Central do movimento sindical surgido durante a ditadura franquista tornou-se oficial com reabertura do país.

Guilherme Daroit
Interditado durante os quase 40 anos da ditadura totalitária do general Francisco Franco (1936-1975), o sindicalismo espanhol finalmente retomaria sua trajetória formal em 1977. A legalização das centrais sindicais, aprovada no início de abril daquele ano, permitia, enfim, a oficialização da confederação sindical das Comisiones Obreras (C.O.). A legalização significava o auge do movimento, iniciado espontaneamente duas décadas antes, que se transformaria na principal central espanhola.
Pujante antes da Guerra Civil, o sindicalismo acabou praticamente dizimado na Espanha após a ascensão de Franco ao poder. Já em seus primeiros atos após o fim do conflito, em 1939, o governo fascista decretaria o fim dos sindicatos, confiscando os seus bens e perseguindo as lideranças com prisões e fuzilamentos. Maiores centrais da época, a União Geral de Trabalhadores (UGT) e a Confederação Nacional do Trabalho (CNT) continuariam suas atividades no exílio, sem grande impacto no cotidiano dos operários no país.
Em janeiro de 1940, com a Lei da Unidade Sindical, Franco reorganizaria o sindicalismo em torno de seu governo, criando os chamados sindicatos verticais. Sob a batuta dos franquistas, foram criados 24 sindicatos nacionais (que depois chegariam a ser 26) representando diversos ramos, com filiação obrigatória tanto de trabalhadores quanto de empregados. As atividades sindicais operárias e a negociação coletiva, com isso, também seriam bloqueadas, e os salários, definidos por decretos.
Mesmo assim, aos poucos movimentos espontâneos eclodiram nos principais centros urbanos espanhois. Em 1947, a primeira greve do regime seria deflagrada no País Basco, com a adesão de dezenas de milhares de metalúrgicos e, nos anos seguintes, mais paralisações aconteceriam em outros grandes centros industriais.
Sem o comando das centrais, os levantes passavam a ocorrer com lideranças muitas vezes espontâneas. A essa altura, as eleições para alguns cargos (como o de delegado sindical) nos sindicatos verticais já eram disputadas, e vencidas, por trabalhadores de oposição, com apoio do Partido Comunista (PCE) e de movimentos operários cristãos. Além disso, nas empresas, os empregados elegiam grupos de colegas mais combativos para negociarem com os patrões. Começavam assim as comissões operárias, de maneira voluntária, surgindo e desaparecendo conforme se apresentavam os conflitos.
Em 1957, surgiria, na mina La Camocha, em Gijón, a primeira Comisión Obrera como tal. Em greve, os trabalhadores da mina asturiana foram representados por uma comissão de trabalhadores eleita entre eles, ao largo do sindicato vertical. Pouco tempo depois, em Lanciana, no norte da Espanha, os empregados de outra empresa carvoeira também elegeriam uma comissão de negociação, essa de caráter permanente, persistindo mesmo em períodos de calmaria nas relações de trabalho. Cada uma em sua medida, ambas as experiências são referidas como origem das C.O.
Ainda esparsas, as comissões cresceriam em número pela Espanha, onde a industrialização se expandia. Em 1958, nova legislação permitiria a negociação coletiva, gerando espaço para maior atividade dos grupos que, em 1962, organizariam greves em diversas regiões.
Estava formado, assim, o caldo necessário para a centralização das comissões, que se iniciaria em 1964. Na capital, seria formada a Comisión Obrera del Metal e, em Barcelona, a Comisión Obrera Central de Barcelona, que agrupavam as comissões de diversas empresas naqueles locais. Em 1967, após uma esmagadora vitória de trabalhadores ligados às C.O. nas eleições para os sindicatos verticais, a primeira reunião geral das C.O. de toda a Espanha seria organizada em Madri.
As C.O. assim passavam, finalmente, de um movimento espontâneo para um esforço coordenado. A organização traria, junto, a repressão. Antes toleradas pelo regime, as comissões passariam a ser perseguidas, sendo declaradas ilegais e subversivas, precisando migrar seu braço organizado para a clandestinidade. O PCE também adotaria as comissões como seu instrumento operário, abandonando outras iniciativas sindicais.
A repressão só seria abrandada com a morte de Franco, em 1975, que enfim abriria as portas para a legalização da atividade sindical operária. O caminho ainda seria árduo. Em junho de 1976, a coordenação geral das C.O. chamaria a primeira assembleia geral do movimento, com dois mil participantes, que seria responsável pelo debate de seu estatuto. Previsto para Madri, entretanto, o evento seria declarado ilegal pelo governo. Em 11 de julho, porém, o evento foi levado adiante, clandestinamente, em Barcelona, com 6,5 mil delegados, elegendo de maneira inédita um secretariado e determinando o chamamento de congressos federais para os anos seguintes.
Outro fato seria determinante para a legalização. Em janeiro de 1977, ataque armado de grupos franquistas mataria cinco advogados ligados às C.O. e ao PCE, criando uma comoção pública que levaria, por fim, à legalização, aprovada pelo Parlamento em 1º de abril. Em 27 daquele mês, nascia, então, oficialmente a confederação sindical das C.O., após o registro de seus estatutos. As demais centrais sindicais espanholas o fariam no dia seguinte.
Nos anos posteriores, as C.O. coordenadas se transformariam na principal central sindical do país, chegando a 1,2 milhão de associados em 1978, número que passaria a decair posteriormente. Em 1996, as C.O. romperiam os laços com o PCE, defendendo a relação meramente institucional com os partidos políticos. Atualmente, possui cerca de 1,1 milhão de associados, maior número entre as centrais espanholas.
Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.