em 1914 por ações anti-guerra. Viveu em países como Dinamarca, França, Noruega e México, além de repetidos períodos na Espanha.
Na Alemanha, Souchy atuou como articulista e editor no Der Syndikalist, veículo oficial dos anarco-sindicalistas alemães, e teve papel central na fundação, em Berlim, da Associação Internacional dos Trabalhadores, ativa até os dias atuais. Com a ascensão dos nazistas, ele deixou o território alemão e se envolveu diretamente com a Guerra Civil Espanhola, atuando em especial na disseminação de informações para fora daquele país. A experiência rendeu um de seus livros mais famosos, “A trágica semana de maio” (1937), relato em primeira pessoa dos violentos acontecimentos daqueles dias. Foi fugindo da perseguição que Souchy veio para a América Latina, passando a conhecer e escrever uma série de coletivos, descritos em obras como “Com os Camponeses de Aragão”, publicada em 1982.
Em sua agitada trajetória, Augustin Souchy conheceu os kibbutz em Israel, esteve em Cuba e viajou por vários países latinos e africanos, buscando incentivar a criação de sindicatos ligados ao pensamento anarquista. Era conhecido como um ativista incansável, produzindo e distribuindo panfletos onde quer que estivesse e comparecendo a todas as movimentações populares que fosse capaz. Suas muitas viagens e atividades de campo, unidas ao seu notório conhecimento da teoria anarquista, fizeram dele um dos mais respeitados especialistas em comunidades autogestionadas em todo o mundo. O reconhecimento fora dos núcleos libertários viria a partir dos anos 1960, quando estabeleceu-se em Munique, na Alemanha, e passou a ser chamado frequentemente para entrevistas e participações em vídeo. Acabou contratado pela OIT, em 1963, como especialista em educação. O próprio Souchy riu da ironia da situação, dizendo: “E pensar que, aos 71 anos, estou arranjando meu primeiro emprego!”
Após uma vida singular, Augustin Souchy faleceu no primeiro dia de 1984, aos 91 anos, em decorrência de uma pneumonia. Ele já sofria com Alzheimer há alguns anos, condição que o forçou a reduzir suas atividades nos últimos anos de sua vida. Avesso a formalidades e liturgias, o anarquista foi fiel a seus princípios até o fim: pediu que não houvesse velório ou enterro, e doou seu corpo para uso da ciência.