
Carlos Henrique Horn
Este artigo é o primeiro de uma série de cinco artigos sobre o desempenho do mercado de trabalho brasileiro em 2024 para publicação no site DMT em Debate. O propósito dessa série é oferecer um panorama do mercado de trabalho em perspectiva temporal mais longa, comparando os resultados recentes com dois momentos críticos da economia nacional – a recessão de 2015-16 e a pandemia da covid-19 em 2020. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE. Os valores são médias de quatro trimestres fixos de cada ano.
Nos quatro anos que seguiram ao ápice da pandemia da covid-19, foi de 3,6% a média anual de crescimento da economia brasileira. O aumento contínuo na atividade impactou diretamente no mercado de trabalho, ocasionando uma elevação igualmente contínua do emprego e a consequente redução do desemprego. Em 2024, o número de ocupados ultrapassou o patamar de 100 milhões de pessoas pela primeira vez e a taxa de desocupação recuou para 6,8%, seu menor nível na série histórica da PNAD Contínua iniciada em 2012. Neste artigo, analisamos os principais indicadores agregados do desempenho do mercado de trabalho brasileiro no ano de 2024, contrastando-os com dois períodos críticos recentes da economia nacional, que foram a recessão de 2015-16 e a pandemia da covid-19 em 2020. Nossa atenção recai sobre os totais da ocupação, da desocupação e da participação das pessoas no mercado de trabalho.
Em 2024, o número de ocupados cresceu 2,85% em relação ao ano anterior, atingindo a marca de 102.220 mil pessoas. Foi o quarto ano consecutivo de aumento no emprego desde que a economia do país e do mundo foi impactada pelos efeitos da covid-19 e buscou superar os efeitos negativos por meio de processos de vacinação em massa. A trajetória da ocupação nos últimos dez anos pode ser observada no Gráfico 1, que mostra as médias anuais do número de ocupados e a sua variação anual.

Nos dez anos transcorridos entre 2014 e 2024, o número de ocupados acumulou um crescimento pífio de 10,82%, sendo de pouco mais de 1% sua variação média anual. Em dois momentos nesse intervalo, houve redução absoluta no número de ocupados. A recessão de 2015-16 ocasionou uma queda de cerca de dois milhões de postos de trabalho e a fraca recuperação que se seguiu fez com que apenas no ano de 2019 o número total de ocupados retornasse ao patamar de 2014. Então, sobreveio a pandemia da covid-19, que acarretou nova redução no emprego, agora de 7,3 milhões entre um e outro ano. O tipo de crise no mercado de trabalho associado à pandemia, cuja natureza é diferente da recessão anterior, ajuda a entender a rápida recuperação verificada tão logo a vacinação em massa permitiu regularizar a atividade econômica. Assim, em 2022, o número de ocupados superou o total pré-pandemia. E a continuidade desse processo levou o contingente ocupacional a cruzar a marca de 102 milhões de pessoas em 2024.
Um aspecto dessa trajetória que merece atenção é o do ritmo recente de crescimento do emprego. A média anual de crescimento entre 2019 (pré-pandemia) e 2022 (pós-pandemia) foi de 1,32%. No ano de 2023, o número de ocupados aumentou praticamente no mesmo ritmo anual (1,37%). Já no ano de 2024, esse crescimento mais do que duplicou, sendo de 2,85% em relação ao ano anterior.
Em consequência da elevação contínua do emprego nos últimos quatro anos, o nível de ocupação finalmente recuperou o patamar que havia atingido em 2014. No ano de 2024, esse indicador foi de 58% da população em idade de trabalhar. Isto significa que, de cada 100 pessoas com 14 ou mais anos de idade, 58 pessoas possuíam alguma forma de trabalho. O Gráfico 2 mostra a trajetória do nível da ocupação na economia brasileira entre 2014 e 2024. Observa-se que, sob o efeito da recessão econômica, o indicador caiu para 55% no ano de 2017; três anos mais tarde, agora no contexto da covid-19, a queda foi ainda mais brusca, sendo que pouco mais de metade das pessoas em idade de trabalhar conseguiram alguma ocupação ao longo de 2020. No trimestre encerrado em agosto daquele ano, o nível da ocupação chagara a declinar para 48,5%, evidenciando a gravidade dessa conjuntura. Com a alta contínua recente do emprego, todavia, o indicador acumulou variações positivas anuais até 2024, retornando ao ponto em que se encontrava dez anos antes.

