por Laura Glüer
Junho é um mês de celebração do orgulho LGBTQIAPN+. Mas este também é um mês para debater os desafios que essa população enfrenta na sociedade e no mundo do trabalho. A sigla, que foi criada nos anos 1990 como GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), ao longo dos anos, à medida que o movimento foi se organizando, foi sendo ampliada para abarcar as diferentes formas de sexualidade presentes na sociedade. A primeira ampliação, LGBT incluiu Bissexuais e Transgêneros, depois passou para LGBTQIA+ e agora recebeu no seu acrônimo mais letras que ampliam sua representação: LGBTQIAPN+ inclui lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais, não-binários e o sinal mais que representa as demais orientações sexuais e identidades de gênero.
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O preconceito e a indignidade ainda estão muito presentes na vida de quem não se encaixa no padrão heteronormativo. A violência contra a população LGBTQIAPN+ começa pelo acesso à educação formal. O ambiente escolar é via de regra hostil, o que propicia a evasão e a baixa escolaridade. Há também a violência do próprio Estado e o contexto inóspito de muitas famílias, dificultando o ingresso dessas pessoas no mundo do trabalho. Isso tudo tem impacto direto na realidade profissional dessa população, encontrando na informalidade uma possibilidade de sustento.
Muitos estudos acadêmicos realizados nos últimos anos sobre temas envolvendo a população LGBTQIAPN+ no Brasil deixam de observar a realidade profissional dessas pessoas, pela inexistência de dados. A prostituição aparece em muitas das pesquisas realizadas, confirmando um cenário de exclusão enfrentado por essa população.
Quando conseguem acessar o mercado de trabalho formal, direitos fundamentais entram em disputa. Violações ocorrem desde o momento pré-contratual, nas entrevistas de emprego, incluindo limitações para promoções, além dos casos de demissões homofóbicas. Formas visíveis e camufladas de hostilidade e assédio contra essa população são frequentes, por vezes em situações corriqueiras – como o uso do banheiro ou vestiário da empresa.
Para o historiador Fernando Seffner, professor da UFRGS e pesquisador na linha de Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, o crescimento dos movimentos conservadores, do pânico moral, da disseminação dos discursos de ódio em questões de gênero e sexualidade prejudica a inserção da população LGBTIAPN+ no mercado de trabalho formal, pois traz de volta este conjunto de estigma, preconceito e discriminação, que produz barreiras à inclusão.
De acordo com Seffner, novas práticas, como a proliferação do trabalho remoto, trouxeram uma situação um tanto ambígua. Por um lado, o trabalho remoto preserva essa população de muitas situações de estigma, preconceito e assédio. Por outro lado, não propicia a visibilidade tão necessária para o combate ao preconceito no mercado de trabalho, pois coloca cada um e cada uma na sua bolha, sem diálogo e convivência que poderiam produzir modificações no ambiente de preconceito e pânico moral.
O cientista político Douglas Santos Alves, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e investigador dos movimentos LGBTQIAPN+, acredita que os preconceitos ocorrem de maneira diferente, conforme a atividade profissional e o tipo de orientação sexual e identidade de gênero. Cita como exemplo um professor ou professora homossexual que sofre rejeição no ambiente escolar ou um homem gay que é visto sem as qualidades típicas para um cargo de liderança. São situações em que o preconceito é mais geral e difuso, servindo para barrar o acesso a determinados espaços. Mas os casos mais complexos, segundo ele, são aqueles que envolvem travestis e transexuais, ou simplesmente pessoas que desafiam mais explicitamente as normas de gênero, nos quais a hostilidade é explícita.
Segundo Douglas, o Brasil registrou avanços nas políticas voltadas para a população LGBTQIAPN+ após a implementação do Programa Brasil Sem Homofobia, em 2004, com destaque para o reconhecimento do nome social, facilitando o acesso a bancos universitários e concursos públicos. Mas ainda há grande preocupação com o avanço de uma extrema-direita conservadora e religiosa no Brasil. “Existe hoje uma cruzada moral em defesa da ideia de uma suposta família tradicional, cujo alicerce está em papéis de gênero heteronormativos assimétricos, e para os quais a população LGBTQIAPN+ foi identificada como uma ameaça”, argumenta.
Fernando Seffner também defende que houve avanços e retrocessos. “Hoje, além da legislação do nome social, temos garantias legais contra o preconceito, a criminalização do racismo e da homofobia, para a inclusão de travestis e transexuais nas políticas educacionais, a criação dos regimes de reserva de vagas em universidades e institutos federais. A ampliação da escolaridade traz impactos positivos na conquista e manutenção de empregos”. Para ele, no entanto, o grande retrocesso é um congresso federal absolutamente hostil a estas pautas de cuidado e atenção à população LGBTIAPN+, fazendo com as conquistas tenham de ser na via judicial.
No artigo Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas, Lawrence Estivalet de Mello, professor e pesquisador na área do Direito, com atuação na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e o desembargador do TRT-4 Roger Raupp Rios afirmam que neoconservadorismo presente na sociedade atual fomentou terreno fértil para a homotransfobia. Também apontam que há invisibilidade do assédio moral homotransfóbico no mundo do trabalho, justamente pela fragilidade dos instrumentos jurídicos, que deveriam servir para combater essa violência. Na revisão bibliográfica, os autores enumeram diferentes estudos internacionais da sociologia do direito, que abordam a discriminação histórica à população LGBTQIAPN+, e realizam um mapeamento da jurisprudência brasileira sobre homotransfobia.
A militância do movimento LGBTQIAPN+ combate essa realidade. De acordo com o sociólogo Hack Basilone Ribeiro de Ávila, transmasculino não binário e integrante do coletivo Nuances, o maior obstáculo a ser enfrentado no mundo do trabalho é a homotransfobia. “É importante que as organizações não apenas incorporem nossa mão de obra, mas também respeitem nossas existências no ambiente de trabalho. Agregando nossas experiências e conhecimentos, é possível elaborar soluções coletivas que permitam de fato inclusão e dignidade”, afirma.
Fontes
ALVES, J. S. C.. BENDASSOLI, P. F.; COELHO-LIMA, F., SOUZA, E. M. F. de; FRANÇA, R. de. Pessoas Transgênero Brasileiras e o Contexto de Trabalho: revisão da Literatura Nacional. Revista Subjetividades, Fortaleza, .23(3), 14 p., 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v23i2.e12931.
MELLO, L. E. M.; RIOS, R. R.. Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, 13(2), p. 245-261, mai./ago. 2021. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/22452.
Saiba Mais
ALVES, J. S. C.. Os significados do trabalho nas trajetórias de pessoas transgêneras. 2021. 331 p. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/44886/1/Significadostrabalhotrajetorias_Alves_2021.pdf.
DIEESE. A negociação coletiva de garantias relativas aos trabalhadores e às trabalhadoras LGBTQIAPN+. São Paulo, 2023. (Pesquisa DIEESE). Acesso em: https://www.dieese.org.br/pesquisaDIEESE/2023/negociacaoColetivaLGBT.html.
DIEESE. Realização: LGBTQIAPN+: relatos sobre discriminação e condições de trabalho no ramo vestuário. São Paulo, 2023. (Pesquisa DIEESE). Acesso em: https://www.dieese.org.br/pesquisaDIEESE/2023/LGBTQIAPN_RelatorioCompleto_RamoVestuario.html