14 de janeiro de 1919: termina Semana Trágica na Argentina, com centenas de trabalhadores mortos

Greve que espalhou revolta pela sociedade levou a massacre de operários e perseguição étnica a judeus.

Fotografia: Domínio público

Guilherme Daroit

Após uma semana de massacres, chegaria ao fim, em 14 de janeiro de 1919, um dos episódios mais escabrosos da história argentina. Conhecida como a “Semana Trágica”, a repressão institucionalizada a sindicalistas em greve resultaria em um número entre 800 e 1,3 mil mortos em Buenos Aires com a conivência do Estado. Entre eles, ainda constam centenas de imigrantes, especialmente judeus, perseguidos como comunistas naquele que é considerado até hoje o único pogrom na América.

À época, o movimento sindical ganhava corpo na Argentina. O primeiro governo democrático do país, liderado pelo radical Hipólito Yrigoyen, assumira em 1916 com a intenção de mediar as relações laborais, incentivando as negociações coletivas. Com isso, cresceriam também os sindicatos e o número de greves pelo país.

Nesse contexto, o cenário caótico que tomaria a capital argentina na segunda semana de janeiro de 1919 teria origem antes, em dezembro de 1918. No início daquele mês, o sindicato dos trabalhadores declararia greve na metalúrgica Vasena, a mais importante da ainda pequena indústria do país, localizada na zona Sul de Buenos Aires. Com cerca de 2,5 mil empregados, a empresa era conhecida pelas más condições de trabalho, os salários menores do que os praticados pelas demais empresas do ramo, e por sua atuação antissindical.

Com a escalada no número de movimentos paredistas, os empresários locais também preparavam-se para os confrontos. Um grupo paramilitar chegaria a ser formado, a Associação Nacional do Trabalho, para combater os trabalhadores. A milícia seria convocada pela família Vasena, que se recusara a receber os grevistas para negociação. Os proprietários apostariam também em armar os trabalhadores fura-greve, com autorização do governo. 

Por seu lado, os grevistas ganhavam apoio da vizinhança e dos trabalhadores de outras categorias, que se recusavam a cooperar com os Vesena, além de manter piquetes que rompiam o transporte entre as diferentes plantas da metalúrgica. O cenário estava armado para uma guerra, que resultaria em uma dezena de mortos nos conflitos armados entre ambas as partes. 

Em janeiro, a polícia resolveria intervir, começando a participar dos tiroteios que permeavam a disputa. No dia 4, um policial morreria no confronto com os grevistas, radicalizando ainda mais o conflito. A morte levaria à promessa de vingança por parte dos policiais, em seus discursos proferidos no enterro do colega em 6 de janeiro. Ao mesmo tempo, o embate fazia aumentar o número de sindicatos paralisados. 

No dia seguinte, em 7 de janeiro, começaria então a série de eventos que ganhariam o nome de Semana Trágica. Naquela terça-feira, mais de cem policiais e bombeiros, apoiados pelos fura-greve armados, chegariam atirando na sede do sindicato e arredores. O ataque resultaria em pelo menos cinco mortos, nenhum deles trabalhador da Vasena, além de outros trinta feridos.

O desastre levaria o governo a forçar a empresa a aceitar parte das reivindicações e encerrar o movimento. Os proprietários concordariam com a concessão de algumas melhorias, mas seguiam recusando receber os sindicalistas para negociação, o que derrubaria a tentativa de acordo. A indignação, todavia, a essa altura tomara conta da sociedade, o que levaria ao fechamento espontâneo do comércio local, além da declaração de greve de outras categorias. No dia 9, a greve já era geral, com apenas os trens funcionando na capital para levar os trabalhadores ao enterro dos mortos do massacre do dia 7.

O cortejo até o cemitério, porém, resultaria em novos massacres. O primeiro confronto ocorreria na sede da metalúrgica, onde anarquistas entrariam em conflito armado com os milicianos contratados pelos Vasena para proteção da fábrica, resultando em diversas mortes. Outros confrontos ocorreriam no caminho até o cemitério. Com o caos, o governo daria ordens aos policiais para que acabassem com as manifestações. Dessa forma, em meio aos discursos nos sepultamentos, que não chegariam a ocorrer, policiais e bombeiros atiraram a esmo contra a multidão, assassinando pelo menos mais 50 pessoas. Ao mesmo tempo, a polícia havia decidido abrir fogo por uma hora na fábrica da Vasena, vitimando outras cerca de 80 pessoas.

O ódio contra os sindicalistas e anarquistas logo respingaria em um conflito étnico. Ainda recente, a Revolução Russa influenciava as visões da classe alta argentina contra os imigrantes judeus, comumente chamados de russos no país, encarados então como conspiradores comunistas. Com um discurso xenofóbico e fascista, os argentinos sairiam às ruas com o objetivo de assassinar judeus, anarquistas, operários, sindicalistas e estrangeiros em geral. 

No dia 11, a horda realizaria o primeiro pogrom da história da América, invadindo casas no sub-bairro Onze, de maioria judia, saqueando-as, queimando-as e violentando mulheres, sem reprimendas por parte do governo. Mais uma vez a Casa Rosada tentaria acabar com a greve intermediando relação entre os Vasena e os trabalhadores, mas o sindicato anarquista recusaria a solução, alegando não ter sido chamado à mesa. 

A partir daí, a polícia também embarcaria na conspiração étnica, prendendo e torturando anarquistas de origem judaica sob a falsa acusação de serem líderes do movimento com o objetivo de implantar um regime soviético na Argentina. Por seu lado, os sindicalistas seguiam com a greve, exigindo a libertação de todos os presos pelos atos políticos.

No dia 13, com o avanço desenfreado das forças militares contra os grevistas, os serviços começariam a retornar em Buenos Aires. Mais uma rodada de negociação entre empresa e trabalhadores na Casa Rosada finalmente acabaria em acordo, com as reivindicações da greve dos metalúrgicos aceitas e a garantia de volta ao trabalho no dia 20, após o conserto dos estragos nas plantas. A greve era finalmente encerrada. No dia seguinte, as centrais sindicais anarquista e revolucionária também negociariam com o governo o fim da greve geral, acordando o fim da violência, o respeito ao direito de reunião e a libertação dos presos.

Mesmo assim, no próprio 14 de janeiro, as forças estatais seguiram atacando as sedes dos sindicatos e prendendo trabalhadores, enquanto as milícias fascistas praticavam mais um pogrom no Onze, que resultaria em pelo menos mais 200 imigrantes judeus mortos. 

Ainda que seguissem conflitos pontuais, a situação se acalmaria a partir de então. O resultado da barbárie nunca seria contabilizado oficialmente. A única quantificação precisa seria feita, à época, pela embaixada estadunidense, que contaria os mortos na casa das 1,3 mil vítimas, além de milhares de feridos e desaparecidos, e cerca de 50 mil pessoas presas. 

 

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