A CUT pretendia-se unificada, abarcando todas as forças políticas relevantes do movimento sindical
Guilherme Daroit
A nova geração de sindicalistas brasileiros, emergida em meio à Ditadura Militar no fim dos anos 1970 em contraposição às estruturas tradicionais, chegaria a seu ápice em 28 de agosto de 1983. Após três dias de congresso, nos galpões de uma produtora de cinema em São Bernardo do Campo (SP), mais de 5 mil delegados dariam ao novo sindicalismo a sua principal estrutura trabalhista, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), consolidando a sua força no renovado cenário das entidades laborais no Brasil.
À data, a fundação da CUT já era questão de tempo. Dois anos antes, a I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) havia deliberado pela formação de uma Comissão Nacional Pró-CUT, que, imaginava-se, instauraria a central sindical em 1982. A CUT, nesse planejamento, pretendia-se unificada, como o próprio nome anuncia, abarcando todas as forças políticas relevantes do movimento sindical, à semelhança da própria Conclat. As divergências entre os dois principais campos – o novo sindicalismo, aflorado poucos anos antes nas greves pioneiras nas fábricas metalúrgicas do próprio ABC paulista, e o campo Unidade Sindical, composto pelos grupos ligados ao sindicalismo tradicional -, entretanto, mudariam os planos.
Na Conclat, algumas divergências, como a referente à pluralidade ou unicidade sindical, já haviam sido expostas. Em 1982, ano das primeiras eleições diretas para governadores desde o golpe de 1964, outra delas ficaria evidente. Enquanto o primeiro grupo, que já se organizava no recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), insistia na formação da CUT como planejado, o segundo, então vinculado, mesmo que em grande parte indiretamente, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), defendia a priorização do escrutínio geral, postergando a fundação da central sindical. Não ajudava na tomada de decisões o fato de a Comissão Pró-CUT tirada da Conclat ter sido paritária, com igualdade de força entre os campos. Ao fim, prevaleceria a vontade do grupo ligado às federações e confederações tradicionais, com a instalação da CUT sendo adiada para o ano seguinte.
Em 1983, porém, o cenário não seria muito diferente, com novas discussões sobre a efetivação ou adiamento da criação da CUT. Na metade daquele ano, porém, fatos novos mudariam o cenário. Às voltas com problemas econômicos que exigiram acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o regime militar apertou o cerco com os trabalhadores. De janeiro a julho, o governo editaria decretos restringindo a reposição da inflação aos salários mais baixos, retirando benefícios e direitos dos trabalhadores das empresas estatais e, por fim, limitando todos os reajustes salariais a 80% da inflação.
Em junho, mais de três dezenas de categorias aprovariam estado de greve contra as medidas, movimento que se radicalizaria no mês seguinte, especialmente nas refinarias de petróleo da Petrobras. Paralisados na Refinaria Planalto (Replan), em Paulínia (SP), desafiando as leis de exceção vigentes, o sindicato dos petroleiros de Campinas sofreria intervenção da Ditadura, com cassação de seus dirigentes e demissão de funcionários. Outras entidades sindicais passariam pela mesma sorte nos dias seguintes, como a dos petroleiros em Mataripe (BA) e a dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP).
A insurgência dos trabalhadores, ainda que enfraquecida pelo contragolpe do governo, deflagraria, em 21 de julho daquele ano, a primeira Greve Geral pós-1964 no Brasil, organizada pela Comissão Pró-CUT. O sucesso da mobilização acabaria, então, por dar mais forças ao chamado grupo combativo da comissão, aquele ligado ao novo sindicalismo, que desistiria de esperar por um consenso. Assim, o I Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat, repetindo a sigla consagrada anteriormente) seria convocado à revelia dos adversários, em uma sede também simbólica. São Bernardo do Campo, afinal, era a base do principal sindicato metalúrgico do novo sindicalismo, com a presidência, até 1981, do então torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva. O sucessor de Lula no sindicato dos metalúrgicos do ABC, Jair Antonio Meneguelli, acabaria eleito o primeiro presidente da CUT, ocupando o cargo por 11 anos.
Ao todo, o I Conclat de 1983 reuniu, no galpão da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, 5.059 delegados e delegadas de 912 entidades sindicais rurais e urbanas e associações de servidores públicos, além de observadores e convidados internacionais. Além da direção, liderada por Meneguelli, o congresso definiria o estatuto e o Plano de Lutas da CUT, que defendia a redução da jornada para 40h semanais, a estabilidade no emprego, a extinção da hora extra, a sindicalização do funcionalismo, políticas de habitação e valorização das estatais, a reforma agrária, o ensino público gratuito em todos os níveis, a liberdade sindical e, claro, eleições para o cargo de Presidente da República, entre outras bandeiras.
Dali, a CUT cresceria, tornando-se a principal central sindical brasileira e uma das maiores do mundo. Ao todo, a central contabiliza 3,9 mil entidades filiadas, com cerca de 8 milhões de trabalhadores associados.