Primeira das centrais sindicais francesas, CGT teve início turbulento e com disputa de rumos até se consolidar.
Guilherme Daroit
Com diversas trocas de regime, insurreições populares e guerras, tranquilidade é um termo que, definitivamente, não encontrou morada na França do Século XIX. Fundada oficialmente em 1895, a Confederação Geral do Trabalho (no original, Confédération Générale du Travail – CGT) não fugiria à regra. Pioneira do movimento sindical francês, até hoje entre as maiores centrais sindicais do país, a entidade foi palco de disputas entre grupos distintos, levando décadas até consolidar sua força entre os trabalhadores.
Quando reuniram-se em Limoges para a criação da CGT, de 23 a 28 de setembro de 1895, os trabalhadores franceses passavam por um período de ebulição política e organizativa. O próprio movimento era, de certa forma, novidade. Suspenso desde 1791, o direito à greve só se tornaria legal novamente em 1864, mesmo ano da criação da I Internacional, enquanto os sindicatos voltariam a ser autorizados apenas vinte anos depois, em 1884.
No intervalo de duas décadas, o país passaria por diversos levantes, com especial destaque à Comuna de Paris, em 1871. É notória também a remodelação da capital, que desalojou boa parte dos trabalhadores para dar cabo a projetos de avenidas e parques. A França se industrializava, tardiamente em relação à Inglaterra, e com todos esses elementos a consciência de classe dos operários passava a ganhar força no jogo político.
Em Limoges, então, reunir-se-iam dois grandes grupos, da fusão dos quais resultaria a CGT. Por um lado, estava a Federação Nacional dos Sindicatos, fundada em 1886, em Lyon, que reunia as entidades sindicais. Inicialmente dominada por forças ligadas a Jules Guesde, que priorizavam a disputa eleitoral em relação à ação direta, a Federação logo passaria por uma mudança na sua maioria, fruto de discussões sobre a adoção de greves gerais como tática. Contrários à paralisação total, os guesdistas seriam derrotados no Congresso da FNS em 1892, em Marselha, que aprovaria o princípio da greve geral e indicaria a mudança nos rumos da entidade.
Um dos principais detonadores dessa mudança seria o surgimento das bolsas de trabalho, a partir de 1887, em Paris, que possuíam maior tendência revolucionária. Essas organizações eram espaços físicos, com financiamento municipal, geridos pelos sindicatos de uma mesma localidade que ali se congregavam e regulavam as questões trabalhistas locais. Rapidamente crescendo no país, elas se reuniriam na Federação das Bolsas de Trabalho, fundada no mesmo ano de 1892, meses antes do Congresso de Marselha da FNS, energizando a oposição na entidade dos sindicatos.
Com a vitória sobre a greve geral, as bolsas de trabalho tentariam chamar um congresso conjunto das duas entidades já em 1893, movimento que conseguiria ser contido pelos guesdistas. O mesmo não aconteceria no ano seguinte, em Nantes, e o encontro conjunto de 1894 daria outro golpe na antiga maioria, com a aprovação de uma greve geral apoiada por todos os outros campos. Sem a barreira dos guesdistas, a união entre bolsas e sindicatos evoluiria para o congresso seguinte, a ser realizado em 1895, com a missão de fusão das entidades.
A união, aprovada em Limoges, resultaria na origem da CGT. Ao todo, compareceram ao encontro 18 bolsas de trabalho, 28 federações nacionais e, diretamente, 126 sindicatos. A principal pauta do ano, a desvinculação do movimento dos trabalhadores de qualquer partido ou doutrina políticos, seria aprovada. A indicação era de que a nova central deveria defender os assalariados no presente, mas lutar pela emancipação total da classe trabalhadora no horizonte.
Mesmo com a criação da CGT, entretanto, a real integração das entidades não se efetivaria. Nem as federações, nem as bolsas de trabalho estavam preparadas para a absorção de uma organização pela outra. O resultado foi o estabelecimento de uma CGT cindida, na qual cada grupo mantinha sua autonomia. Na prática, a Federação das Bolsas de Trabalho nem mesmo entraria na CGT, persistindo paralelamente, ainda que colaborasse com a nova entidade, então dominada por grupos reformistas. Só em 1901 os grupos revolucionários passariam a ser maioria na CGT e, com isso, estavam dadas as bases para um renascimento da central unificada.
Foi assim que, em Montpellier, sete anos após a sua fundação, a CGT finalmente se tornaria a sucessora das duas entidades anteriores, com as bolsas de trabalho encerrando a sua federação própria. No congresso de 1902, é aprovado estatuto definitivo, objetivando o desaparecimento da diferença entre patrões e empregados, delimitada a greve geral como instrumento dos trabalhadores, e proibida a atuação em partidos.
Mesmo com a fusão consolidada, a CGT não agrupava mais do que um pequeno número de trabalhadores. Em 1904, por exemplo, a estimativa é de que não atingissem duas centenas de milhares, contingente que, todavia, cresceria nas décadas seguintes. Aos poucos, sindicatos operários industriais ganhariam terreno sobre as entidades de ofício, e a CGT se transformaria em uma ferramenta relevante dos trabalhadores franceses. Por sua atuação na greve dos ferroviários de 1920, a extinção da central chegaria a ser determinada pela Justiça em 1921, ainda que a decisão nunca tenha sido cumprida.
No ano seguinte, contudo, outra cisão marcaria a história da entidade. Já minoritários na CGT, mais inclinada ao reformismo, os grupos revolucionários abandonariam a entidade para criar a Confederação Geral do Trabalho Unitária (CGTU), que acabaria ligada ao Partido Comunista. A ascensão do fascismo na Europa, porém, levaria a uma reaproximação das entidades já na década de 1930, culminando na assimilação da CGTU pela CGT em 1936.
No mesmo ano, a CGT passaria a aceitar a colaboração com partidos políticos, desde que temporária e por motivos externos. Em 1937, a CGT chegaria aos 4 milhões de filiados, de cerca de 8,2 mil sindicatos. Nas décadas posteriores, a confederação também passaria a manter vínculo informal com o Partido Comunista. A situação levaria à última grande cisão da história da CGT. Em 1948, descontentes com a associação aos comunistas, grupoliderado pelos socialistas deixaria a entidade para fundar a Força Operária, outra das hoje cinco grandes centrais francesas.