Vêm aí os robots. Isso é mau?

O debate já tem quarenta anos, mas os estudos ainda não conseguiram encontrar tendências claras sobre a relação entre robotização e desemprego. A chave da questão parece estar na organização do trabalho. 

António Brandão Moniz

Fonte: Esquerda.net, com ajustes para o português do Brasil
Data original da publicação: 27/12/2019

As principais preocupações relacionadas com o aumento da automatização e introdução de sistemas com tecnologias de informação na esfera do trabalho desde os anos de 1970 e, mais tarde, de robôs (desde os anos de 1980) diziam respeito à potencial substituição direta de postos de trabalho. A criação de desemprego pelo efeito de intensificação da tecnologia foi durante muito tempo um tema central no debate público e científico nessas décadas. Não é, por conseguinte, um tema novo.

Desde esses anos, muitos estudos não encontraram relações estatísticas claras entre os processos de introdução de sistemas automatizados e de desemprego direto. Procuraram-se assim outros efeitos potenciais. Vários estudos de caso falaram do efeito de desqualificação com o aumento da automação. A abordagem foi sobretudo determinista e causal.

Como estes estudos verificaram uma grande variabilidade de situações, desenvolveram-se hipóteses alternativas. De acordo com eles, concluía-se que a variável “organização do trabalho” poderia ser a causa explicativa das diferentes situações encontradas.

Hoje em dia ressurge uma preocupação relacionada com a importância crescente da inteligência artificial e a sua aplicação aos sistemas produtivos. Colocam-se aí as perguntas relativas à potencial autonomia da tecnologia em relação ao humano. Poucos estudos, no entanto, têm sido realizados de modo empírico sobre esta tendência. Não existem também muitas situações que permitam uma observação extensa. Estamos ainda, e durante alguns anos mais, ao nível da especulação e do refinamento de hipóteses científicas.

Assim, os robôs já estão aí desde há várias décadas (Portugal incluído). Apenas se espera que no futuro próximo o seu número aumente muito rapidamente. Que efeitos se podem verificar? Não se sabe exatamente. Pode ser mau, quando esse processo implica o desaparecimento líquido de postos de trabalho ou a desqualificação do emprego. Pode ser bom, se implicar uma melhoria da qualidade do trabalho, uma maior qualificação média, ou melhores condições de trabalho. Não existe uma tendência clara.

Os vários elementos que se seguem têm por base o texto do livro que publiquei intitulado Robótica e Trabalho: O futuro hoje para a editora Glaciar com o apoio da FLAD, e ainda um artigo escrito com Bettina Krings para a revista Societies com o título “Robots Working with Humans or Humans Working with Robots? Searching for Social Dimensions in New Human-Robot Interaction in Industry” (vol. 6(3), pp. 23).

Definições

A robótica pode ser definida como o estudo da ligação inteligente entre os sistemas de sensores e os atuadores (H. Inoue, 2008, Handbook of Robotics). Na norma ISO, um robô é definido como um manipulador programável, automaticamente controlado, reprogramável, com multipropósitos, com três ou mais eixos, que podem ser fixos num local ou móveis para serem usados em aplicações industriais de automação (cf. ISO 8373:2012).

Na interação com humanos, um elemento central a considerar é a segurança. Assim, a interação pode ser direta com humanos ou indireta com recurso a grades de separação. O espaço no qual um robô pode operar é o seu “envelope de trabalho”, o que integra o seu espaço de trabalho.

Sendo o aumento da produtividade, a flexibilidade e a qualidade do produto os resultados esperados com o investimento na automação, este novo conceito implicou (e implica ainda!) sempre um esforço grande em termos de financiamento. Estas novas tecnologias, estes equipamentos automatizados, representaram custos muito elevados para as empresas. Por essa razão, apenas as grandes empresas investiram numa primeira fase (anos 60 e 70) neste tipo de tecnologia avançada. Nas décadas seguintes do século XX, os equipamentos deixaram de ter os mesmos custos relativos e tornaram-se mais acessíveis a empresas de tamanho médio. Alguns setores conheceram uma maior difusão destas tecnologias. Foram sobretudo empresas que trabalhavam em produtos e componentes com elevada incorporação de engenharia. Os setores de produtos metálicos com alguma complexidade, ou sectores de máquinas elétricas e componentes eletrônicos, foram aqueles que mais investiram neste conceito. Nas últimas décadas, existe uma maior variedade de setores que definiram uma estratégia de automatização. Esta estratégia, mais recentemente, tem vindo a tomar contornos específicos com o desenvolvimento da tecnologia de produção. A estas novas tendências vários autores e entidades apelidaram de “Indústria 4.0”.

