Obra retrata força de trabalhadores e se tornou símbolo socialista italiano.

Guilherme Daroit
Três altivos trabalhadores caminhando em frente, calma e lentamente, liderando outras dezenas de pessoas que as seguem, ao fundo. A cena clássica da tela “O Quarto Estado”, do italiano Giuseppe Pellizza da Volpedo, retrata a ascensão do proletariado enquanto força política, encarando de igual para igual os poderes tradicionais. Exposta de maneira inédita ao público na Primeira Exposição Internacional de Arte Decorativa Moderna de Turim, inaugurada em 10 de maio de 1902, o quadro se tornaria símbolo do socialismo italiano.
Nascido em Volpedo, nos arredores de Turim, Pellizza refinou por cerca de dez anos o trabalho que resultaria em seu quadro mais famoso. A pintura foi o auge de sua obra divisionista, prática à época em voga, na qual as imagens e cores são formadas visualmente por pequenos pontos e linhas de cores únicas pincelados à tela.
A ideia que resultaria n’O Quarto Estado seria concebida, na verdade, ainda em 1891, após a participação do artista em um protesto de trabalhadores na Praça Malaspina, em sua cidade natal. A força do ato despertou, no artista, a necessidade de retratar também nas obras artísticas as questões sociais e políticas que se impunham em outras esferas.
Seu primeiro esboço, a partir daí, resultaria na obra Embaixadores da Fome, completada em 1895, com imagem bastante semelhante à que seria eternizada em sua obra mais famosa. Com cores mais claras e traços menos rígidos, a obra já trazia três trabalhadores caminhando à frente de outro grupo de companheiros. Mesmo tendo como modelo a praça de sua cidade, o artista não representou locais específicos na tela, buscando assim demonstrar o avanço da classe operária como um todo.
Nos anos seguintes, Pellizza amadureceria o projeto, refazendo-o em telas maiores e com tinta a óleo. O quadro A Torrente, finalizado em 1898, eliminou os elementos arquitetônicos, expandindo a multidão ao fundo dos personagens principais, e substituindo um dos trabalhadores da linha de frente por uma mãe com um bebê, representando a crescente importância das mulheres na classe operária. A paleta de cores também seria modificada, centrada em tons de vermelho e amarelo, muito mais escura e sombria do que no esboço original.
Ainda insatisfeito com seu trabalho, o artista tentaria atingir a perfeição pela terceira vez. De 1898 em diante, pintaria novamente a mesma cena, modificando elementos e aperfeiçoando a experiência cromática, disposto a transformar sua obra no principal manifesto do proletariado italiano à época. Intitulada O Caminho dos Trabalhadores, a tela levaria três anos para ficar pronta, mostrando personagens identificáveis (quase todos amigos e familiares do artista) e gestos mais realistas. Os trabalhadores, na nova imagem, avançam serenamente, transmitindo uma ideia de invencibilidade, tal qual a visão do artista sobre o futuro das ideias socialistas em seu país.
Após a finalização, em 1901, Pellizza então rebatizaria a obra como O Quarto Estado, sustentando o papel da classe operária como uma nova ordem, separada dos interesses da burguesia, dos nobres e do clero. Produzida para a exibição pública, a tela seria exposta pela primeira vez no ano seguinte, em Turim, sem receber reconhecimento dos críticos de arte.
Na década de 1910, a obra seria reproduzida em jornais e revistas socialistas, que lhe prestavam sua principal, e talvez única, aceitação. Desapontado com a falta de reconhecimento, pelos críticos, da tela a qual havia dedicado dez anos de trabalho, Pellizza se alijaria momentaneamente dos círculos artísticos. O artista ainda ensaiaria uma volta, tendo suas demais obras circulando por galerias, mas não suportaria a perda repentina de sua esposa, em 1914. Poucos meses depois, depressivo, Pellizza tiraria a própria vida, aos 38 anos de idade.
O Quarto Estado, porém, seguiria vida própria, atingindo finalmente um grande público após sua exibição em uma galeria de Milão, em 1920, período de grande efervescência política na Itália após o fim da I Guerra Mundial. Já como ícone do socialismo italiano, o quadro chegaria a ser escondido durante o regime fascista, mas retornaria aos olhos do público em 1954. A obra atravessaria o Século XX sendo reproduzida em livros, revistas e filmes pela esquerda socialista italiana e ao redor do mundo. Atualmente, a tela original se encontra exposta na Galeria de Arte Moderna de Milão.