“Os robôs não se levantarão contra nós, são meras ferramentas”, afirma Jerry Kaplan

A ficção científica é um gênero ao qual se pressupõe um certo valor profético. Vaticinou um presente atestado de câmeras de segurança (George Orwell), satélites geoestacionários (Arthur C. Clarke) e astronautas na Lua (Júlio Verne). Mas, segundo Jerry Kaplan (White Plains, Nova York, 1952), especialista em Inteligência Artificial, doutor em Filosofia e professor na Universidade de Stanford, muitas das fantasias que reverberaram graças à ficção científica também suscitaram um medo injustificado de robôs e máquinas inteligentes. Segundo Kaplan, “ao menos em um futuro previsível, não há nada para se preocupar. Os robôs não se levantarão contra nós, são meras ferramentas que fazem nosso trabalho sujo”.Na ficção, robôs e inteligências artificiais entram em conflito com o ser humano várias vezes. Rebelam-se contra o jugo de seus criadores e despertam profundas questões filosóficas sobre a natureza do ser humano ou a definição de inteligência. Pode um robô sofrer ou ser consciente de si mesmo? Uma máquina elaborada com materiais biológicos é um cérebro? Apesar de sua formação, na obra Inteligência Artificial, Kaplan não se centrou na filosofia. Descreveu robôs e inteligências artificiais como meras ferramentas, ao estilo de um empresário ou um engenheiro (de fato, é fundador de quatro empresas tecnológicas em Silicon Valley e desenvolveu tablets e smartphones. Enquanto estava na universidade, Kaplan esboçou o programa do primeiro piano completamente digital, o Synergy).

As máquinas não estão predestinadas a enfrentar o ser humano, segundo Kaplan. Os perigos futuros de robôs e outros dispositivos inteligentes “não estão relacionados à filosofia ou à natureza da inteligência artificial, mas com problemas de engenharia”. Ou seja, com o mal planejamento das máquinas, assim como pode ocorrer com uma lavadora ou um motor defeituoso. Embora já existam pesquisadores, como Geoffrey Hinton, que trabalham com redes neurais que imitam os neurônios humanos, para Kaplan a relação entre organismos biológicos e a inteligência artificial é muito mais metafórica, ou simplesmente mera inspiração. Ao menos durante os próximos 50 anos.

“Nosso único modelo acerca de como são as máquinas é nossa própria experiência humana. Contudo, se você pensa como um engenheiro, o propósito da Inteligência Artificial não é recriar a inteligência humana, mas, sim, expandir as máquinas para fazer todos os tipos de tarefas”, disse Jerry Kaplan.

Conflitos inevitáveis

O especialista vaticina que a tecnologia continuará sua imparável corrida e que “a gerações futuras verão nossos medos como algo idiota”. No entanto, haverá alguns conflitos: “As máquinas evaporarão o trabalho e deixarão muitas pessoas sem emprego”. As habilidades de muitos ficarão obsoletas: motoristas, cozinheiros e recepcionistas perderão sua razão de ser quando as máquinas fizerem seu trabalho de forma mais eficiente. Junto a esta transformação, o especialista acredita que há um risco de que a inteligência artificial “aumente as desigualdades sociais”, posto que será uma ferramenta de geração de riqueza ao alcance apenas dos mais privilegiados.

Acima de tudo, na medida em que as máquinas forem mais potentes, velozes e próximas dos seres humanos, as consequências de seus erros serão mais catastróficas, prediz o futurólogo. Empregados como artefatos militares, engendrarão armas mais letais, mais seletivas, mais perigosas. “Contudo, o mais inquietante”, segundo Kaplan, “é que instituições, organizações e grupos terroristas poderão se aproveitar desta tecnologia para causar enormes danos. Algo que hoje, realmente, não podem fazer”. O que aconteceria se carros autônomos ou armas robóticas ficassem sob seu controle?

Kaplan acredita que, em longo prazo, a sociedade terá que tomar uma decisão fundamental. Sustenta que é possível que, no futuro, “humanos e máquinas se fundam, expandindo nossa capacidade a níveis semidivinos”. A alternativa é que “sigamos pensando que os humanos são humanos e que as máquinas são meras ferramentas”, acrescenta. O fato de que cheguemos a ver as máquinas como simples objetos, ou como algo mais, “dependerá, em geral, de como desejaremos usar a tecnologia no futuro”.

No campo da inteligência artificial, este pensador considera que a questão de fundo é se as gerações futuras considerarão as máquinas como objetos de ética e empatia, ou se as considerarão como uma nova forma de vida.

A decisão dependerá de como estas máquinas serão definidas. A palavra “robô” nasceu em uma obra do autor teatral tcheco Karel Capek, publicada em 1920 (Robots universales de Rossum), e deriva da palavra tcheca robota, que significa trabalho forçado. Desde então, serviu para definir as máquinas autônomas que fazem alguma tarefa física. Com o imparável aperfeiçoamento da inteligência artificial (conceito que se cristalizou em uma conferência realizada em Dartmouth, Estados Unidos, em 1956), resultou evidente que as máquinas podiam aprender. Desde então, a distinção entre máquina e ser vivo começou a se desvanecer e a se tornar mais problemática do que se pensava. “A filosofia da Inteligência Artificial”, escreve Kaplan, “apresenta a questão de se é possível dizer que os computadores têm mente e/ou pensam. Mas, a resposta depende do que queremos dizer com mente e pensar”. A complexidade da pergunta explica a razão do debate estar há décadas sobre a mesa.

Jogo de imitação

Então, podem pensar? O matemático inglês Alan Turing construiu o “jogo de imitação” para buscar apurar se havia sentido aplicar o termo “pensar” às inteligências artificiais, e considerou que não. O filósofo John Searle propôs que os programas informáticos podiam simular o pensamento, mas não duplicar o processo das mentes humanas, tal como um piano informático executa uma obra de Chopin.

As dúvidas se multiplicam quando se apresenta o dilema se as máquinas seriam capazes de ter consciência ou livre-arbítrio. “Nossa noção sobre o livre-arbítrio é inconsistente com as evidências científicas”, sustenta Kaplan. “Sendo assim, somos forçados a esta ponderação: ou as máquinas e nós temos livre-arbítrio, ou nenhum dos dois o temos”.

A ficção científica prognosticou um futuro onde se alcançava a “singularidade”, um fenômeno no qual as máquinas serão suficientemente inteligentes para melhorar a si mesmas. Outros sugeriram que poderemos transferir nossas mentes para computadores. Para Jerry Kaplan, o primeiro é “tão provável como se aterrissasse uma nave alienígena na Terra”, e o segundo, remoto. “É difícil relacionar a tecnologia real de nosso tempo com essas visões de futuro”.

De momento, tudo diz que a inteligência artificial e os robôs serão nossos aliados durante as próximas décadas. A inteligência artificial já é utilizada em tradutores simultâneos, reconhecimento de imagens e carros sem condutores. Os robôs exploram o espaço, produzem entretenimento, vão à guerra e fazem tarefas ingratas. O motor de busca do Google já é capaz de melhorar a si próprio e aprender. Poderá chegar a responder perguntas subjetivas e personalizadas ou se tornar um tirano com seus próprios objetivos. Tudo dependerá da intenção com que os humanos continuem desenvolvendo esta máquina.

Fonte: Instituto Humanitas, Jornal ABC
Texto: Gonzalo López Sánchez
Data original da publicação: 22/05/2017

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *