Paralisação teve “piquete de mil milhas” e marcou atuação do sindicato IWW no Canadá

Guilherme Daroit
Indignados com as más condições de trabalho, os trabalhadores que construíam a ferrovia da Canadian Northern, na Colúmbia Britânica, paralisariam suas atividades em março de 1912. Uma das greves mais marcantes do Canadá, o movimento ficaria conhecido pelo “piquete de mil milhas”, tática de atuação em diversas regiões para evitar a contratação de substitutos. Capitaneada pelos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW, na sigla em inglês), fundado poucos anos antes nos Estados Unidos, a paralisação mostraria que a sindicalização e a greve poderiam ser instrumentos para todos os trabalhadores no país.
À época, o Canadá convivia com a construção de diversas ferrovias, que cruzavam e integravam o país. Iniciada na parte oriental, a Canadian Northern se expandia para o oeste canadense, com a construção sendo realizada primordialmente por imigrantes e trabalhadores sem formação. Buscando rapidez, a ferrovia avançava com poucos cuidados, com os locais de trabalho lotados e precários, além de diversos acidentes e desastres ambientais ao largo da obra.
Para os trabalhadores, as péssimas condições sanitárias chegariam ao limite em 1912. Além da imundície e superlotação nos postos de trabalho, os empregados criticavam o sistema de pagamentos, que eram feitos não por salários, mas por etapas da construção realizadas. Dessa forma, em 27 de março, os trabalhadores da Canadian Northern decretariam greve na região, demandando melhores instalações, jornadas de nove horas e o pagamento em salários diários, e não mais por tarefas.
A organização do movimento seria possível graças à entrada na região, pouco tempo antes, do IWW. Fundado em 1905 em Chicago, o sindicato ganhava terreno nos dois países, com ideologia mais radical do que os sindicatos existentes à época e estratégias mais voltadas à ação direta. No Vale do Rio Fraser, à época da greve, já eram 8 mil os trabalhadores da Canadian Northern sindicalizados no IWW, possibilitando uma grande base para a greve desde o seu início. Em pouco tempo, o movimento pararia os trabalhos na Colúmbia Britânica, em um cordão de cidades distantes 200 km entre si.
Na cidade de Yale, escolhida como base principal do movimento paredista, o IWW adotaria medidas rígidas para manter a greve pacífica e longe de ações drásticas do governo. Armas e munições foram confiscadas, as bebidas limitadas, e as refeições, servidas pelos próprios postos construídos pelo sindicato, que assumiram o lugar daqueles da empresa. Em suas bases, a greve era mantida com espécies de pequenos núcleos socialistas na sua organização.
Outra estratégia dos grevistas dava conta de dificultar a contratação de trabalhadores de reposição. Para isso, o IWW mobilizaria seus grupos em diversas cidades, organizando piquetes em diversos centros de contratação para evitar que fossem utilizados para captar novos trabalhadores. O “piquete de mil milhas” fecharia escritórios de contratação de São Francisco, na Califórnia, até Mineapólis, em Minnesota, cruzando o Canadá e os Estados Unidos.
Em abril, um mês após o início da greve, a procuradoria do Estado mandaria inspetores sanitários para os acampamentos mantidos pelo IWW, ao contrário do que acontecia com os postos da Canadian Northern. A inspeção ordenaria o fechamento dos acampamentos do sindicato, não aceito pelos trabalhadores. Recusando-se a sair, os operários passariam a ser presos às centenas. Os estrangeiros, em parte, acabariam deportados.
Em julho, a paralisação receberia o apoio de outros 3 mil trabalhadores da Grand Trunk Pacific, outra ferrovia em construção na Colúmbia Britânica e em Alberta. O reforço, porém, não levaria a greve muito além. No outono local, em novembro, o movimento seria encerrado com a exaustão dos trabalhadores, que aceitariam retornar ao trabalho com melhorias sanitárias nos seus acampamentos e a suspensão temporária do sistema de pagamentos por tarefas. Na Grand Trunk Pacific, a greve continuaria até janeiro de 1913, quando o governo local assumiria a obrigação de fazer cumprir as leis sanitárias nos locais de trabalho.
Os avanços aconteceriam, também, na esfera sindical. Um dos ganhos dava conta da indicação do IWW, em cada acampamento, de uma espécie de delegado do sindicato. Além disso, a greve mostraria que trabalhadores braçais, sem formação ou habilidades específicas, também poderiam recorrer à sindicalização com sucesso, dando um impulso ao movimento sindical canadense como um todo. O IWW sairia da greve com grande renome entre os trabalhadores. A situação duraria pouco, entretanto. O advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e a Revolução Russa, em 1917, detonariam uma série de prisões de integrantes do sindicato, que acabaria banido, e nunca mais retomaria a força demonstrada na greve de 1912.