
Cristina Pereira Vieceli
A agenda recente de gênero no mercado de trabalho no Brasil é marcada por duas políticas importantes: a Lei da Igualdade Salarial (Lei 14.611/2023) e a Política Nacional de Cuidados. Estes avanços institucionais, conforme destaquei em outras colunas,[1] convergem em diversos aspectos, considerando que a presença feminina no mercado de trabalho é fortemente impactada pelo seu papel como cuidadora na sociedade e a capacidade do Estado realizar políticas públicas neste âmbito. Os efeitos destas políticas esperamos ser notados com maior intensidade a partir dos próximos anos. Cabe analisar por hora, qual a situação atual das mulheres no mercado de trabalho, considerando as atuais políticas, mas também passados dois anos dos efeitos da pandemia que refletiu principalmente entre as mulheres ocupadas, e a mudança na agenda política econômica com as eleições executivas de 2022.
Tendo como pano de fundo a questão dos cuidados e a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, neste texto vou tratar de dois aspectos principais: a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro, com destaque para os indicadores de taxa de participação, e a influência da presença de crianças pequenas na participação feminina em 2024.
Ainda que haja um crescimento na taxa de participação total, de homens e mulheres no mercado de trabalho em 2024 comparativamente a 2023, não houve recuperação desses indicadores em relação à 2019, ano pré-pandêmico. Ao contrário, percebe-se uma redução da participação de homens e mulheres no mercado de trabalho em 2024 comparativamente a 2019, com destaque principalmente para a retração da participação feminina, que reduziu a participação em 1,63 p.p, enquanto a participação masculina reduziu 1,05 p.p., no mesmo período. Ou seja, a recuperação da participação no emprego pós pandemia ocorreu de forma mais lenta entre as mulheres. É importante considerar que a população feminina historicamente possui taxas de participação bastante inferiores às masculinas, e que os avanços são muito lentos. Nos últimos 12 anos, este indicador cresceu pouco mais de um ponto percentual, permanecendo relevante parcela das mulheres (47,3% da população em idade ativa), fora da força de trabalho (Gráfico 1).

A taxa de desocupação no mercado de trabalho apresentou nos anos pós pandemia uma forte redução tanto total, quanto entre os homens e mulheres, chegando a níveis inferiores no comparativo de toda a série histórica, que inicia em 2012. A taxa de desocupação feminina alcançou um nível mais elevado em 2021, quando permaneceu em 16,5%, já entre os homens, se observa um arrefecimento do índice neste ano, reduzindo em 1,13 pontos percentuais em comparação com 2020. A partir de 2022, a taxa de desemprego feminina reduziu de forma mais pronunciada comparativamente a masculina em relação ao ano imediatamente anterior, alcançando, em 2024, um índice de 8,43%, ainda assim superior à dos homens, que permaneceu em 5,63%.

Ou seja, ainda que haja uma recuperação recente no mercado de trabalho, que pode ser vista pela redução recorde da taxa de desocupação entre homens e mulheres, a população feminina não retornou nos mesmos patamares às atividades remuneradas, comparativamente aos anos imediatamente anteriores a pandemia. Para 31% das mulheres que se encontram fora da força de trabalho, que corresponde a cerca de 13 milhões de pessoas em 2024, o motivo de não estarem procurando emprego ou não estarem disponíveis para trabalhar, foram os trabalhos domésticos e de cuidados. Esta é a principal justificativa para a população feminina não estar inserida em atividades laborais remuneradas. Enquanto entre os homens somente 3% apresentou a mesma alegação.[2]
O reflexo das atividades de cuidados sobre a trajetória laboral feminina pode ser visto quando são analisados dados por diferentes formatos de famílias. Há diferenças importantes entre os arranjos familiares e a taxa de participação de homens e mulheres. As mulheres com filhos menores de 12 anos possuem taxas de participação inferiores quando comparadas aos domicílios sem filhos, há uma relação direta entre a idade dos filhos e a taxa de participação feminina, ou seja, as menores faixas etárias correspondem às mais baixas taxas de participação feminina. Já entre os homens, ocorre o contrário: há uma relação inversa entre a faixa etária dos filhos e a taxa de participação no mercado de trabalho.