Automatização

O processo de mudança tecnológica tem acelerado as alterações estruturais da economia nos últimos anos (globalização, flexibilização de horários de trabalho, mobilidade, diminuição de custos de trabalho, concorrência), o que significa que os impactos nos mercados de trabalho têm sido cada vez mais importantes. De entre esses impactos podemos destacar, entre outros, os seguintes:

a) Digitalização do trabalho com novos requisitos de competências

b) Alterações nas estruturas profissionais (flexibilidade e qualificação)

c) Precarização de relações laborais (plataformas e orientação para a tarefa)

d) Transferências setoriais de requisitos de postos de trabalho

Devemos dizer ainda que os diversos estudos sobre esta matéria não permitem estabelecer uma tendência dominante em termos de perda de postos de trabalho, como já vimos mais atrás, mas indicam uma acentuação das características acima indicadas, o que obrigará a esforços de formação para requalificação muito acentuados e a maior cuidado com os modos de gestão dos recursos laborais por parte dos empresários. A aplicação da indústria 4.0 vai obrigar a fortes alterações no modo como as empresas se articulam nos mercados locais, nacionais e internacionais, e como necessitam dar mais atenção ao seu principal recurso: o conhecimento. É um recurso que se pode encontrar entre os seus trabalhadores e que lhe permite melhor utilizar e gerir estas novas tecnologias. Mas certamente as tecnologias não irão otimizar as habilidades individuais dos empregados. Essa capacidade é devida ao modo como o trabalho é organizado. No entanto, o aumento da automação permite que trabalhadores mais idosos tenham melhores condições de trabalho, em particular, com a aplicação de robôs mediante algumas condições ergonómicas que permitam uma atividade colaborativa. Mas os desafios serão mais significativos com aumento de necessidades de qualificação que requerem mais conhecimentos interdisciplinares. As modalidades de indústria 4.0 permitem maior desempenho e flexibilidade, e requerem maior qualificação.

Quando falamos de automatização, ou sobretudo de automação avançada por integrar diferentes equipamentos e modos de organizar o trabalho, estamos a falar sobretudo de sistemas robotizados. Os robôs são entendidos como elementos centrais no desenvolvimento da automatização.

Qualificações

Os indivíduos que trabalham com robôs têm geralmente níveis de qualificação elevada. Em Portugal têm usualmente o nível secundário de educação. No entanto, conhecemos alguma variabilidade no que diz respeito à qualificação daqueles que operam robôs e máquinas automatizadas.

Geralmente, nas grandes empresas, os trabalhadores que têm qualificação mais elevada são aqueles com maior experiência de operação de sistemas automatizados, ou que realizam operações de manutenção ou de trabalho com as ferramentas e dispositivos acessórios.

Os trabalhadores com qualificações de nível médio, cujas atividades possuem um alto potencial técnico de automação (atividades físicas previsíveis, recolha e análise de dados) podem ter que buscar oportunidades de reciclagem para se preparar para mudanças nas suas atividades.

Trabalhadores com baixa qualificação que trabalham com tecnologias automatizadas poderão conseguir mais em termos de regalias em função dos volumes de produção e de produtividade, mas podem sofrer maior pressão salarial devido à potencialmente grande oferta de pessoal com baixa qualificação. Portanto, a precaridade poderá ser maior.

Irão os perfis profissionais melhorar se os robôs assumirem os trabalhos perigosos, monótonos e sujos, como foi prometido para a adoção destas mudanças técnicas em milhares de empresas industriais em todo o mundo? Ainda não se consegue responder de modo claramente afirmativo.

