Diante do encurtamento do colchão social, o desespero começa a se fazer presente. A imprevisão do alcance de um novo emprego à mão de obra disponível torna o ambiente da involução social inaceitável.
Marcio Pochmann
Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 15/11/2016
Após quase um quarto de século desde a crise da dívida externa (1981-1983) que atingiu o último governo do regime militar (1964-1985), passando pela recessão do governo Collor (1990-1992), a população brasileira, especialmente aquela situada na base da pirâmide social, ingressou numa fase de ascensão socioeconômica inegável no começo dos anos 2000. Nas condições gerais vigentes até 2014 no funcionamento do mercado de trabalho próximo do pleno emprego, com elevação dos rendimentos médios acima da inflação, fundamentalmente o salário mínimo, e difusão do crediário vigente até 2014, o colchão social de conforto estabelecido se mostrou inédito até então.
Decorridos praticamente dois anos de recessão, equivalente à queda de quase 10% do nível da renda per capita, o colchão social constituído passou a dar sinais de retrocessos significativos. O funcionamento retraído do mercado de trabalho, com a substituição do panorama do pleno emprego pelo desemprego generalizado, adicionado da queda no nível de renda e, ainda, a contenção do crédito postergou bastante o horizonte da ascensão social possível, sobretudo para mais de dois terços da população.
A condução do governo Temer retoma o antigo lema do Brasil para um terço apenas da população. É isso, guardada a proporção, que deve caber, de fato, no orçamento público, com resíduos à parcela restante da população, após as reformas que se encontram encaminhadas ao Congresso Nacional.
Diante do encurtamento do colchão social, o desespero começa a se fazer presente. A demora e a imprevisão do alcance de um novo emprego à mão de obra disponível torna o ambiente da involução social inaceitável.
A pacificação pode se manter distante frente ao vazio das políticas públicas desconstruídas pelo atual governo e sem respostas imediatas. Mesmo a acomodação política de lideranças partidárias, sindicais e sociais tende a colocar mais água na fervura social.
O risco da convulsão social se fortalece. A ausência da necessária recuperação econômica para o horizonte de 2017 ganha maior comprometimento diante do transbordo da recessão para dentro dos governos estaduais e municipais.
Até então os funcionários haviam se mantidos quase imunes aos efeitos negativos da recessão. Com a destruição de vagas no setor público, enxugamento e atraso no pagamento das remunerações devidas, bem como a impossibilidade disso melhorar com a aprovação da PEC 55 (teto do gasto público não financeiro), cerca de 12% da força de trabalho ocupada atualmente no Brasil torna-se componente não desprezível do risco maior de convulsão social.
Tudo isso, a menos que no Brasil, a população viesse a confirmar a frase de Victor Hugo: “Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente, há certa cumplicidade vergonhosa.” Mas isso somente o tempo vai comprovar, pois ele é o senhor da razão dos acontecimentos.
Nesse sentido, o desespero se alastra, oferecendo nada mais do que a manifestação pública da insatisfação. E ela pode vir a ser pacífica, violenta ou ocupada por crescente hordas de vandalismo.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Unicamp.