Mais da agenda econômica do “velho normal” no pós-Covid-19?

O novo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia de transmissão de cargo, em março de 2019. Fotografia: Agência Brasil

Ao iniciar-se 2021, a despeito do Brasil ainda não ter um plano nacional de vacinação célere e eficiente e, por conseguinte, o número diário de infecções e mortes por Covid-19 estar aumentando, as autoridades econômicas, mais uma vez por pressão legislativa, autorizaram a reedição do programa de renda mínima emergencial.

Fernando Ferrari Filho e Marco Flávio da Cunha Resende

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 16/04/2021

Como sabemos, diferentemente de outras crises econômico-financeiras e de insuficiência de demanda, tais como a crise do subprime de 2007-2008, a atual crise econômica mundial, iniciada em 2020, foi causada por um choque exógeno. A pandemia de Covid-19 afetou não somente a demanda efetiva, mas, principalmente, o lado da oferta, uma vez que as medidas de distanciamento social, parcial ou à la lockdown, restringiram a oferta de mão de obra e a produção de bens e serviços.

Diante desse contexto, a maioria dos policymakers colocou em prática políticas econômicas contracíclicas, fiscais e monetárias, para mitigar o impacto da pandemia, tanto no sistema médico-sanitário quanto na economia. No Brasil, não foi diferente. Após alguma resistência por parte dos integrantes do Ministério da Economia que, diga-se de passagem, insistiam na manutenção da agenda econômica centrada na redução do papel do Estado na economia e na “mão invisível” do mercado, o ministro Paulo Guedes, graças principalmente às demandas do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, foi obrigado a mudar os rumos da condução da referida Agenda, para evitar o colapso da economia – a propósito, o FMI, em seu World Economic Outlook de junho de 2020, previa que o PIB brasileiro teria uma queda de 9,1%.

Assim sendo, o expansionismo fiscal e monetário passou a conduzir as ações das autoridades econômicas, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil (BCB). Para tanto, foram tomadas as seguintes medidas, entre outras: (i) Criação, de forma temporária, de uma renda mínima para cerca de 65 milhões de beneficiários, abrangendo as pessoas desempregadas, autônomas e cadastradas em programas sociais; (ii) Antecipação do 13º salário para os aposentados e pensionistas e o pagamento parcial do abono salarial e dos saques das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); (iii) Visando evitar uma demissão em massa, o governo, ao permitir que os empregadores reduzissem ou suspendessem, respectivamente, a jornada e os contratos de trabalho, assumiu o pagamento de parte dos salários dos trabalhadores; (iv) Postergação ou isenção temporária dos impostos e encargos das micro, pequenas e médias empresas, tais como Simples e FGTS; (v) Diferimento de tributos (PIS, Cofins, Contribuição da Agroindústria à Seguridade Social, FGTS etc.); (vi) Linha de crédito subsidiado para as micro e pequenas empresas através do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte; (vii) Redução da taxa Selic para 2% ao ano; e (viii) Aprovação da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) do “Orçamento de Guerra”, que autorizava o BCB a comprar títulos públicos do Tesouro Nacional e títulos privados no mercado secundário, com o intuito de fazer frente aos gastos com a pandemia e estabilizar o sistema financeiro – cabe ressaltar que o BCB comprou somente títulos privados.

O montante dos recursos alocados para o enfrentamento da pandemia foi da ordem, segundo o site do Tesouro Nacional, de 8% do PIB e contribuiu para que a recessão brasileira fosse menor do que aquela prevista pelo relatório do FMI, elaborado em junho do ano passado, principalmente porque, sendo contrária à agenda baseada em corte de gastos públicos e no Estado mínimo, a expansão fiscal e monetária representou impulso ao crescimento, fundamentalmente o determinado pelo consumo privado. Mais especificamente, conforme divulgação recente do IBGE, o PIB do Brasil caiu 4,1%, em 2020.

Ao iniciar-se 2021, as autoridades econômicas, mais uma vez por pressão legislativa, autorizaram a reedição do programa de renda mínima emergencial – agora mais parcimonioso, tanto em seus valores quanto na abrangência dos beneficiários. Todavia, a despeito do Brasil ainda não ter um plano nacional de vacinação célere e eficiente e, por conseguinte, o número diário de infecções e mortes por Covid-19 estar aumentando, as autoridades econômicas têm argumentado que retomar a agenda econômica original do Governo – Estado Mínimo e liberalismo – é condição imprescindível para que o País encontre os rumos da prosperidade econômica.

Em nosso ponto de vista, insistir em uma agenda econômica que engessa a capacidade do Estado de atuar como regulador e, principalmente, estabilizador, e delegar ao mercado encontrar o ponto de “equilíbrio” do sistema econômico, suscita duas reflexões: (i) A economia mundial, que desde a crise financeira internacional vem convivendo com uma intervenção do Estado para dinamizar a atividade econômica, não pode prescindir de uma maior ação intervencionista do Estado, no período pós Covid-19, para, pelo menos, recuperar o nível médio de crescimento econômico que prevalecia nos anos de pré-pandemia; e (ii) No Brasil, infelizmente os economistas do mainstream e os policymakers continuam acreditando que a panaceia para os problemas econômicos é a política de “austeridade fiscal expansionista” (cabe mencionar que, como foi exposto acima, em 2020 houve um ponto de inflexão dessa política).

No que diz respeito à primeira reflexão, e trazendo-a para o caso brasileiro, é consenso que a retomada sustentada do crescimento econômico requer a dinamização da demanda efetiva, ou seja, consumo privado, exportações, gastos (correntes e de investimento) do governo e investimento privado. Com taxas de desemprego elevadas e o endividamento das famílias e das firmas atingindo recordes, além do quadro de estagnação/recessão econômica presente desde 2015, consumo e investimento privados não reagirão, como não reagiram até aqui. O crescimento das exportações é importante, mas não suficiente e depende, principalmente, da reação da economia mundial. Logo, sobram os gastos públicos que, se reduzidos, provocarão o “paradoxo da parcimônia”: sua redução deprimirá ainda mais a atividade econômica e a massa salarial, cujas consequências imediatas são a queda do consumo das famílias e do investimento privado, o baixo crescimento do PIB, a redução da receita governamental, a elevação do déficit fiscal primário e o aumento da relação dívida pública/PIB. Gera-se, assim, um círculo vicioso na economia, uma vez que as decisões de gastos privados, consumo e investimento tendem a ser postergadas por causa do efeito deletério sobre a confiança e as expectativas dos agentes econômicos que o aumento da relação dívida pública/PIB provoca.

Por fim, em relação à segunda reflexão, a crença dos economistas do mainstream e dos atuais policymakers brasileiros de que a “austeridade fiscal expansionista” é o caminho para a prosperidade econômica, a evolução do PIB brasileiro dos últimos anos, intercalando recessões com estagnação, mostra que a referida austeridade tem privado o país de crescer de forma consistente e sustentável. Portanto, retomar a agenda econômica do “velho normal”, enquanto o mundo em geral, desde 2008, vem praticando política fiscal expansionista e política monetária não convencional e fortemente discricionária, fará com que nosso crescimento econômico dinâmico e contínuo siga, como diria Samuel Beckett, waiting for Godot.

Fernando Ferrari Filho é professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador nível 1do CNPq.

Marco Flávio da Cunha Resende é professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador nível 1do CNPq.

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