15 de maio de 1891: é publicada encíclica papal Rerum Novarum, marco social da Igreja

Documento assinado pelo papa Leão XIII atacou questões sobre capital e trabalho, moldando mundo moderno.

Imagem: Wikipédia

Guilherme Daroit

O cenário político-social da Europa no fim do século XIX era de tensão. As contradições do capitalismo liberal se acirravam, assim como a miséria dos trabalhadores, que se aferravam cada vez mais ao ideário socialista. A situação levaria o papa Leão XIII a editar, pela primeira vez, uma resposta da Igreja a um problema social. Ela viria por meio da encíclica Rerum Novarum, fundadora da Doutrina Social católica, na qual o pontífice criticaria tanto o capitalismo sem freios quanto a solução comunista, defendendo a propriedade privada, o direito de associação privada e a caridade como formas de conciliação entre as classes.

A expressão que abre a carta e lhe dá nome, traduzida literalmente como “Das coisas novas”, possui, na verdade, significado atrelado a revoluções e mudanças políticas. Seu subtítulo, “Sobre a condição dos operários”, reafirma o motivo de sua publicação, quebrando tradição da Igreja, até então, de não se posicionar claramente sobre os temas sem vínculo a questões religiosas.

Em seu diagnóstico, o progresso sem freios da indústria e do comércio levariam a um “temível conflito” entre trabalhadores e proprietários. A concentração da riqueza em um pequeno grupo, enquanto a imensa maioria vivia em miséria, fazia com que a consciência de classe e o sentimento de união despertassem entre os operários, instigando a ruptura do tecido social. Para a Igreja, entretanto, a luta deveria ser substituída pela concórdia entre as classes, com compromissos de ambos os lados.

Ao longo do texto, é possível identificar a preocupação do pontífice com a ascensão do socialismo entre os trabalhadores. Na carta, Leão XIII se dedica a propor remédios para o capitalismo de forma a saciar as demandas básicas dos operários. Dessa forma, os trabalhadores estariam menos propensos a aderir às ideias comunistas que ganhavam terreno, e que, segundo ele, instigavam a desordem, subvertendo o edifício social, além de quebrar os laços de família por buscar substituir a providência paterna pela providência estatal.

Nessa linha, a talvez principal defesa do Papa, no texto, seja a da propriedade privada. Ainda que defenda que Deus não tenha dado o direito de propriedade a ninguém, Leão XIII argumenta que o deixou para a livre definição dos homens, detentores da razão. Na visão do religioso, a propriedade privada seria fundamental para a melhoria da vida, pois os homens trabalhariam com mais esmero em terras próprias do que em quinhões de outros ou coletivas, expandindo a produção e, com isso, a possibilidade de distribuição dos frutos entre aqueles que não a possuem. Além disso, daria aos assalariados o desejo e a opção de, após acúmulo de reservas, também adquirirem um terreno, provendo sua família de maior segurança.

Aos proprietários e empregadores de seu tempo, entretanto, o Papa não pouparia críticas. A necessidade de acumulação, argumentaria, já havia sido tornado maior do que o respeito à vida humana, relegando a massa de indivíduos à miséria. Leão XIII defendia então que os patrões respeitassem a dignidade humana dos trabalhadores, não lhes tratando como escravos, nem os vendo como simples instrumento de lucro. Para tal, deveriam conceder salários justos, capazes de prover os direitos básicos, inclusive os religiosos. A carta defende que não se deveria impor a ninguém um trabalho acima das suas capacidades, e que repousos fossem garantidos, com mais tempo, inclusive, para quem fizesse trabalhos pesados.

Já para os trabalhadores, a Igreja defendia que fizessem seu trabalho sem lesar seus patrões, nem agir com violência ao fazer suas exigências. Ainda que não explicitamente, Leão XIII buscava afastar os operários do socialismo, afirmando que o sistema traria miséria a todos. Além disso, argumentava contra a onipotência do Estado, que na sua visão deveria ser acionado apenas nos casos de extrema necessidade.

Nessa linha, o Papa também defenderia a solução privada para as relações de trabalho. Relembrando que as corporações operárias pré-industrialização já haviam demonstrado trazer benefícios aos trabalhadores, ele defende que surjam mais associações particulares, sejam de operários, sejam mistas. A carta critica ainda leis que, à época, baniam instituições como os sindicatos, pois, com isso, tiravam direitos dos cidadãos. Leão XIII ainda defenderia a criação de fundos de reserva que cobrissem casos de acidentes, doenças e velhice dos trabalhadores, e que os operários deveriam poder não só se associar entre si, como também criar seus próprios regulamentos.

Por fim, outro caminho necessário para a solução do conflito, na visão da Igreja, passaria pela caridade. Em sua defesa das associações privadas, Leão XIII inclui as sociedades católicas de assistência, à época sendo desmembradas e tendo seus bens confiscados por algumas nações, argumentando que ajudavam na mitigação da miséria. A caridade, segundo ele, seria não apenas um ato individual, mas sim um dos pilares da justiça social, promovendo a distribuição da produção do trabalho e auxiliando os mais necessitados.

A encíclica seria determinante para a organização dos sistemas de relação de trabalho nos países ocidentais na virada para o século XX. Resultaria na evolução de legislações trabalhistas pelo mundo, que eclodiriam na formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Após seu ineditismo, os papas ainda seguiram publicando outros documentos sobre a vida em sociedade, que resultam no que se conhece hoje como a Doutrina Social da Igreja, conjunto de visões católicas sobre o funcionamento social.

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.

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