Patrícia Rocha Lemos
Fonte: Revista da ABET, v. 23, n. 2, 2024.
Resumo: O artigo discute como a dinâmica da produção para o capital e a realidade de produção e reprodução da força de trabalho migrante estruturam as condições de trabalho de extrema precariedade a que essa população está submetida e, ao mesmo tempo, constituem barreiras à sua superação. A análise se apoia nos resultados da pesquisa de pós-doutorado realizada entre 2021 e início de 2023. A partir, principalmente, da experiência de mulheres de origem boliviana, trabalhadoras da costura em São Paulo, o artigo evidencia as opressões de raça e gênero como constitutivas da dinâmica de organização desse setor baseada na redução sistemática e profunda dos custos de reprodução social da força de trabalho imigrante. Com isso corroboramos as teses de que o trabalho escravo contemporâneo, bem como o trabalho precário e informal localizam-se no cerne da acumulação de capital e em sintonia com as tendências globais de flexibilização e precarização do trabalho.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO | 2. A FORÇA DE TRABALHO MIGRANTE NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO | 3. TENDÊNCIAS DA CONFECÇÃO EM SÃO PAULO E IMPORTÂNCIA DAS OFICINAS FAMILIARES | 4. OPRESSÃO DE GÊNERO E DE RAÇA NA PRODUÇÃO DE FORÇA DE TRABALHO MIGRANTE | 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho na costura em São Paulo, com forte presença da migração latino-americana e particularmente boliviana, é conhecido por se estruturar a partir do trabalho escravo contemporâneo urbano de migrantes internacionais indocumentados. A força de trabalho migrante submetida a condições de exploração desumanas é parte fundamental da dinâmica produtiva desse segmento econômico não apenas no Brasil, mas no conjunto das cadeias globais dirigidas por grandes compradores (Gereffi; Korzeniewicz, 1994), cujo símbolo, na indústria da moda, são as sweatshops (Anner, 2020; Mezzadri, 2017; Rosen, 2002; Taplin, 2014).
No caso dos/as migrantes bolivianos/as, trata-se de um fluxo de pelo menos quatro décadas que se perpetua na indústria da confecção. Inúmeras pesquisas analisam a existência de tráfico de pessoas e evidenciam as condições e as relações em que estão inseridos/as esses/as trabalhadores/as nas oficinas de costura no Brasil, não apenas oriundas da Bolívia, mas também do Paraguai e do Peru (Freitas, 2009; Côrtes, 2013; Souchaud, 2012; Silva, 2011). Ainda que outros fluxos migratórios tenham ganhado maior visibilidade nos últimos anos, com destaque para o número crescente de pessoas haitianas e venezuelanas, a presença do trabalho de migrantes internacionais, sobretudo de origem boliviana, no cerne da produção da indústria da confecção, no Brasil, permanece significativa, com um fluxo que se mantém constante, inclusive passando por processos de interiorização e dispersão por diferentes cidades e regiões do país (Côrtes, 2013; Ribeiro, 2021).
São de conhecimento público as degradantes condições de trabalho no segmento, que ganharam visibilidade nas últimas décadas depois de noticiadas fiscalizações que encontraram trabalho análogo à escravo na cadeia de grandes varejistas, como C&A, Zara etc. Contudo, com foco nas condições de trabalho ou nos percursos migratórios, pouco se discute sobre a particularidade do trabalho migrante na costura, considerando a dinâmica de reprodução desta força de trabalho. Entendemos que esse aspecto é fundamental para a compreensão das perspectivas e das possibilidades concretas de migrantes internacionais acessarem outras formas de inserção no mercado de trabalho, para além daquelas que podem ser evidentemente tipificadas como “trabalho análogo ao escravo” em circunstâncias de pós-resgate ou após superarem a condição de exploração da chegada no país. Nesse sentido, este artigo discute como o modo particular de produção e reprodução dessa força de trabalho estrutura as condições de trabalho a que essa mesma população está submetida e constitui barreiras à sua superação.
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Patrícia Rocha Lemos é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é pós-doutoranda do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), do Instituto de Economia da Unicamp.