A dinâmica recente da ocupação teve como sua contraface a redução no desemprego da força de trabalho, ou seja, no contingente de pessoas que, quando entrevistadas, declararam não ter trabalho, procurar ativamente por uma ocupação e possuir disposição para trabalhar. Em 2024, o número médio de desempregados foi de 7,5 milhões de pessoas. Isto correspondeu a uma taxa de desocupação de 6,8% da força de trabalho. O total de pessoas desempregadas diminuiu 13,02% e a taxa de desocupação teve variação negativa de 1,2 ponto de percentagem em relação ao ano anterior. O Gráfico 3 mostra a trajetória do número de pessoas desocupadas e da taxa de desocupação entre 2014 e 2024.

O impacto mais pronunciado sobre o indicador de desocupação aconteceu em consequência da recessão de 2015-16, quando o número de pessoas desocupadas praticamente duplicou, passando de 6,8 milhões em 2014 para 13,4 milhões em 2017. Nos dois anos seguintes, percebe-se um recuo tímido nesse número, assim como o aumento na desocupação durante a pandemia da covid-19 não foi tão pronunciado quanto a queda na ocupação. Em especial, o que ocorreu na conjuntura da covid-19, já exaustivamente abordado, foi uma saída massiva de pessoas do mercado de trabalho. Essas pessoas não eram classificadas como desocupadas, mas sim como inativas ou fora do mercado de trabalho. Apenas a partir de 2022, em decorrência do ritmo de crescimento da atividade econômica, registrou-se uma rápida queda no contingente de pessoas desocupadas – de 13,9 milhões em 2021 para 7,5 milhões de pessoas em 2024 – e na taxa de desocupação – de 13,2% para 6,8% da força de trabalho.
A saída massiva de pessoas foi o traço característico mais chamativo do mercado de trabalho na conjuntura da covid-19, que o distingue do período recessivo anterior. Nos anos de 2014 a 2019, como mostra o Gráfico 4, a taxa de participação no mercado de trabalho – calculada pela razão entre a força de trabalho (total de pessoas ocupadas e desocupadas) e a população em idade de trabalhar – manteve a trajetória ascendente que vinha sendo antes observada. Em 2020, diante da crise sanitária, houve uma forte reversão nessa tendência. A taxa de participação desabou de 63,6% em 2019 para 59,3% em 2020. No entanto, com a vacinação em massa e a manutenção do crescimento da atividade, essa taxa voltou a aumentar nos anos seguintes. Em 2024, chegou a 62,2%, praticamente o mesmo patamar de dez anos atrás, mas ainda aquém do nível atingido no período imediatamente pré-pandemia.

O balanço geral do desempenho do mercado de trabalho brasileiro no ano de 2024, com base nos indicadores agregados de ocupação, desocupação e participação, é manifestamente positivo. Combinaram-se o aumento expressivo no número de postos de trabalho, a redução consistente da taxa de desocupação e uma elevação na taxa de participação. Visto em perspectiva temporal mais abrangente, todavia, mesmo esses indicadores sugerem desafios de monta. Em especial, vale destacar que o nível de ocupação recém atingiu seu patamar de dez anos atrás e que a taxa de participação ainda se situa abaixo do que se observou na conjuntura pré-pandemia. Neste contexto, cabe temer pelo impacto da nova tendência de alta na taxa básica de juros e dos elevados juros reais praticados na economia brasileira. Haverá um mero freio de arrumação no ritmo de recuperação do mercado de trabalho ou a política monetária contracionista aliada às restrições fiscais jogarão o país em nova recessão?
Carlos Henrique Horn é Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.