Universidades particulares demitem professores em massa e lotam salas virtuais

Fotografia: Robin Worrall/Unsplash

A professora Beatriz (nome fictício) dava aula em cinco turmas à noite e uma pela manhã quando foi informada de sua demissão da Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo, por uma mensagem virtual, no dia 22 de junho, em meio a pandemia de covid-19. 

Junto com ela, cerca de 600 professores foram demitidos da mesma maneira, o que levou a uma diminuição do corpo docente da instituição em aproximadamente 45%. No total, segundo um levantamento realizado pelo Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro SP), a demissão foi uma realidade para 1.674 profissionais de faculdades particulares paulistas desde abril. 

“Eles escreveram que a gente não fazia mais parte do quadro, não precisava cumprir rescisão, que era para devolver as carteirinhas dos convênios no meio da pandemia, devolver crachá, cartão de estacionamento”, afirma Beatriz. Seu caso se tornou mais grave pelo fato de a professora ser PCD (pessoas com deficiência), cuja demissão sem justa causa está proibida durante a pandemia de covid-19 desde 1º de abril, por meio da Medida Provisória 936, e pela Lei 14.020, do dia 6 de julho.

“Fui até a universidade solicitar o processo de reintegração, previsto na lei, e simplesmente começaram a ironizar a minha lesão como se eu não a tivesse. Disseram que o Detran dava isenção PCD até para quem tinha torcicolo”, afirma Beatriz. Depois de resolver a questão diretamente com a Uninove por quatro vezes, a professora decidiu entrar com um processo no Poder Judiciário contra a faculdade.

No começo de abril, ocorreu o mesmo na Rede Internacional de Universidades Laureate, que controla faculdades como Anhembi Morumbi e Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), que demitiu 130 professores, também em São Paulo. Depois, outras universidades esperam chegar o fim do semestre para diminuir o quadro de funcionários. Foi quando, além da Uninove, a Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) demitiu 40% do corpo docente.

Segundo Celso Napolitano, diretor do Sinpro SP, com a redução da quantidade de docentes, as salas virtuais alcançaram números de alunos expressivos. Os professores que davam aula para 50 estudantes, agora dão o mesmo curso para 200 alunos

“É só assim que você consegue explicar que uma universidade demite 50% do corpo docente, porque sobrecarrega os outros professores que ficaram”, afirma Napolitano.

As justificativas para as demissões são crise econômica, inadimplência e evasão. Ao olhar para os números, no entanto, não se justifica, defende Napolitano. “É uma jogada de números, porque no ano passado, sem pandemia, houve uma evasão de 14%, agora a evasão é de 23%. Então, aumentou apenas 9 pontos percentuais.”

Outro fator é que as demissões em massa não são de agora, fazem parte de um processo anterior de sucateamento da educação no Brasil. De acordo com Gabriel Teixeira, integrante da Rede de Educadores do Ensino Superior em Luta, formada por professores demitidos nos mesmos termos da situação apresentada por Beatriz, o movimento de reestruturação do ensino superior coincide com o começo da crise dos repasses do Financiamento Estudantil (Fies) do governo federal, em 2015. 

Nesse momento, começam as demissões em massa nos fins de semestre e a comercialização de títulos das universidades no mercado financeiro, como é o caso da Unicsul. 

“Aí tem de garantir um dividendo para quem comprou uma ação da sua empresa. Então, a gente vê essa coisa meio maluca de transformar cursos inteiros em educação a distância, substituir professor por robô. Tudo isso é uma diminuição de custo para garantir uma lucratividade imensa”, afirma Teixeira. A rede de educadores recebe, então, nesse movimento, quinzenalmente relatos de demissão de docentes em substituição por robôs, em licença maternidade, em período de estabilidade antes da aposentadoria, de PCDs e afins. 

É o caso do próprio Gabriel Teixeira. Ele foi demitido da Rede Internacional de Universidades Laureate já entre 2018 e 2019 durante a implementação de robôs, o que reforça sua narrativa de o processo de demissões ser anterior à pandemia.

Segundo Celso Napolitano, o governo federal “não só deixou de fazer, como fez”. O diretor do sindicato lembra que o artigo 205 da Constituição Federal estabelece que a educação é livre à iniciativa privada. No entanto, de acordo com esse mesmo artigo, o Estado tem a obrigação de verificar as condições de qualidade de ensino oferecidas pelas instituições particulares.

Mas o que ocorre vai na mão contrária: o Conselho Nacional de Educação, ligado à pasta, estabelece que na relação do ensino a distância, a interação pode ser feita por tutores que não se caracterizam necessariamente como professores. “Então, dá margem para que as instituições contrate tutores por preços irrisórios e que têm a obrigação de interagir com até quatro mil alunos”, lamenta Napolitano.

Brasil de Fato entrou em contato com as universidades citadas e o Ministério da Educação. Mas até a publicação desta reportagem, no entanto, só houve um retorno da Cruzeiro do Sul Educacional e da pasta. 

Em nota, a assessoria do Ministério apenas afirmou que “a contratação de professor se trata de relação entre IES [Institutos de Ensino Superior] e funcionários e que devem respeitar a legislação trabalhista vigente”.

Também em nota, a empresa afirma que nunca “deixou de observar a pontualidade quanto aos seus compromissos e nem colocou de lado sua responsabilidade por cada colaborador”. Com a crise econômica, o grupo foi obrigado “a adotar uma adaptação de custos, inclusive e inevitavelmente de pessoal, de modo a manter e preservar minimamente a saúde financeira, a qualidade de sua operação e a pontualidade dos seus compromissos”. Por fim, a Cruzeiro do Sul “reconhece e agradece a valiosa contribuição dos colaboradores” que foram demitidos.

Fonte: Brasil de Fato
Texto: Caroline Oliveira
Data original da publicação: 09/09/2020

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