A presença de filhos no domicílio reduz a participação feminina em três pontos percentuais, já entre os homens, o efeito é inverso, com aumento da participação em seis pontos percentuais. Dentre àquelas com filhos menores de três há uma redução na taxa de participação média feminina no mercado de trabalho em dez pontos percentuais, no caso dos homens o efeito é inverso: há um aumento da participação em onze pontos percentuais. A presença de filhos com idade de 4 a cinco anos reduz a participação média feminina no mercado de trabalho em cinco pontos percentuais, dentre os homens, por outro lado, há um aumento de oito pontos percentuais. No caso dos filhos maiores, entre 6 e 12 anos, o impacto é menor, ainda assim, as mulheres reduzem a participação em três pontos percentuais enquanto os homens aumentam em quatro pontos percentuais.
A presença de filhos no domicílio reduz a participação feminina no mercado de trabalho em todas as faixas etárias, com exceção da faixa de 51 a 60 anos, em que a taxa de participação das mulheres com filhos supera a taxa das sem filhos em 1,41 pontos percentuais. As maiores diferenças ocorrem na idade reprodutiva, possivelmente onde idade dos filhos é menor: na faixa etária de 21 a 30 anos, a participação das mulheres com filhos é 19,43 pontos percentuais inferior a participação das mulheres sem filhos, já faixa de 31 a 40 anos a diferença é de 12 p.p. a mais para as mulheres com filhos. No caso dos homens, ao contrário, a presença de filhos aumenta a participação no mercado de trabalho em torno de 6 p.p., com exceção das faixas etárias mais jovens, até 20 anos.

Ainda que a taxa de participação feminina no mercado de trabalho, especialmente entre as mulheres mães seja inferior, comparativamente aos homens e às mulheres sem filhos, algo importante a ser notado é a maior presença de famílias chefiadas por mulheres. Nos últimos 10 anos a chefia feminina aumentou quase 30 pontos percentuais, passando de 35,14% no terceiro trimestre de 2014 para 63,62% no terceiro trimestre de 2024. Em 2022 o percentual de famílias chefiadas por mulheres superou os domicílios chefiados pelos homens, o que indica a maior importância das decisões e da renda feminina nos domicílios (Gráfico 5).

A liderança dos domicílios chefiados por mulheres, no entanto, não foi acompanhada pela maior taxa de participação no mercado de trabalho -, conforme visto nos parágrafos anteriores, – o que pode estar relacionada à falta de políticas de cuidados no país. Houve, por outro lado, um crescimento na remuneração média das mulheres comparativamente a dos homens, ainda que as diferenças salariais permaneçam relevantes. Em 2024 a remuneração média feminina permaneceu 79% da média masculina, este percentual era de 74% em 2012, ou seja, houve um crescimento de 5 pontos percentuais nos últimos 12 anos, resultante do aumento maior da renda feminina comparativamente a melhoria da renda masculina.
A questão das desigualdades de remuneração entre homens e mulheres é bastante extensa. Não caberia, portanto, tratar de todos os meandros neste final de texto. Ainda assim, cabe destacar que, para além das diferenças entre as remunerações médias, há desigualdades importantes entre raça e gênero, considerando que a remuneração média das mulheres negras permanece menos da metade que a masculina branca. As maiores desigualdades salariais encontram-se entre as mulheres de ensino superior, ou seja, os retornos de estudo são inferiores entre as mulheres, especialmente entre as mulheres negras. Outra questão importante é a baixa remuneração entre os domicílios monoparentais, que, em sua grande maioria (mais de 90%) são formados por mulheres e seus filhos [3]. A remuneração das chamadas “mãe solo” corresponda a cerca de 60% da remuneração média masculina e 66% da remuneração média feminina [4]
As políticas públicas relativas à gênero, devem, portanto, ter um olhar interseccional, considerando as diferenças entre as mulheres. Há ainda que considerar a presença de filhos e seus impactos sobre a permanência feminina no mercado de trabalho, que destaquei ao longo do texto. A histórica e permanente baixa taxa de participação feminina afeta não somente as mulheres e seus filhos, como também a capacidade de financiar políticas públicas. Há, portanto, um duplo efeito positivo nos investimentos em infraestrutura e maior oferta de serviços de cuidados: o potencial de aumentar a taxa de participação feminina, já que incrementa a oferta de empregos principalmente em áreas ocupadas por mulheres, libera as mulheres do cuidado não remunerado, e, ainda, melhora a arrecadação tributária e previdenciária. Outras políticas devem ser consideradas para alcançarmos a igualdade salarial e maior participação feminina, como mudanças nas licenças, ampliando a responsabilidade masculina sobre os cuidados. Cabe destacar o potencial de melhoria na qualidade de vida e bem-estar da população, indicadores difíceis de mensurar economicamente, mas que devem ser os principais norteadores das políticas públicas.
Notas
[1] https://www.dmtemdebate.com.br/envelhecimento-populacional-e-desigualdade-de-genero-nos-cuidados-a-contribuicao-dos-sindicatos-para-a-redistribuicao-justa/ [2] Dados do IBGE, terceiro trimestre de 2024, compilados por DIEESE (2025). https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2025/mulheres2025.html [3] Indicadores constam no Boletim Especial do DIEESE (2024), Mulher chefia mais domicílios, mas segue com menos direitos e oportunidades no trabalho. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2025/mulheres2025.html [4] Dados da PNAD-C/IBGE, 3T 2024Cristina Pereira Vieceli é economista, mestre e doutora em economia pela FCE/UFRGS, foi pesquisadora visitante do Centro de Pesquisas de Gênero na York University – Toronto. Atualmente é técnica do Dieese, Visiting Fellow no Programa de Análise de Gênero da American University – Washington-DC, colunista do site DMT .