Desemprego e outras formas de subutilização do trabalho

Fotografia: Marcos Santos/Jornal da USP

Sob a ótica da subutilização da força de trabalho, o mercado de trabalho brasileiro encontra-se em sua melhor conjuntura para os trabalhadores nos últimos dez anos.

Carlos Henrique Horn

A divulgação das estatísticas da PNAD Contínua correspondentes ao trimestre encerrado em julho de 2024 atestou a sequência da melhora no mercado de trabalho brasileiro que iniciara na esteira da campanha de vacinação ainda sob os efeitos da pandemia da covid-19. Um indicador de desempenho desse mercado atraiu especial atenção de analistas e da mídia: a taxa de desocupação (ou taxa de desemprego) da força de trabalho chegou a 6,8% da força de trabalho, equivalendo ao total de 7,4 milhões de pessoas desocupadas. Trata-se do menor patamar do desemprego desde a recessão de 2015-16, como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1: Taxa de desocupação (%) e número de desocupados (mil pessoas), Brasil, 2012/2024

Fonte: PNAD Contínua – IBGE. Elaboração do autor

A taxa de desemprego é um indicador-chave do desempenho do mercado de trabalho. Na PNAD Contínua, ela mensura a proporção da força de trabalho – ou seja, das pessoas de 14 anos e mais de idade em condição de ocupadas ou desocupadas – que se encontrava sem trabalho e que procurou ativamente por um trabalho no período de referência de 30 dias, estando disponíveis para assumir esse trabalho na semana de referência da pesquisa. Tal medida serve para aferir a situação da demanda por um posto de trabalho. Uma trajetória de redução contínua da taxa de desocupação, como a que observamos desde meados de 2021 no mercado de trabalho brasileiro (Figura 1), indica que essa menor demanda é o resultado provável de um aumento no número de ocupações com rendimento, o que significa melhora das condições do mercado para os trabalhadores.

 A taxa de desocupação, no entanto, não é a única medida de subutilização da força de trabalho. Alinhado com as recomendações da 19ª Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho (2013), o IBGE passou a calcular outros dois indicadores de subutilização. O primeiro deles refere-se às pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas. Esse grupo de trabalhadores é formado por pessoas que trabalhavam habitualmente menos de 40 horas semanais e que gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais horas. Em julho de 2024, seu contingente foi estimado em 5,0 milhões de pessoas, o que equivalia a 4,9% do total de pessoas ocupadas.

O segundo indicador de subutilização corresponde à força de trabalho potencial. Trata-se de pessoas que não compõem a força de trabalho habitual, definida pela soma de ocupados e desocupados, mas que manifestam um potencial para vir a participar ativamente do mercado de trabalho. Segundo as definições da PNAD Contínua[1], a força de trabalho potencial é constituída de dois grupos: (a) “pessoas que realizaram busca efetiva por trabalho, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar”; e (b) “pessoas que não realizaram busca efetiva por trabalho, mas gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para trabalhar”. A força de trabalho potencial totalizou 6,3 milhões de pessoas em julho de 2024.

A soma dos três grupos representa o contingente de pessoas em situação de subutilização da força de trabalho. A Tabela 1 reúne os números correspondentes, evidenciando que, no trimestre encerrado em julho, havia 18,7 milhões de pessoas nessa situação, ou seja, com manifestação de interesse em obter uma ocupação e rendimentos. A estatística mostra que o tamanho da demanda por um posto de trabalho ou por mais horas de trabalho é 2,5 vezes maior do que o indicador singular da desocupação.

Tabela 1: Número de pessoas em situação de subutilização da força de trabalho, Brasil, mai.-jul. 2024

Grupos da população(mil pessoas)
Pessoas desocupadas7.431
Pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas5.002
Força de trabalho potencial6.303
Total de pessoas em situação de subutilização da força de trabalho18.736
Fonte: PNAD Contínua – IBGE. Elaboração do autor.

A trajetória recente dos grupos de subocupados por insuficiência de horas e da força de trabalho potencial acompanhou a melhora verificada na evolução do número de ocupados. Com o propósito de mostrar essas trajetórias, dividimos o número de pessoas em cada grupo pelo total da população com 14 anos ou mais de idade (população em idade ativa – PIA). A Figura 2 apresenta os resultados para cada grupo singular na série completa da PNAD Contínua iniciada em 2012.

Figura 2: Razão entre o número de pessoas em grupos de subutilização da força de trabalho e a PIA, Brasil, 2012/2024 (%)

Fonte: PNAD Contínua – IBGE. Elaboração do autor.

A Figura 2 mostra a convergência das trajetórias dos grupos de subutilização da força de trabalho, embora a ritmos distintos, para patamares mais baixos. Dois contrastes são de particular interesse. Em julho de 2016, ainda numa conjuntura de forte recessão, o número de pessoas em situação de subutilização da força de trabalho foi estimado em 22,9 milhões (14,1% da PIA); passados quatro anos, agora sob os efeitos da pandemia de covid-19, esse número aumentara para 33,5 milhões em julho de 2020 (19,7% da PIA). No dado mais recente, o contingente é quase a metade do que fora observado em 2020 e a razão caiu para 10,7% da PIA.

 Sob a ótica da subutilização da força de trabalho, portanto, o mercado de trabalho brasileiro encontra-se em sua melhor conjuntura para os trabalhadores nos últimos dez anos. A demanda por ocupações vem diminuindo, sobretudo, em contrapartida ao aumento no número de postos de trabalho com rendimento. Não obstante, essa demanda ainda pode ser considerada substancial, haja vista que uma em cada dez pessoas com 14 anos ou mais de idade manifesta interesse em trabalhar ou aumentar suas horas de trabalho.

Notas

[1] Ver: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Medidas de subutilização da força de trabalho. Rio de Janeiro: 2016. Nota Técnica 02.

Carlos Henrique Horn é Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.

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