23 de fevereiro de 1919: entra em circulação a primeira edição do jornal A Batalha, marco na imprensa anarquista de Portugal

Há 104 anos, entrava em circulação a primeira edição do jornal A Batalha, marco na imprensa anarquista de Portugal.

Capa do suplemento ao número 1139 do jornal ‘A batalha’, 7 de agosto de 1922. Imagem: Instituto de História Contemporânea/Universidade Nova de Lisboa

Igor Natusch

O jornal político mais antigo de Portugal ainda em circulação teve sua primeira edição em 23 de fevereiro de 1919. De inspiração anarcossindicalista e conectado à então recém-criada Confederação Geral do Trabalho (CGT) portuguesa, o período A Batalha passou por muitas fases distintas, enfrentou longos períodos fora de circulação, mas tem se mantido ativo até os dias atuais, como testemunho de um tempo em que a imprensa operária era forte em diferentes partes do mundo.

De fato, A Batalha surge em um momento agitado na política e no sindicalismo portugueses, com incontáveis jornais e revistas surgindo em diferentes pontos do país. A maior parte deles, porém, acabava não indo muito longe – e a repressão governamental em Portugal acabou gerando uma efervescência da imprensa anarquista também no Brasil, já que muitos dos autores portugueses emigraram para nosso país, em busca tanto de refúgio como de oportunidades de trabalho. Com o suporte da CGT, o novo veículo (que teve Alexandre Vieira como primeiro chefe de redação) fez a ousada aposta em uma periodicidade diária, acreditando que uma boa resposta do público faria a iniciativa resistir aos agentes repressores. E foi exatamente o que aconteceu.

Durante boa parte da década de 1920, A Batalha era nada menos que o terceiro jornal mais vendido na capital Lisboa, perdendo apenas (e não de muito) para os tradicionalíssimos Século e Diário de Notícias. Com uma equipe sólida de colaboradores (que incluía, entre outros, o escritor Ferreira de Castro, um dos principais nomes da literatura portuguesa do século passado, e o destacado jornalista Julião Quintinha), o jornal trazia semanalmente um Suplemento Literário Ilustrado, além de uma revista gráfica chamada A Renovação, voltada a “novos horizontes sociais” e que circulava a cada quinze dias.

O auge do veículo durou até 1926, quando a recém-instaurada ditadura portuguesa adotou um regime implacável e feroz de perseguição aos opositores. Em 26 de maio de 1927, a última edição oficial foi às ruas: no mesmo dia, a sede foi invadida e destruída pelas forças policiais. Mário Castelhano, então chefe de redação, foi preso e levado ao campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde acabou morrendo em 1940. A Batalha seguiu na ativa por algum tempo, de forma irregular e na clandestinidade: diz-se que a redação chegou a atuar durante algum tempo dentro de uma gruta, na área rural de Lisboa. Segundo pesquisadores, há registro de edições esporádicas do jornal até pelo menos a primeira metade dos anos 1940.

A retomada definitiva do periódico aconteceu em 1974, depois do sucesso da Revolução dos Cravos e da volta da democracia a Portugal. Segundo o jornalista português Rui Tavares, os sobreviventes das décadas de terror se encontravam nas ruas, incrédulos, meio que perguntando uns aos outros ‘mas ainda estamos vivos?’ – e foi um desses sobreviventes, Emídio Santana, quem liderou o esforço para trazer A Batalha de volta às bancas portuguesas.

Desde então, o veículo (agora adotando a linha de apoio “jornal de expressão anarquista”) vem mantendo uma periodicidade mais ou menos constante, com a mais recente retomada datada de 2017. Atualmente sem conexões com entidades sindicais, A Batalha é editado de forma trimestral, com cópias físicas entregues em sua maioria por meio de assinaturas. Um cenário talvez um pouco distante da ampla abrangência de outrora, mas suficiente para manter vivo um jornal que, há mais de um século, representa o pensamento libertário na imprensa portuguesa.

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