Normalmente, os trabalhadores altamente qualificados podem esperar ter melhores oportunidades para lidar com robôs e ambientes complexos de trabalho. No entanto, os trabalhadores menos qualificados estão propensos a envolverem-se apenas nos locais de trabalho mais pobres em termos de conteúdo e que implicam tarefas repetitivas e simples. Assim, poderão trabalhar com sistemas automatizados, mas sem qualquer ação adicional além a de “apertar botões”.

Em Portugal verifica-se que a) uma faixa importante das empresas ainda não recorre ao trabalho com tarefas digitalizadas, nem à telecomunicação, b) muitas tarefas são intensivas e apenas de caráter manual, c) uma grande parte dos equipamentos utilizados em tarefas de trabalho são convencionais. Poderíamos ainda colocar outra razão para o debate desta questão: os níveis de escolaridade não são ainda elevados no nosso país, o que pode representar ainda um obstáculo à utilização regular de computadores e da internet no local de trabalho. Assim, em termos médios, não será pela tecnologia que se pode verificar um aumento das necessidades de qualificação. Essas necessidades advêm dos modelos de organização do trabalho e das estratégias de gestão adotadas. Pode acontecer que empresas mais globalizadas e organizacionalmente modernas também adotem tecnologias mais avançadas, e daí necessitarem de pessoal mais qualificado. Mas muitas nestas circunstâncias não necessitam de adotar robôs e outros sistemas automatizados. A relação não é simples, mas a probabilidade da dependência organizacional para o aumento da qualificação do emprego parece ser maior.

Conclusões

Novas abordagens para uma nova qualidade da interação entre trabalhadores e robôs podem incluir estratégias participativas que a organização do trabalho tem de desenvolver. Por exemplo, participar no processo de programação, no sistema de controle de qualidade, de organização das tarefas, na manutenção do equipamento.

Mas nem todas as organizações empresariais consideram o desenvolvimento de tais estratégias permitindo que os ambientes complexos de trabalho com robôs possam ser feitos com equilíbrio. A aplicação robótica em tais ambientes de trabalho requer a consideração de novas questões de concepção das tarefas, o cumprimento da integração da máquina em grupos de trabalho e requer ainda o aumento da complexidade do processamento de dados. Grande parte dos empresários não tem também formação técnica para desenvolver estes conceitos.

A nova concepção do local de trabalho em ambiente automatizado vai além das questões meramente ergonômicas. Inclui a necessidade de algumas ferramentas de software que devem ser utilizadas pelos trabalhadores, o que os obriga a deterem novas competências de trabalho. Essas ferramentas podem incluir sistemas baseados em conhecimento, realidade aumentada, e processos de comunicação.

Em primeiro lugar, a dimensão social da interação trabalhador-robô na indústria está-se a tornar num aspeto decisivo do desenvolvimento da robótica. Muitos problemas e dificuldades da investigação em robótica não são apenas relacionados a questões técnicas, mas enquadram-se em aspetos sociais.

Assim, a compreensão da carga de trabalho cognitiva e percetiva para os operadores de robôs em sistemas de trabalho complexos é fundamental para se entender essa dimensão social da interação com robôs.

Em segundo lugar, a importância da robótica na vida profissional não é apenas devido à diminuição das tensões físicas na fabricação. Ela também pode aumentar a necessidade de consciencialização das situações operacionais e avaliação de risco, o que implica uma maior carga cognitiva de trabalho e tensões psicológicas. A abordagem das ciências sociais para tal avaliação de tecnologia é de grande relevância para reconhecer a dimensão do conceito de interação intuitiva na robótica.

Finalmente, o problema não é apenas a tecnologia, não serão apenas os robôs que se estão a introduzir dos sistemas produtivos. O problema são as baixas qualificações e a dominância das formas tradicionais e mecanicistas da organização do trabalho. E este pode ser um problema importante para Portugal. Agora e nos próximos anos.

Antònio Brandão Moniz é professor de Sociologia na Universidade Nova de Lisboa, pesquisador do CICS.NOVA, coordenador do programa de doutoramento sobre “Avaliação de Tecnologia” (FCT-UNL) e pesquisador convidado no Karlsruhe Institute of Technology (Alemanha).

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