Cerca de 50 mulheres se reuniram, na tarde da última sexta-feira (22), em um dos encontros finais do primeiro curso de emergência climática para líderes comunitárias do Rio Grande do Sul. Promovida pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, a formação visa a capacitação de Promotoras Legais Populares (PLPs), Jovens Multiplicadoras de Cidadania (JMCs) e outras lideranças, com conteúdo centrado em uma atuação mais decisiva durante situações extremas relacionadas ao clima, como as enchentes que atingiram o Estado este ano.
Segundo Rafaela Caporal, coordenadora da área de “enfrentamento às violências” da Themis, o curso foi criado como uma resposta institucional às inundações que ocorreram em 2024. A profissional destaca que, embora não tenha sido o primeiro episódio desse tipo, estudos apontam que situações semelhantes devem se repetir nos próximos anos. “Emergências climáticas não são um problema do futuro, mas do presente”, ressalta.
Além disso, Rafaela explica que diante da atuação prévia da instituição, com lideranças comunitárias, e da mobilização dessas mulheres durante as enchentes em seus territórios, se tornou evidente a necessidade de oferecer uma formação que ampliasse seus conhecimentos. “A ideia é que esse curso também contribua para o início da construção de um protocolo que leve em conta questões interseccionais de raça, gênero e classe, voltado para operações e ações em momentos de emergência climática”, diz.
Para Sandra Ferreira, liderança comunitária da Ilha do Pavão, as formações da Themis auxiliam muito na organização e no suporte às lideranças. Além de haver a distribuição de cestas básicas e kits de higiene pessoal, a instituição, conforme Sandra, oferece o suporte que “o governo não dá”. Ao recordar a enchente de maio, em Porto Alegre, a diretora escolar destaca a falta de preparo e comunicação do poder público como um dos aspectos mais preocupantes.
“Não tínhamos ideia de que ia ser uma coisa tão devastadora, uma coisa tão grande assim, sabe? Porque as pessoas diziam: ‘Ah, vai dar uma enchente muito grande, vai ter uma inundação’. […] Não avisaram a gente da dimensão, ninguém sabia da dimensão real. Essa falta de preparo do poder público foi assustadora, porque tipo assim, eu só consegui tirar as pessoas de suas casas porque vi o posto de saúde se mudando”, narra. Conforme o relato, Sandra percebeu a movimentação no posto de saúde da região enquanto todos estavam no refeitório comunitário. Inicialmente, ela pensou que o posto estava “mudando de lugar”, mas descobriu que retiraram os móveis por medo das precipitações. “E eu pensei: ‘Como assim vai dar uma inundação e a gente não foi avisado?’. Uma falta de respeito”, denuncia.
Motivada por uma revolta, como gosta de pontuar, a líder, negra, afirma que desde muita nova precisou lidar com o racismo. Indignada com o preconceito, trabalhou por uma década para conseguir realizar mudanças efetivas na área em que vive. “Na ilha, a situação é ainda mais grave. Resolveram tirar as pessoas de lá, há muito tempo, e aquilo me indignou. Criei a associação e comecei a brigar pelos direitos dos moradores. Não foi fácil. Demorei anos para conseguir que a ilha fosse reconhecida no Google e para colocarem uma placa com o nome da Ilha do Pavão”, conta.
Maria Heloísa Martins da Rosa, de 62 anos, não teve um “início” de liderança tão distinto. Moradora de Pelotas, a antropóloga, que viaja mais de 3h toda semana para participar das formações da Themis, começou a se envolver com organizações comunitárias ao analisar as violências sofridas por quilombolas e indígenas. De acordo com ela, “quanto mais afastada do centro urbano, mais difícil é para as mulheres terem acesso à informação e serem ouvidas”, pois muitas vivem em condições de luta constante, enfrentando violência e sobrecarga – o que gera desconfiança em relação ao apoio que recebem. “Tentamos entrar nesses lugares com didáticas diferentes, usando jogos antigos e brincadeiras com crianças para ganhar a confiança das mulheres. Aí começamos a levar informação e, só depois, abordamos assuntos mais complexos. É muito diferente: quanto mais distante, menos acesso à informação e maior descrença na justiça”, explica.
Adicionalmente, Maria Heloísa destaca a importância de ações preventivas e educativas para lidar com tragédias, como deslizamentos ou enchentes, que geralmente ocorrem em áreas de risco. Ela enfatiza que essas tragédias não são eventos inesperados, mas resultados de processos contínuos como desmatamento, mineração e alterações no ecossistema. “Sabemos que essas tragédias não surgem da noite para o dia. Com estudo, mapeamos zonas de risco e tentamos convencer o poder público a agir preventivamente, e a mostrar às pessoas em risco a importância de se protegerem. É um trabalho de sensibilização, para que aceitem mudar de lugar quando necessário”, fala.
Conforme Rossana Silva, responsável pela comunicação da Themis, as alunas do curso já participaram de aulas com diversas lideranças, incluindo membros da ONU, o que proporcionou uma troca de conhecimentos significativa. Ainda segundo ela, com foco na justiça climática, os encontros discutem temas como violência de gênero e racismo ambiental, além de oferecer análises aprofundadas sobre normativas internacionais relacionadas ao tema.
Apoiada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, Care, Igual Valor, Iguais Direitos, Womanity, Instituto Ibirapitanga, Cummins, Global Fund for Women e Fundação Ford, a formação pioneira contou com aulas presenciais e online, e incluirá, ainda, uma cerimônia de formatura.
Fonte: Sul 21
Texto: Yasminn Ferreira
Data original da publicação: 25/11/2024