Valdete Souto Severo e Luciane Toss
Fonte: Coleção Estudos Enamat, Brasília, v.7, 2023, p. 387-406.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO | 2 IGUALDADE E DIFERENÇA | 3 CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO ANTIDISCRIMINATÓRIO – IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO | 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Direito do Trabalho, legislações e políticas de mitigação de desigualdades de gênero são permanentemente objeto de crítica. A questão tem relação direta com a posição que a igualdade adquire. Trata-se de um fundamento filosófico da modernidade que, compreendido como necessário para a superação da forma anterior de organização social, pressupõe a homogeneidade dos indivíduos. Parte, portanto, como aponta a teoria crítica feminista, de um sujeito de direitos ideal: o homem, branco, heterossexual e ocidental, cujos interesses foram garantidos e direcionados às categorias jurídicas.
A partir disso, Fredman trabalha com a mulher como desvio da norma não declarada, (mobilizando o conceito de discriminação não declarada de Minow). Assim, propõe que o Direito do Trabalho também tem como padrão o Homem. A mulher é a diferente. Pois bem, a partir dessa discussão, iremos problematizar a questão da igualdade para a ordem jurídica vigente e a função que o Direito do Trabalho pode/deve exercer nessa história.
Na regulação jurídica das relações de trabalho, é a questão de classe que o Estado reconhece e se obriga a considerar. As demais formas de opressão, de gênero, capacidade, sexualidade etc., seguem veladas. A igualdade, então, persiste como um ideal inquestionável, compreendido como um imperativo de uniformização. Por isso, não raras vezes, leis que estabelecem tratamento diferenciado a mulheres trabalhadoras recebem a alcunha de discriminatórias, ou responsáveis por estigmatizar mulheres como frágeis e incapazes, ou ainda, reduzirem as possibilidades de contratação de mulheres. Talvez por isso o reconhecimento da necessidade de regras que garantam tratamento igual tem se demonstrado um mecanismo de legitimação de desvantagens para as mulheres no mercado de trabalho.
O que se verifica, portanto, é que a questão de gênero vai acirrar ainda mais o já conflituoso terreno da relação entre igualdade e diferença no Direito, porque a legislação trabalhista vai atingir homens e mulheres trabalhadoras de formas distintas. A diferença biológica entre os sexos, por exemplo, vai atuar como componente que fundamenta a defesa de que mulheres trabalhadoras devem ter maiores responsabilidades de cuidado do que homens trabalhadores (considerando que a licença maternidade tem, no mínimo, 120 dias e a licença-paternidade tem oito dias).
Por meio da problematização proposta por Minow (dilemas da diferença) e das dimensões da igualdade em Fredman, a primeira parte deste artigo pretende analisar como a norma oculta mantém as mulheres em desvantagem no mercado de trabalho, e o que isso significa em relação à estrutura social. Em seguida, considerando os marcadores do direito antidiscriminatório, em especial em Rios, analisaremos os critérios metodológicos propostos por Minow e Fredman, para avaliar legislações e decisões judiciais. A lei de igualdade salarial recém-aprovada no Brasil é o pano de fundo para que a discussão se materialize.
O objetivo é promover reflexões sobre a função que o valor igualdade assume em nossa estrutura social e o quanto, mesmo pensando tensioná-lo, por vezes simplesmente o reforçamos.
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Valdete Souto Severo é Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, pós-doutora em Ciências Políticas pela UFRGS, mestre em Direitos Fundamentais pela PUC/ RS, Especialista pela UNISC, pela UDELAR/Uruguai, pela Unisinos e pela Universidade Europea di Roma, professora de Direito e Processo do Trabalho na UFRGS, docente pesquisadora vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas públicas e serviço social da UFRGS, juíza do trabalho, autora de artigos e livros como “A perda do emprego no Brasil, elementos para o uso transgressor do direito do trabalho e contribuições para uma teoria geral do Direito do Trabalho”.
Luciane Toss é Mestre em Ciências Sociais e doutoranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), advogada, professora e consultora em gênero e direitos humanos. Integra os grupos de pesquisas: Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos, coord. profa. dra. Fernanda Bragato, Grupo de Estudos Sindicalismo da UDF, coord. prof. dr. Mauricio Godinho Delgado. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5830796724727733