
O fim visado e as consequências previstas desta empreitada exitosa são evidentemente beneficiar o andar de cima da sociedade, já em festa desde a cobertura, submetendo o andar de baixo ao mais perverso sucateamento.
Rogério Viola Coelho
Este texto traz a notícia de uma tragédia anunciada, formatada como twitter. Uma simples twitagem, então.
I – Estamos realmente “em episódio”, à espera de que a tragédia venha a acontecer. Como é sabido, num Recurso Extraordinário oriundo do TST, versando sobre relação de emprego oculta num contrato civil de franquia, o Decano GILMAR suscitou uma repercussão geral e pôs em compasso de espera todos os processos em curso na Justiça do Trabalho, elevando a abrangência para todas as modalidades de contratação civil/comercial, nos quais o trabalhador é trajado com a roupagem elegante de pessoa jurídica. A o deslocar a controvérsia para o plano geral, a questão em pauta passa a ser a da possibilidade de questionar a validade de qualquer relação formalizada em contrato civil, através de ação na Justiça do Trabalho, instituída pela Constituição (art.114), com competência para processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho. O despacho foi seguido pelos seus pares, com a exceção do Min. Fachin, apenas.
O Ministro GILMAR suscitou uma repercussão geral e pôs em compasso de espera todos os processos em curso na Justiça do Trabalho, abrangendo todas as modalidades de contratação civil/comercial, nos quais o trabalhador é trajado com a roupagem elegante de pessoa jurídica.
II – Cuidou o MINISTRO insigne de desviar do direito fundamental à relação de emprego, não de todos os trabalhadores, mas dos que prestam trabalho subordinado a um empresário. O Artigo 7º da Constituição, consagra este direito, arrolando cada um os direitos individuais conferidos pela relação de emprego. Gilmar desvia também a garantia jurisdicional do seu artigo 114, que confere competência à “Justiça do Trabalho para processar e julgar, as ações oriundas da relação de trabalho…”. Assim procedendo, ele evita a ponderação do princípio da primazia da realidade, que confere prevalência ao que ocorre na prática, com o princípio da liberdade contratual, absolutizado pelo Ministro. Ponderação exigida no Direito Universal e assumida pelo próprio STF.
Cabe lembrar que está na gênese do direito fundamental à relação de emprego, a finalidade de proteger o homem concreto, restringindo a liberdade contratual do homem abstrato, que se vale da assimetria no poder negocial.
III – Cabe lembrar que está na gênese do direito fundamental à relação de emprego, a finalidade de proteger o homem concreto, restringindo a liberdade contratual do homem abstrato, que se vale da assimetria no poder negocial. A Recomendação n° 198 da Organização Internacional do Trabalho – OIT – relativa à Relação de Trabalho, com a valorização do Trabalho Decente, determina o combate às relações de Trabalho disfarçadas no contexto de outras relações que possam incluir o uso de formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal do empregado. Segundo a dotrina universal, expresa por ALAN SUPIOT, “Este principio debe mantenerse firmemente, si se pretenden sancionar los fraudes contra la falsa autonomía y las prácticas de competencia desleal que de ello se derivan”.
IV – O Ministro não procura apoio num enunciado no ordenamento, mas alega uma necessidade concreta dos agentes econômicos de ter segurança total nas relações assumidas em suas atividades, bem como a necessidade fática da Corte de livrar-se do volume de recursos, que a converte em instância recursal trabalhista, em prejuízo de suas competências mais relevantes. Para sobrepor a liberdade contratual a todo o ordenamento jurídico, invoca as determinações emergentes da atividade econômica na vida social, vale dizer, a prevalência da ordem concreta sobre todo o ordenamento. Como se vê o douto Ministro está inspirado em CARL SCHMITT para quem o Direito está na ordem concreta e não no ordenamento, dizendo que ela tem força para arredar a normatividade posta, assegurando a realização da vontade emergente do plano fático.
O JURISTA GILMAR já sustentou que, diante da tendencia à colisão de direitos fundamentais entre si, ou com bem jurídico constitucionalmente tutelado, tem precedência o que tutela a integridade física e mental, sobre o que abriga interesses patrimoniais.
V – O fim visado e as consequências previstas desta empreitada exitosa são evidentemente beneficiar o andar de cima da sociedade, já em festa desde a cobertura, submetendo o andar de baixo ao mais perverso sucateamento. O empreendimento jurídico, por isto já denunciado como “a farra das fraudes contratuais”, com a conversão da relação de emprego em mera faculdade. Teríamos também de admitir que nosso País passará a ser um paraíso trabalhista, capaz de atrair capital internacional, tal como um paraíso fiscal, é sabido que o JURISTA GILMAR já sustentou que, diante da tendência à colisão de direitos fundamentais entre si, ou com bem jurídico constitucionalmente tutelado, tem precedência o que tutela a integridade física e mental, sobre o que abriga interesses patrimoniais. Mas isto o MINISTRO vai tirar de letra, mais uma vez. Ele dirá que é dois em um; o primeiro homem investido do poder de decidir, enquanto o segundo, portador apenas de saber, reconhecidamente muito grande. Inevitável, então, a sucumbência do segundo, convertido em servo do primeiro.
Rogério Viola Coelho é advogado de sindicatos de trabalhadores do estado e da área privada. Publicou o livro “Relações de Trabalho com o Estado” e artigos em revistas especializadas.