
Emergências climáticas destacam políticas que devem se entrelaçar no debate político sobre proteção, cuidado e segurança na defesa das vidas.
Célia Machado G. Chaves e Débora Raymundo Melecchi
Fonte: Revista Trabalho & Saúde ; Nº 48
Data original da publicação: 01/2025
As tragédias causadas por chuvas intensas, secas e temperaturas extremamente elevadas ou baixas se multiplicam ao redor do planeta. Os impactos sobre as condições e qualidade de vida, sobre os empregos e a renda do trabalho são devastadores.
Em 20/08/2024, segundo o balanço da Defesa Civil do Rio Grande do Sul – RS, 478 dos 497 municípios do estado foram afetados, atingindo mais de 2,3 milhões de pessoas. Ocorreram mais de 180 óbitos confirmados e 27 pessoas desaparecidas. Neste período mais de 10.793 mil pessoas foram para abrigos e 422.753 mil ficaram desalojadas. Esses dados estão disponíveis no link https://www.estado.rs.gov.br/boletins- -sobre-o-impacto-das-chuvas-no-rs.
Segundo dados do Ministério de Integração e de Desenvolvimento Regional, entre 2013 e 2023, o RS foi o estado mais atingido por eventos climáticos extremos no Brasil, com mais de 2,7 mil decretações de situação de emergência e de estado de calamidade.
A dimensão dos impactos relacionados aos empregos com as enchentes no RS, de abril/maio 2024, saberemos, quantitativamente, no próximo período. Mas as suas consequências já estão sendo sentidas e terão outras repercussões a curto, médio e longo prazo.
A dimensão dos impactos relacionados aos empregos com as enchentes no RS, de abril/maio 2024, saberemos, quantitativamente, no próximo período. Mas as suas consequências já estão sendo sentidas e terão outras repercussões a curto, médio e longo prazo.
Os desastres naturais não constam no rol de faltas justificadas previsto no artigo 473 da CLT. Portanto, permite aos empregadores a possibilidade de descontar o salário da pessoa empregada.
Quanto a essa questão, muito se divulgou a necessidade das pessoas trabalhadoras buscarem a emissão dos atestados junto a Defesa Civil, como meio de justificar a falta por conta das enchentes diante de um caso de força maior.
Porém, muitas têm sido as denúncias de trabalhadoras e trabalhadores de que o seu empregador se negou aceitar o atestado expedido pela defesa civil.
Salvo alguma situação alheia aos critérios pré-estabelecidos ou semelhantes, essa postura se torna inadmissível. Afinal existem precedentes que proíbem o desconto com essa comprovação de que a ausência ao trabalho ocorreu em razão de enchente e minimamente que o desconto pode comprometer ainda mais a situação da pessoa empregada, que já se encontra prejudicada por conta das enchentes.
Nos parece lógico que o direito do trabalho é regido por princípios, como a proteção à trabalhadora e ao trabalhador, da norma mais favorável e da intangibilidade salarial. Vale destacar que temos situações distintas dentre os municípios gaúchos: em alguns foi declarado estado de calamidade pública; em outros, situação de emergência.
Além disso, defendemos que caso seja comprovada a situação que gerou a impossibilidade de comparecer ao trabalho, a pessoa empregada não seja advertida, suspensa ou desligada por justa causa ou por abandono de emprego.
As centrais sindicais lançaram uma campanha emergencial de ajuda às vítimas das enchentes, listando diferentes reivindicações, como o auxílio emergencial, a ser instituído pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) condicionado a negociação coletiva, com objetivo de estabelecer garantia de renda e emprego às trabalhadoras e aos trabalhadores atingidos pela enchente; a prorrogação das Convenções Coletivas de Trabalho, por 180 dias; abono de faltas aos desabrigados e impossibilitados de comparecer ao trabalho; assim como um auxílio emergencial para os autônomos, artistas, trabalhadora(e)s rurais e aqueles que atuam na economia informal. Outra solicitação foi a criação de frentes de trabalho para limpeza e reconstrução das cidades atingidas.
O Ministério Público do Trabalho do Estado (MPT-RS) publicou a Recomendação nº 3/2024, assinada pelo Grupo de Trabalho (GT) especial Desastre Climático, criado pelo MPT-RS, para monitorar as repercussões trabalhistas da crise, reforçando ser essencial a prevenção de acidentes, doenças, contaminações e outros agravos à saúde das pessoas trabalhadoras, enfatizando medidas para tornar os trabalhos menos passíveis de riscos ou danos.
