Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) buscou reorganizar os trabalhadores após quase duas décadas de isolamento formal.
Guilherme Daroit
Mais de 5 mil sindicalistas, de diversas partes do Brasil, desembarcariam em Praia Grande (SP) em agosto de 1981 para algo inédito àquela geração: a discussão sobre os rumos do movimento sindical. O prédio escolhido para o evento, a colônia de férias do Sindicato dos Têxteis, estava em construção, assim como também estava, afinal, o próprio sindicalismo. Ainda sob a mão de ferro da Ditadura Militar, aqueles três dias no litoral, de 21 a 23 de agosto, sediariam a I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), buscando reorganizar os trabalhadores após quase duas décadas de isolamento formal.
O momento já era, então, de efervescência no movimento sindical. As greves de 1978 e 1979, que ganharam força nas montadoras do ABC paulista e se espraiaram por diferentes regiões e categorias, traziam novas questões à baila. As pautas não se limitavam mais a questões puramente trabalhistas, mas também ganhavam contornos cada vez mais políticos. Ao lado da estabilidade no emprego, da redução da jornada e do salário mínimo unificado, também eram reivindicados a reforma agrária, os direitos à greve e à sindicalização de funcionários públicos, o fim das leis de exceção vigentes e o chamamento de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Ao todo, os mais de 5 mil delegados representavam quase 1,1 mil entidades que passariam pela Conclat. Eram sindicatos, federações, confederações e associações do funcionalismo público, que contrapunham-se também à IV Conferência Nacional das Classes Produtoras (Conclap), realizada em 1977 no Rio de Janeiro. Em Praia Grande, onde muitos dos trabalhadores se encontrariam pela primeira vez com o mar, era inédito também o congraçamento de todas as forças políticas e ideológicas relevantes do movimento sindical, cujo direcionamento restava interrompido desde o fim dos trabalhos no
Comando Geral dos Trabalhadores por conta do Golpe Militar de 1964.
Dentre essas forças presentes à Conclat, dois campos se destacavam. De um lado, os dirigentes do movimento que ficaria conhecido como o novo sindicalismo, ligados às bases e autônomos em relação ao governo, que se organizavam, em grande maioria, no recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT). Do outro, os líderes tidos como mais moderados, ligados às estruturas tradicionais, como federações e confederações e também alas do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A busca por teses unitárias não resistiria à diversidade de opiniões. Dois temas principais dividiram os polos. O primeiro deles, referente à autonomia e liberdade sindicais, subsidiado pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os líderes do novo sindicalismo defendiam a livre associação dos trabalhadores em novos sindicatos, se assim o quisessem, modificando a estrutura sindical vigente no Brasil desde os anos 1930, de acordo com a norma internacional. Enquanto isso, os sindicalistas ligados ao movimento tradicional, reunidos sob a alcunha “Unidade Sindical”, sustentavam a manutenção do quadro, por meio do princípio da unicidade sindical, que determina que haja apenas um sindicato por categoria em uma mesma base territorial.
O tema era debatido, também, por dentro da que viria a ser a outra grande rachadura entre os dois grupos: a criação de uma Central Sindical unificada. A divergência mais visível residia na discussão sobre quais grupos poderiam se filiar à então planejada Central Sindical, sendo esse direito restrito às entidades formalizadas ou conferido também a oposições constituídas, por exemplo. Ao fim, da votação para construção da comissão que construiria a Central Única, restou um empate técnico, concordando ambos os polos com a organização de um comitê paritário para o ano seguinte.
Desses dois grupos surgiriam, depois, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, e a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1986. A pluralidade sindical, expressa na Convenção 87 da OIT, acabaria nunca implementada no Brasil. Para além das divisões, porém, dos três dias de conferência o que ficaria era a demonstração de força das entidades laborais, unificadas como nunca, na defesa pelo resgate da democracia no Brasil.