
Cássio da Silva Calvete
O gerenciamento algoritmo e a IA podem ser utilizados na contratação, promoção, disciplinamento (suspensão), demissão (desligamento), acompanhamento das metas, definição de salário, determinação da intensidade, extensão e distribuição do tempo de trabalho (KATSABIAN, 2023; DUBAL, 2023; ADAMS-PRASSL et al., 2023), ou seja, em todos os aspectos das relações de trabalho. Portanto, é crucial que sejam desvelados os mecanismos, expedientes e técnicas utilizadas por esse gerenciamento que impacta as condições de trabalho e, particularmente, o tempo de trabalho em todas suas dimensões e nas mais diferentes formas (ADAMS-PRASSL et al., 2023: BARNARD, 2023; PARREIRA, 2020). Assim, a utilização desse gerenciamento tão potente deve ocorrer de forma transparente já na construção dos algoritmos, no acompanhamento da execução e na possibilidade de questionamento dos resultados (EUROPEAN COMMISSION, 2021; ICO, 2022; IRANI, 2023; ADAMS-PRASSL et al., 2023; KATSABIAN, 2023).
A transparência é um dos requisitos que aparecem em inúmeras publicações e legislações como algo fundamental no desenvolvimento das plataformas e da Inteligência Artificial (BARNARD, 2023). Ela é imprescindível para a democracia, equidade entre as partes e justiça na sociedade e também no local de trabalho. O mundo do trabalho vem sofrendo profundas transformações rapidamente e grande parte delas atreladas a interação dos trabalhadores com o mundo digital e particularmente com as ferramentas de IA. Para os trabalhadores que trabalham gerenciados por algorítmicos e Inteligência Artificial é necessário que se estabeleçam os princípios TAR (Transparency/transparência, Accountability/responsabilidade e Remedies/soluções) citados por Barnard (2023) que, segundo a autora, seria o coração da Platform Work Directive da União Européia.
Barnard (2023) dedica seu trabalho para estudar os problemas dos influencers e criadores de conteúdo no mundo digital. Independentemente de eles serem classificados como trabalhadores subordinados ou autônomos, para muitos, essas são as suas ocupações principais, e muitas vezes única, e a forma de obterem os seus rendimentos. Caso o seu acesso à plataforma seja retirado, é tão prejudicial para eles como uma demissão é para o trabalhador formal. Para Barnard (2023), o impacto sobre o tempo de trabalho dado pela falta de transparência das empresas plataformas ocorre pela possibilidade de os trabalhadores serem bloqueados por determinado tempo, impedidos de divulgar determinado conteúdo ou até mesmo serem banidos da plataforma. Isso tudo podendo ocorrer sem o trabalhador saber exatamente o por quê.
Dubal (2023) coloca que só obter a transparência dos dados extraídos e de como eles são utilizados não é suficiente para acabar com a exploração e a discriminação algorítmica. Ter transparência é fundamental para entender como o sistema controla os ganhos e distribui as tarefas, mas isoladamente não é suficiente.
A falta de transparência impede os trabalhadores de saberem as “regras do jogo”: quais as metas para aumentar remuneração, para ganhar promoção, para receber tarefas, para não ser suspenso, para não ser desligado, entre outras. Esse desconhecimento das “regras do jogo” induz o trabalhador a ser mais “Realista que o Rei”. Ele trabalha sempre no seu limite, sempre superestimando o que é esperado dele e evitando o que imagina que possa gerar uma suspensão ou desligamento. Assim ele trabalha de forma mais intensa, extensa e flexível sempre supondo que irá se beneficiar ou, ao menos, não ser punido. A falta de transparência se apresenta de duas formas: os trabalhadores não conhecem os critérios que definem as condições de trabalho e eles não conhecem as informações individuais e coletivas que são coletadas.
Referências
ADAMS-PRASSL, J. ABRAHA, H. KELLY-LYTH, A. SILBERMAN, M. RAKSHITA, S. ‘Regulating Algorithmic Management: A Blueprint’. 14 European Labour Law Journal (forthcoming), 2023.
BARNARD, C. The Serious Business of Having Fun: EU Legal Protection for Those Working Online in the Digital Economy. International Journal of Comparative Labour Law and Industrial Relations, v. 39, n. 2, jun. 2023, p. 125-150.
DUBAL, V. On algorithmic wage discrimination. Early Draft Paper, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.
EUROPEAN COMMISSION. Platform work directive. Brussels, 9 dec. 2021.
ICO (Information Commissioner’s Office). Guide to the General Data Protection Regulation (GDPR). United Kingdom, 14 oct. 2022.
IRANI, L. Algorithms of Suspicion. MIT Press for publication in Global Platform Governance (Center for International Governance Innovation ed.). Forthcoming (2023).
KATSABIAN, T. Privacy as the Basis of Workers’ Dignity in the “Information Workplace”. Early Draft, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.
PARREIRA, A.C. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 66, n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
Cássio da Silva Calvete é Professor associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Economia Social e do Trabalho pela UNICAMP e com pós-doutorado pela Universidade de Oxford.
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