1º de maio, as ameaças de Trump e o mercado de trabalho

Donald Trump
Foto: Isac Nóbrega/PR

Maio começou entreabrindo a crise do trabalhismo brasileiro, revelada pelo esvaziamento dos eventos promovidos por centrais sindicais. E terminou com o presidente Donald Trump atacando a liberdade acadêmica, declarando guerra às principais universidades americanas. Esses fatos estão interligados.

José Eduardo Campos Faria

Fonte: Jornal da USP
Data original da publicação: 03/06/2025

Maio de 2025 começou entreabrindo a crise do trabalhismo brasileiro, revelada pelo esvaziamento simbólico e político dos eventos tradicionalmente promovidos por líderes e centrais sindicais. E terminou com o presidente Donald Trump atacando a liberdade acadêmica, declarando uma guerra política e financeira às principais universidades americanas, sob a justificativa de que elas seriam instrumentos de infiltração de interesses chineses nos Estados Unidos, e ameaçando taxar a Apple, a Samsung e outras empresas de tecnologia em 25% caso a fabricação de celulares não seja transferida da Índia para solo americano.

Todos esses fatos estão ligados. Historicamente, eles resultam, por um lado, da substituição da sociedade industrial pela sociedade informacional na transição do século 20 para o século 21, que levou ao avanço das plataformas digitais em todo o mundo. E, por outro lado, do subsequente impacto do fenômeno da globalização econômica no mercado de trabalho e da velocidade do processo de inovação tecnológica.

Ao propiciar a expansão da automação, o surgimento da inteligência artificial e a multiplicação de robôs e de plataformas digitais, esse fenômeno abriu caminho para a reestruturação do emprego industrial e para sua redução, revelando a necessidade de programas de requalificação profissional e um novo sistema de seguridade social. Também permitiu que a produção industrial fosse redistribuída geograficamente no plano mundial, em decorrência das oportunidades de redução de custos que os países das diferentes áreas do mundo ofereciam.

Trata-se de um processo que foi acelerado pelo surgimento de padrões organizacionais mais eficientes, pelo desenvolvimento de máquinas inteligentes e pelo barateamento dos sistemas de transportes de alta velocidade de cargas. Com isso, as áreas de decisão e inovação das empresas mundiais ficaram nas matrizes, enquanto as atividades industriais, comerciais e de serviços foram cada vez mais redistribuídas geograficamente em decorrência de vantagens comparativas, ou seja, das oportunidades de redução de custos que os países de diferentes áreas do mundo ofereciam.

Essa fragmentação da produção de bens e serviços também foi estimulada pelo avanço da terceirização e pela transferência do trabalho bem remunerado e com carteira assinada dos países ocidentais para os países asiáticos de mão de obra barata, contratos trabalhistas precários e sem direitos sociais. Uma das consequências desse processo, na transição do século 20 para o século 21, foi a formação de extensas cadeias globais de valor.

Quatro outras consequências, entre tantas outras, também merecem destaque:

(i) a crescente obsolescência de determinados tipos de trabalho, a ponto de pesquisas do Fórum Econômico Mundial preverem que 50% das competências técnicas atuais estarão obsoletas nos próximos cinco anos e que 85% dos empregos da década de 2020 ainda não terem sido inventados;
(ii) o surgimento de postos de trabalho que exigem uma formação técnica cada vez mais interdisciplinar;
(iii) a multiplicação, em velocidade geométrica, de investimentos em inovação e pesquisa;
(iv) e a progressiva conversão da própria tecnologia numa arena de combate na qual estão em jogo a liderança mundial, quer no plano geoeconômico, quer no plano geopolítico.

Tudo isso ajuda a entender os motivos pelos quais o mês de maio de 2025 passará para a história pelos fatos mencionados no primeiro parágrafo deste artigo. No caso do esvaziamento dos eventos políticos promovidos por líderes trabalhistas e por centrais sindicais, por exemplo, eles simplesmente não têm vez no atual momento histórico. Aquele tipo de sindicalismo que emergiu em São Bernardo do Campo na década de 1970 e que converteu o antigo Estádio de Vila Euclides numa arena política que propiciou a ascensão de Lula ficou para trás. Não é de hoje que, para tentar assegurar um mínimo de público nas comemorações de 1º de maio, muitos sindicatos recorrem a brindes, sorteios e shows – e o próprio Lula, oriundo de um sindicalismo industrial que ficou no passado, por diversas vezes já disse que quem quiser ter sucesso nos novos padrões de atuação e de embates sindicais precisa ampliar seu grau de educação, viajar e ter um conhecimento maior do mundo.

Já no caso de Trump há uma total incompreensão do papel da universidade em matéria de qualificação, inovação e pesquisa. Além de sua incapacidade de compreender que formação acadêmica e investimento em educação trazem para os Estados Unidos bilhões de dólares em exportações, o presidente dos Estados Unidos vê o saber crítico como uma ameaça que tem de ser neutralizada a qualquer custo. Por isso, defende a redução do conhecimento à lógica do controle e da obediência. E se negar a ciência nada mais é do que um modo de promover uma guerra simbólica contra o futuro, exigir que as empresas americanas tragam para os Estados Unidos sua produção manufatureira, para recuperar empregos industriais perdidos com a globalização, é burrice.

Afinal, quanto mais a ciência e a inovação avançam, mais o número de empregos industriais tende a diminuir e maior é a necessidade de programas consistentes de requalificação profissional.

Atualmente, o governo chinês vem apoiando as grandes empresas do país a automatizar ainda mais suas linhas de produção, substituindo trabalhadores por robôs. Enquanto as universidades chinesas diplomam anualmente cerca de 350 mil graduados na área de engenharia mecânica, as universidades americanas formam apenas 45 mil.

Como lembrou o Washinton Post recentemente, das dez primeiras posições do ranking do Nature Index, que avalia o alcance das pesquisas inovadoras desenvolvidas por instituições de ensino e inovação, nove são ocupadas por universidades chinesas e apenas uma – Harvard University, justamente a quem tem sido o principal alvo de Trump – é americana. E como também noticiou o New York Times há algumas semanas, a China hoje já tem mais fábricas automatizadas do que os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão.

Ela também conta em suas fábricas com mais robôs para cada 10 mil trabalhadores do que qualquer outro país, com exceção de Singapura e Coreia do Sul. E, enquanto o desastroso governo de Donald Trump taxa os fundos patrimoniais das universidades de ponta de seu país e corta cerca de US$ 25 bilhões do orçamento previsto para a ciência no orçamento do próximo ano fiscal, a China se empenha cada vez mais para ampliar a robótica como um setor de negócios altamente rentável.

Neste cenário complexo e repleto de incertezas com relação ao futuro do mercado de trabalho em todo o mundo, pode-se e deve-se discutir o alcance dessas mudanças e suas implicações não apenas econômicas mas, também, políticas e sociais. O que não se deve é ignorá-los. Foi o que os eventos de maio deixaram claro.

José Eduardo Campos Faria é professor da Faculdade de Direito da USP

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