28 de setembro de 1966: surge o PIT-CNT no Congresso de Unificação Sindical no Uruguai

Criada no fórum, central sindical uruguaia aglutina até hoje praticamente todos os trabalhadores do país.

Fotografia: Diario El Popular/Centro de Fotografia de Montevideu

Guilherme Daroit

A unidade acima das divergências. É esse o resumo da história do movimento sindical uruguaio desde 1966, quando conflitos anteriores foram deixados de lado para a criação de uma central unificada, capaz de abranger todo o espectro político do pequeno país sul-americano. Fortalecida e consistente, a entidade, hoje chamada de Plenário Intersindical de Trabalhadores – Convenção Nacional de Trabalhadores (PIT-CNT), resistiria inclusive à Ditadura Militar uruguaia, congregando ainda hoje a virtual totalidade dos trabalhadores uruguaios.

Antes do Congresso de Unificação Sindical, realizado de 28 de setembro a 1º de outubro de 1966, todavia, a história do sindicalismo cisplatino era de menor compreensão entre as diferentes linhas de pensamento. No início do século, por exemplo, chegaram a ser três as tentativas concorrentes de confederação no país, tocadas por socialistas (União Geral de Trabalhadores – UGT), católicos (Confederação dos Sindicatos Operários – COGU)  e anarquistas (Federação Operária Regional Uruguai – FORU), prevalecendo a última, que acabaria abarcando também outras correntes ao longo do tempo.

Nos anos 1920, entretanto, o balanço sobre a Revolução Russa de 1917 levaria à divisão da FORU, com a ala anarquista e o menor mas atuante setor comunista desembarcando da entidade. Em 1923, esses grupos fundariam a União SIndical Uruguaia (USU), que se predispunha a canalizar os esforços unificados da classe trabalhadora. Não duraria muito. Em 1929, expulsos da USU, os comunistas se organizariam na Confederação Geral do Trabalho do Uruguai (CGTU), completando a nova tríade de organizações sindicais. Enfraquecidas e divididas, as três centrais não conseguiriam fazer frente ao golpe de estado de 1933, encabeçado pelo presidente Gabriel Terra, que levaria a cabo política antissindical em seu regime, com prisões, deportações e censura aos jornais.

O primeiro esforço relevante de unificação viria em 1942, com a criação de uma nova União Geral de Trabalhadores (UGT), integrada pelo conjunto das correntes políticas dominantes. O convívio não resistiria, em meio às tensões e conflitos entre elas, e em 1951 surgiria também a Confederação Sindical do Uruguai (CSU), paralela, composta por grupos independentes. 

Na década seguinte, por fim, as divisões perderiam força aos poucos em meio à crise que se abateria sobre o Uruguai. Em 1956, por exemplo, após paralisação nos frigoríficos que entrou para a história do país pelo uso inédito da greve de fome como instrumento de luta, a federação daqueles trabalhadores chamaria uma comissão coordenadora para a criação de uma central unificada. Ainda que não tenha logrado êxito no seu objetivo maior, a comissão acabaria por retomar os canais de diálogo entre as correntes políticas, retomando a organização de ações conjuntas. 

Até 1961, a UGT seria dissolvida, dando lugar à Central de Trabalhadores do Uruguai (CTU), em um período de grande conflito político no Uruguai. Dois anos antes, o Partido Nacional finalmente chegaria ao poder no país, após mais de 90 anos de domínio do Partido Colorado. Sob o comando blanco, que buscava uma reforma econômica no país, surgiriam medidas neoliberais, apoiadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao mesmo tempo, a esquerda reagiria com a formação de grupos armados, como o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T). 

No contexto da radicalização do debate político, a ideia de unificação dos sindicatos, então, ganharia força. O primeiro movimento para que o objetivo se tornasse realidade se daria em 1964, com a primeira fundação da CNT. À época, ainda não uma central sindical, mas sim um mesa coordenadora permanente das ações dos trabalhadores no Uruguai. No ano seguinte, a organização já estaria pronta para conclamar uma grande greve, em abril de 1965, e, especialmente, chamar um congresso aberto, para discussão sobre a situação do país. Em agosto daquele ano, o Congresso do Povo, reunindo sindicatos, movimento estudantil, cooperativas, aposentados e diversos outros grupos, definiria um plano de ações para superar a crise que os uruguaios viviam, além de defender maior liberdade ao sindicalismo e aos movimentos populares. O terreno, então, estava pronto para a unificação sindical se concretizar já em 1966.

Nos quatro dias do Congresso de Unificação Sindical, realizado em Montevidéu, então, os trabalhadores definiram que a CNT passaria de coordenadora para uma verdadeira confederação sindical. A CTU, com isso, foi dissolvida, deixando de existir. No congresso, seriam aprovados o estatuto da nova central, uma declaração de princípios e um programa de soluções para a crise, esse último praticamente sem mudanças em relação ao documento tirado do Congresso do Povo um ano antes. Entre as definições, ficou acordado que a CNT não se alinharia aos partidos locais e nem a confederações internacionais.

Preocupados com a escalada militar no continente, com golpes de Estado ainda recentes nos dois principais vizinhos, Brasil e Argentina, o congresso também aprovaria o chamamento de greve geral no caso de investida semelhante das forças armadas no Uruguai. A medida se concretizaria em 1973. Poucas horas depois do anúncio do golpe militar no Uruguai, em 27 de junho daquele ano, a CNT chamaria a greve geral, que resistiria por 15 dias, ocupando fábricas e fechando portos, lojas e bancos. Ao fim da paralisação, os líderes do movimento seriam presos, exilados ou mesmo mortos, com os sindicatos e os partidos políticos declarados ilegais.

Dois anos antes do golpe, ainda na esteira do Congresso do Povo e da criação da CNT, também seria criada a Frente Ampla (FA). A união dos diversos partidos de esquerda do país, abarcando distintas ideologias sob a mesma bandeira, selou de vez a unificação do movimento popular uruguaio, que se tornaria ainda mais importante com a ascensão da ditadura cívico-militar ao poder.Proibida, a CNT continuaria a atuar na clandestinidade nos anos seguintes. 

O regime ditatorial passaria a perder apoio no fim da década. A virada teria como marco a rejeição dos uruguaios no plebiscito de novembro de 1980, no qual o regime propunha instituir uma nova constituição. Na prática, a votação se transformou em uma aprovação ou não do governo de fato e, com a derrota dos ditadores, a reabertura se tornaria inevitável. Já nesse processo, em 1981 seria legalizada novamente a criação de associações profissionais. 

Em 1983, ainda sob o regime cívico-militar, finalmente o 1º de maio voltaria a ser celebrado no Uruguai. A organização dos atos, primeiro movimento massivo de oposição ao regime em quase dez anos, seria realizada por uma comissão de sindicatos, que assumiria o nome de Plenário Intersindical de Trabalhadores (PIT). Naquele ano, o PIT passaria a atuar como central sindical, conclamando a primeira greve geral sob o regime ditatorial  em janeiro de 1984. No mesmo ano, a entidade convocaria o ato de 1º de maio já sob o nome PIT-CNT, trazendo para dentro de si a antiga central e assumindo o seu legado, culminando o movimento de unificação interrompida pelo golpe de 1973 e preparando a organização para o retorno da democracia, que se efetivaria no fim do ano com as eleições gerais.

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