Algumas medidas foram definidas pelo MTE, que podem ser adotadas pelas empresas com o intuito de reduzir o impacto causado pela falta das pessoas empregadas, bem como para não prejudicar ainda mais aqueles que já se encontram em uma situação difícil causada pelas enchentes, tais como: adoção de regime de teletrabalho; antecipação de férias individuais; concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; regime diferenciado de banco de horas; suspensão da exigência dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Porém, infelizmente não são apenas esses aspectos. Precisamos nos debruçar nos adoecimentos, em especial, os mentais.
Estudo em andamento, promovido pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), já demonstra que, no grupo de quem ganha até R$ 1,5 mil por mês, todos estão com ansiedade; e 70% estão com depressão e síndrome de burnout. A pesquisa deverá ficar em aberto por pelo menos mais um ano.
O governo federal realizou repasse de R$ 12 milhões, para a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (SES RS) para contratação de novas Equipes Multiprofissionais de Saúde Mental na Atenção Primária em Saúde, direcionado para 84 municípios atingidos gravemente pelas enchentes no Estado.
Sabemos que independente dos motivos que causem as perdas trabalhistas, estará diretamente relacionada a proteção social e a queda na economia. A redução do número de pessoas com renda fixa diminui o consumo e, consequentemente, afeta o giro da economia e amplia as desigualdades sociais. Bem como a compreensão ser indissociável a democracia como instrumento de justiça social e respeito à dignidade humana. E em especial a defesa incondicional a democracia participativa, que na saúde se expressa no controle social do Sistema Único de Saúde (SUS) 24 DIESAT.ORG.BR Sigamos com coragem e firmeza! como instrumento de radicalização da democracia pelo compartilhamento amplo de suas deliberações.
Expressamos essas questões na compreensão estes serem eixos basilares que norteiam o enfrentamento e a superação dessa tragédia no RS e que precisam promover as transformações estruturais na forma, método, políticas, projetos, programas e legislação, entre outros aspectos, que produzam respostas capazes de mudar o paradigma de como enfrentar os desafios da mudança climática, da emergência ambiental e a vida das pessoas.
O programa de reconstrução implica ser um programa de desenvolvimento regional que envolva todos os atores – governos, empresários, trabalhadora(e)s, movimentos sociais – e que possa compreender a constatação de que é preciso aprender com os erros do passado. E de que não haverá futuro possível para as novas gerações se prevalecer a lógica neoliberal de destruição contínua da natureza, desregulação, especulação imobiliária correndo solta e ampliação das áreas de plantio do agronegócio sem respeito ao ecossistema.
Destacamos também outras ações necessárias, tais como: recuperar a proteção da sociedade e sua relação saudável com o planeta; pensar o papel maior do Estado na sustentação e controle de áreas estratégicas do País e dos estados da federação; garantir que a prevenção de desastres tenha recursos e ações para assegurar nossas vidas; cumprir a legislação urbana existente; fazer funcionar o que já está construído e parou por falta de investimento, manutenção e cuidado.
Sabemos que o mercado nunca irá substituir o Estado no que se refere à saúde do povo brasileiro. Para tanto, precisamos fortalecer o SUS público e os princípios do direito universal à saúde e à serviços de qualidade acessíveis à toda a população.
Precisamos da realização de concursos e reajustes para repor a falta de pessoal e corrigir a situação de sete longos anos de sacrifício daqueles que não deixaram de socorrer o país na pandemia de Covid-19, nas epidemias e nos diversos momentos de catástrofes motivadas por políticas predatórias e negacionistas.
E ainda, o Brasil produziu políticas públicas que devem atender às necessidades sociais. Mas para que de fato promovam a transformação da realidade, com respeito às pessoas, precisam estar articuladas entre si.
Isso significa dizer que situações como a tragédia no RS e relacionadas a classe trabalhadora destacam a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), Política Nacional de Saúde e Segurança do Trabalho (PNSST), Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), Política Nacional de Atenção Básica em Saúde (PNAB) e Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) que devem se entrelaçar para nortearem o debate político na proteção, para o cuidado, a segurança, com unidade e amplitude, na defesa das vidas.
Sigamos com coragem e firmeza!
Célia Machado Gervásio Chaves é Farmacêutica com Graduação pela UFRGS (1975) ; Mestrado em Ciências Farmacêuticas pela UFRGS (1980) e Doutorado em Farmacologia pela USP(1995). Diretora Titular Relações Internacionais DIESAT; Coordenadora Operacional ENFar; Diretora Tesoureira Fenafar; Diretora Tesoureira Sindifars; Mesa Diretora do CES RS.
Débora Raymundo Melecchi é Farmacêutica com Graduação pela UFRGS (1998). Diretora Suplente Relações Internacionais DIESAT; 2ª Vice Presidenta Fenafar; Presidenta Sindifars; Conselheira Nacional de Saúde.