Advogado e deputado, Francisco Julião assumiu e difundiu luta pela reforma agrária a partir dos anos 1950 no Brasil.

Guilherme Daroit
Não havia se passado nem um ano de sua formatura quando o jovem advogado Francisco Julião Arruda de Paula montaria o seu escritório, em 1940 em Recife, e começaria a atuar na defesa de causas camponesas. O tema, que lhe acompanharia por toda sua vida, o transformaria, depois, em um símbolo da reforma agrária no Brasil. Eleito deputado, nos anos 1950 e 1960 o pernambucano assumiria o papel de líder político do movimento das Ligas Camponesas, que se espalharia pelo país e conquistaria os primeiros assentamentos brasileiros.
Ironia do destino à parte, Francisco Julião era, ele mesmo, descendente de proprietários de engenho. Seu nascimento, em 16 de fevereiro de 1915, aconteceria na propriedade da família, o Engenho Boa Esperança, em Bom Jardim (PE). Com o negócio decadente, sua família o direcionaria para o estudos, o mandando para Recife, onde se formaria em Direito em 1939. Ali, entraria em contato com o debate sobre a reforma agrária, e, conhecedor das condições dos agricultores em seu estado, encamparia a bandeira de defesa dos camponeses.
Na década de 1940, Julião passaria a defender os agricultores em questões envolvendo os arrendamentos de terra (dominavam as relações o foro, pagamento em dinheiro ao proprietário, e o cambão, pagamento em dias de trabalho). Apesar disso, raramente os trabalhadores ganhavam as causas, por falta de legislação que os protegesse. A atuação em defesa dos agricultores lhe daria renome, e, em 1954, o advogado seria eleito deputado estadual, o primeiro pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em Pernambuco.
Já reconhecido como porta-voz da causa campesina, seria Julião a ser procurado pelos foreiros do Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão (PE), quando buscavam uma saída para sua relação com o proprietário da terra. Ali, em 1954, os agricultores haviam fundado a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (Sappp), inicialmente como uma entidade de ajuda mútua entre eles, que seria formalizada em 1955 com a ajuda de Julião.
A sociedade logo passaria a ser chamada de liga camponesa, inicialmente de maneira pejorativa, como forma de ligar a entidade às organizações mantidas pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) no interior do país nos anos 1940. O nome acabaria pegando, e a Sappp seria apenas a primeira de uma série de ligas que se espalhariam, nos anos seguintes, por Pernambuco e outros 12 estados brasileiros, retomando e expandindo a luta pela reforma agrária no Brasil.
A expansão se daria por conta do sucesso dos trabalhadores do Galileia na desapropriação da terra. Ainda que não fundador da liga, Julião assumiria o papel de líder da entidade, denunciando as condições de vida na região para todo o país. Reportagens no jornal carioca Correio do Manhã, intermediadas pelo deputado, por exemplo, trariam o assunto à baila, ajudando no convencimento da sociedade.
Em 1957, o próprio Julião proporia projeto de lei estadual para desapropriação do Engenho em favor dos foreiros, que acabaria rejeitado. Com o amadurecimento e nacionalização da discussão nos anos seguintes, porém, um novo projeto seria aprovado em 1959, destravando finalmente o assentamento das famílias criadoras da Sappp no Galileia, a primeira desapropriação para reforma agrária do Brasil.
Julião seria reeleito em 1958, e, em 1962, seria eleito deputado federal. À essa altura, já liderava um grande movimento nacional, articulado em torno do Conselho Nacional das Ligas Camponesas e cujo principal expoente era a Liga de Sapé (PB), com cerca de 10 mil integrantes. A chegada da legislação trabalhista ao campo e, consequentemente, a criação dos sindicatos rurais, aliada à uma certa intransigência das ligas com o governo, começaria o declínio no poder das entidades lideradas por Julião, que acabaria preso após o Golpe Militar de 1964.
No ano seguinte, seria liberado com a condição de deixar Pernambuco, e receberia asilo político no México. Julião só voltaria ao Brasil em 1979, junto aos outros anistiados, e retomaria sua vida política. Nos anos 1980, chegaria a fazer acordos de apoio aos proprietários de terra em troca de distribuição de parte de suas terras para os camponeses.
Com a retomada da democracia, Julião nunca mais seria eleito. Nos anos seguintes se dividiria entre o Brasil e o México, onde faleceria por infarto, em 1999.