Ativa também nas causas raciais, mineira foi precursora na busca por direitos às empregadas domésticas.
Guilherme Daroit
Tradicionalmente apartadas dos direitos trabalhistas, as empregadas domésticas no Brasil sempre estiveram, também, relegadas a um segundo plano até mesmo no reconhecimento social. Pioneira na luta da classe, a mineira Laudelina de Campos Melo dedicaria a vida à tentativa de mudança nesse cenário. Criadora da primeira associação, em Santos (SP), em 1936, dona Nina fundaria também a associação de Campinas (SP), em 1961, que se transformaria em sindicato quando o trabalho doméstico passou a ser caracterizado como profissão, em 1988. Sua trajetória levaria Laudelina ao Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, em 2023, reconhecendo sua importância para a luta da categoria.
Neta de escravizados, Laudelina nasceu em Poços de Caldas (MG), e passou a trabalhar com apenas sete anos de idade. A primeira ocupação como doméstica viria cerca de uma década depois, quando já demonstrava sua veia de liderança. Com 16 anos, afinal, havia sido eleita presidenta de clube social de sua cidade voltado à população negra, outra de suas bandeiras ao longo da vida.
À cidade de Santos, que lhe daria o primeiro marco na sua trajetória, Laudelina chegaria em 1924. No litoral paulista, frequentava outra agremiação social semelhante, que também buscava valorizar a cultura negra, assim como acontecia antes na sua terra natal. Ali, atuante nas causas sociais, Laudelina também entraria para outra entidade, essa mais combativa e que influenciaria suas atividades, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1936. Também atuava na Frente Negra Brasileira (FNB), movimento por direitos civis dos negros que chegaria a se transformar em partido.
Ainda no mesmo ano de 1936, a doméstica fundaria, então, a primeira associação da categoria no Brasil. O objetivo era o de auxiliar o conjunto das trabalhadoras, basicamente formado por descendentes de escravizados como ela, que acabavam de certa forma descartadas com a idade ou outros motivos que lhe comprometessem nas tarefas. Muitas acabavam nas ruas, vivendo de esmolas. Logo, outras associações apareceriam em outras cidades paulistas.
A vida de todos – associações, PCB e FNB – sofreria um grande baque, porém, logo na sequência. Com a instauração do ditatorial Estado Novo por Getúlio Vargas, em 1937, todos seriam desmantelados, suspendendo, pelo menos institucionalmente, as atividades desenvolvidas por Laudelina. Em 1948, ela se mudaria para Mogi das Cruzes, onde a família para qual trabalhava possuía um hotel, e, três anos depois, finalmente desembarcaria em Campinas, onde retomaria com mais força sua vida política.
Na maior cidade do interior paulista, se somaria inicialmente às lutas do movimento negro da região, promovendo atividades de valorização racial. Na década de 1950, ainda deixaria de atuar como doméstica, passando a viver com a renda de outros serviços como a venda de alimentos em eventos esportivos e o aluguel de camas em uma pensão.
Deixar a função, todavia, não lhe descolou dos problemas enfrentados por suas colegas de categoria. Com o apoio de outros sindicatos de Campinas, em maio de 1961 Laudelina fundaria a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, com mais de mil domésticas presentes em seu evento de inauguração.
A iniciativa ecoaria rapidamente, com o surgimento de outras associações semelhantes em outros municípios, tal qual já havia acontecido anteriormente, na primeira experiência em Santos. As semelhanças não parariam por aí. Mais uma vez, uma ditadura eclodiria no Brasil, com o golpe militar de 1964 instituindo novamente a perseguição e censura aos movimentos sindicalista e racial.
Para evitar o fechamento da associação, dessa vez Laudelina optaria por caminho mais controverso, integrando a mesma aos quadros da União Democrática Nacional (UDN), partido conservador que, até então, colaborava com o novo regime. Nos anos seguintes, doente, Laudelina deixaria a associação, que acabaria desativada em 1968.
Nos anos 1980, já com a Ditadura Militar enfraquecida, a instituição renasceria, dessa vez em definitivo. Quando optaram pela criação de uma associação profissional, novos rostos da categoria redescobriram a associação fundada por dona Nina. Com posse do registro e estatutos, em 1983 foram retomados os trabalhos da entidade, com eleição de uma diretoria, e o retorno de Laudelina à vida da associação.
Fruto também de sua luta, a retomada democrática e a Constituição Cidadã de 1988 finalmente dariam às domésticas o reconhecimento enquanto trabalhadoras. Com isso, no mesmo ano a associação de Campinas se tornou, oficialmente, um sindicato, hoje Sindicato das/os Trabalhadoras/es Domésticas/os de Campinas e Região. O reconhecimento, entretanto, não veio por completo, com diversos direitos trabalhistas negados à categoria nesse momento.
Laudelina faleceria logo depois, em maio de 1991, deixando inclusive sua casa para o sindicato, sem tempo de ver as domésticas conquistarem a equiparação com os demais trabalhadores. A conquista só chegaria em 2013, com a chamada PEC das Domésticas, que criaria diversos novos benefícios à categoria.