Lei autorizou formação de entidades de profissionais, proibidas desde a Revolução Francesa.

Guilherme Daroit
Reconhecida mundialmente pela força e vivacidade de seu movimento sindical, a França vivia outro cenário no século XIX. Ainda sob influência dos ideais da Revolução lberal que tomou o país e moldou a contemporaneidade, por quase todo o século a associação de trabalhadores foi proibida naquele território europeu, barrando o florescimento do sindicalismo. A situação só começaria a mudar em 1884, com a chamada Lei Waldeck-Rousseau, que finalmente legalizaria a criação de grupos de trabalhadores da mesma profissão e abriria caminho para outros avanços nas décadas seguintes.
À época, o direito de associação dos trabalhadores estava criminalizado desde 1791, quando foi promulgada a Lei Le Chapelier. Ainda na primeira fase da Revolução Francesa, a legislação proibiu as corporações de ofício, o direito de greve e outros instrumentos, desagradando os trabalhadores urbanos que faziam parte do movimento revolucionário. Sob os ideais burgueses, a livre negociação deveria ser a norma, e todos os intermediários entre o Estado e os cidadãos, extintos.
A proibição seguiria vigente até 1864, quando a Lei Ollivier faria a legislação anterior perder a validade em diversos pontos. Dessa forma, deixava de existir o crime de coalizão, de maneira que os trabalhadores podiam voltar a se reunir em grupos sem enfrentar persecuções penais. Defendida pelo republicano Emile Ollivier, a nova regra partia do entendimento de que a liberdade de coalizão resultaria no avanço das negociações coletivas, sendo boa tanto para trabalhadores quanto para os patrões.
A nova lei também encerrava o banimento ao direito de greve, ainda que sob muitas condicionantes. Seguia criminalizado, por exemplo, o exercício da força que interrompesse a livre operação das fábricas com o objetivo de aumentar ou diminuir salários.
A flexibilização, contestada pelos conservadores, dava indicativo dos novos rumos do país na questão laboral. No mesmo ano de 1864, já surgiria a primeira entidade com o nome de sindicato na França, o dos sapateiros de Paris. Outros grupos apareceriam, mesmo sem reconhecimento legal, já que a associação de trabalhadores continuava proibida.
A primeira tentativa de legalização surgiria, enfim, em 1876, com um projeto de lei que autorizava a criação de sindicatos. A legislação passaria oito anos em discussão no parlamento francês, com diversas mudanças. O texto seria finalmente encampado pelo governo, por meio do ministro do Interior, Pierre Waldeck-Rousseau, em 1884, sendo aprovado na Assembleia e no Senado em março.
A lei repelia de vez a antiga legislação de Le Chapellier, autorizando, por fim, a criação de sindicatos profissionais na França, tanto de trabalhadores quanto de empregadores, sem necessidade de autorização do governo. Apesar disso, regras teriam de ser seguidas, entre elas a necessidade de comunicação à prefeitura dos estatutos e dos nomes dos responsáveis por cada sindicato quando da criação do mesmo, além da atualização a cada troca nos comandos. O direito não se aplicava, todavia, a servidores públicos e estrangeiros.
A lei também permitia que os sindicatos criassem fundos de pensão e de ajuda mútua para os trabalhadores da categoria que representassem, além de bancos de informações sobre vagas de empregos e trabalhadores desempregados. O objetivo dos sindicatos, entretanto, era exclusivamente o do estudo e defesa de interesses econômicos, industriais, comerciais e agrícolas, limitando a sua vertente política e de agitação. Com isso, buscava-se privilegiar também a negociação coletiva em detrimento às greves, que já não eram mais proibidas.
Waldeck-Rousseau voltaria ao governo francês em 1899, dessa vez como primeiro ministro, e avançaria mais a legislação em 1901. Naquele ano, a Lei das Associações retirou as amarras do processo de criação de qualquer associação civil, não sendo mais necessária comunicação ao poder público de sua criação, nem a limitação de seus objetivos, que passavam a ser livres. Na mesma lei, o primeiro ministro cortaria o mesmo direito das associações religiosas, que já existiam em profusão no país, dando um passo decisivo para a separação de Estado e Igreja logo depois, em 1905.
As últimas restrições ao sindicalismo na França cairiam em 1946. Naquele ano, com a promulgação da Constituição da nova república após o fim da Segunda Grande Guerra, o direito à greve e o direito à sindicalização seriam alçados aos direitos fundamentais da cidadania, vigentes até hoje no país europeu.