O direito do trabalho mais favorável: o resgate de um princípio sequestrado

Augusto César Leite de Carvalho e Sérgio Torres Teixeira

Fonte: Revista de Direito: Trabalho, Sociedade e Cidadania; Brasília, v.16, n.16

Resumo: O presente artigo examina os impactos sofridos pelo princípio da proteção, especificamente pela perspectiva da regra mais favorável ao trabalhador, em decorrência de recentes alterações legislativas no âmbito do Direito do Trabalho brasileiro e em virtude de inovações tecnológicas geradoras de modificações nas relações laborais e na forma de execução do trabalho. De um lado, a complexidade das novas formas de trabalho, inclusive daquelas com maior contributo tecnológico, passam a exigir um refinamento dos critérios de escolha das normas aplicáveis às correspondentes relações para alcançar, por meio de uma tutela jurídica adequada, um equilíbrio diante do poder econômico do empregador. De outro lado, constata-se uma evidente tendência do legislador nacional, em especial a partir da Lei n. 13.467 de 2017 (“Reforma Trabalhista”), de mitigar ou até reverter os efeitos da diretriz da norma mais favorável, em completo desalinho com a orientação que tem predominado no Direito Internacional dos Direitos Humanos, em cujo âmbito se inserem os direitos sociais. O presente artigo almeja estudar o contexto deste embate entre a progressividade e a tutela protecionista, avaliando os efeitos da consequente subtração de direitos. O trabalho, apresentando como metodologia uma pesquisa com abordagem qualitativa, ao analisar de forma crítica fundamentos teóricos, julgados e peças legislativas, utiliza ainda o método hipotético-dedutivo para desenvolver o estudo proposta, objetivando proporcionar uma visão panorâmica dessa problemática e indicar os caminhos para seu enfrentamento e superação.

Sumário: 1. Introdução | 2. Os avanços normativos sob o pálio da primazia da norma mais favorável | 3. Da mitigação do princípio da norma mais favorável | 4. Indiferença à progressividade em tempo de colmatar lacunas | 5. A prevalência da norma mais favorável como princípio regente dos direitos humanos | Conclusão

Faz meia centúria que Plá Rodriguez(1978), ao sistematizar os princípios universais do Direito do Trabalho, explicou, com ampla aceitação na doutrina e na jurisprudência de vários povos, como princípio da proteção atendia ao pragmatismo de justificar a própria existência do Direito do Trabalho. Em outras palavras, a sua obra ancorou no postulado protecionista a fundamentação de um ramo da ciência jurídica especialmente dedicado à tutela do trabalho realizado em condição de vulnerabilidade. E neste contexto,sustentou que o princípio da proteção se desdobraria, entre o mais, na regra de aplicar-se a norma mais favorável ao trabalhador, sempre que se divisasse algum conflito entre normas coetâneas ou sucessivas.

Esse mosaico de preceitos mais favoráveis ao trabalhador, pinçados de várias espécies normativas(convenções, leis, constituição, tratado etc.), terminava por forjar um conjunto de regras jurídicas sem qualquer coerência interna. Um conjunto normativo que resultasse da união de vários preceitos (mais favoráveis)de múltiplas normas, formando um amálgama de regras de conteúdo e origens distintas, não teria sido pretendido por ninguém e, portanto, a acumulação desses átomos normativos não deveria prevalecer.

Em vez desse critério atomista, vem de preponderar a escolha de cada espécie normativa como uma molécula, sem atomizações indevidas. Vale dizer: a fonte jurídica eleita como a mais favorável deve sempre ser aplicada por inteiro, inclusive em seus pedaços menos benéficos para os trabalhadores. Ante essa visão molecular da norma jurídica, que impede sejam reunidas partes de fontes normativas diversas, diz-se estar ela em conformidade com a teoria do conglobamento: a norma mais favorável há de ser aquela que o seja em seu conjunto, e como conjunto normativo prevalecerá(Ruprecht, 1995)

Como anteriormente ressaltado em outro escrito3, o critério da norma mais favorável é uma expressão do princípio protetivo que tem base explícita na Constituição da República Federativa do Brasil: o artigo 7ºda Carta Magna pátria o consagra ao prever que aos direitos sociais ali elencados se somarão “outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais”.A partir de tal preceito, todo o sistema jurídico-trabalhista, seja no plano constitucional ou mesmo infraconstitucional, dispõe sobre o conteúdo mínimo do contrato de emprego, reservando a outras normas ou mesmo a cláusulas contratuais a tarefa de ampliar e alargar a proteção jurídica do trabalhador subordinado.

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Augusto César Leite de Carvalho é Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidad de Castilla – La Mancha, com revalidação no Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco, e Pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca. Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho no Centro Universitário IESB e de Direitos Humanos em cursos de Pós-doutorado em Direitos Humanos da Universidad de Salamanca e da Universidade Portucalense. Autor dos livros “Direito do Trabalho: curso e discurso”, “Garantia de Indenidade no Brasil”, “Princípios de Direito do Trabalho Sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”, o primeiro pelo selo Venturoli e os demais pela LTr.

Sérgio Torres Teixeira é  Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor Adjunto IV da Universidade Católica de Pernambuco e Professor Associado IV da Faculdade de Direito do Recife/UFPE. Pesquisador-Líder do Grupo de Pesquisa LOGOS: Processo, Hermenêutica e Tecnologia. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Desembargador do TRT6 (Pernambuco). 

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