Um mercado de trabalho estagnado

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A economia brasileira atravessa um período de baixo dinamismo, em que o ritmo da atividade parece tender à estagnação no ano de 2019. Neste contexto, o mercado de trabalho não tem apresentado mudança significativa em relação ao passado recente. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, principal levantamento sobre o mercado de trabalho, registrou uma pequena melhora no crescimento da ocupação no primeiro semestre de 2019, o qual ficou acima da variação na força de trabalho, mas acarretou uma diminuição apenas marginal no elevado contingente de desempregados.

O Gráfico 1 mostra o que ocorreu com os principais grupamentos do mercado de trabalho no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo período no ano anterior.  A força de trabalho (FT) aumentou em 1.794 mil pessoas em virtude do crescimento da população em idade ativa (PIA) e da taxa de participação. Como o nível da ocupação cresceu em 1.996 mil pessoas, mais do que absorvendo o aumento da FT, houve ainda uma redução no número de desempregados em 202 mil pessoas.

Gráfico 1 – Variações nos principais contingentes do mercado de trabalho, 1° sem. 2019/1° sem. 2018 (em mil pessoas)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

A intensidade da mudança pode ser melhor aferida na Tabela 1. O aumento no número de ocupados foi de 2,20% no primeiro semestre de 2019, em comparação com o mesmo semestre de 2018, levando a uma redução de 1,52% no número de desocupados e de 0,41 pp na taxa de desocupação, que passou de 12,8% para 12,4% da força de trabalho. Isto representou uma pequena melhora na dinâmica do mercado de trabalho em relação ao que ocorrera no ano anterior, porquanto o crescimento da ocupação ficou em apenas 0,82% no primeiro semestre de 2018 em relação ao mesmo período de 2017.

Tabela 1 – Variações em indicadores do mercado de trabalho, 2017/2019
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Observando-se dois dos principais indicadores do mercado de trabalho desde o ano de 2014 – portanto, desde o término do ciclo de crescimento da ocupação ocorrido no período anterior –, verifica-se a continuidade no aumento da taxa de participação da população em idade ativa no mercado de trabalho. Assim, conforme mostra o Gráfico 2, em junho, a taxa atingiu seu ápice dentro da conjuntura de recessão e estagnação do último quinquênio, sendo de 62,1% da população em idade de trabalhar. Em comparação com o primeiro semestre de 2014, o aumento conjunto na participação e na PIA acarretou o ingresso de mais de sete milhões de pessoas no mercado de trabalho brasileiro.

Gráfico 2 – Taxa de participação, 2014/2019 (%)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

O aumento na participação da PIA no mercado de trabalho – tanto aquele decorrente de tendências demográficas, quanto o resultante de maior pressão em face da elevação da taxa de desemprego –, associado à diminuição no nível de ocupação durante o biênio recessivo de 2015-2016, veio a ocasionar um grande salto no nível geral de desocupação entre o início de 2015 e os primeiros meses de 2017 (Gráfico 3). No semestre encerrado em junho de 2017, a taxa de desocupação atingiu seu pico recente (13,3%), havendo, segundo estimativas da PNAD Contínua, 13.766 mil pessoas desempregadas no país. A recuperação no nível geral de emprego desde então freou esta tendência altista, mas não tem sido suficiente para levar a uma redução mais pronunciada na alta desocupação. No mês de junho de 2019, a taxa de desocupação foi de 12,0% da PEA e a desocupação atingiu 12.766 mil pessoas.

Gráfico 3 – Taxa de desocupação, 2014/2019 (%)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Ocupação

No primeiro semestre de 2019, o número de ocupados foi estimado em 92.603 mil pessoas (média dos seis meses), registrando aumento de 2,2% em relação ao primeiro semestre de 2018. Manteve-se, assim, a trajetória de lenta recuperação do nível ocupacional iniciada em 2017, conforme se observa no Gráfico 4.

Gráfico 4 – Número de ocupados, 2014/2019 (mil pessoas)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Podemos ter uma ideia mais detalhada sobre o crescimento recente da ocupação ao se decompor a variação do número de ocupados segundo o agrupamento de atividade econômica, como apresentado no Gráfico 5. No primeiro semestre de 2019, ocorreram aumentos superiores a 2% em relação ao primeiro semestre de 2018 para os seguintes setores: informação, comunicação, atividades financeiras (518 mil pessoas ou 5,2%); transporte, armazenagem e correio (212 mil ou 4,6%); alojamento e alimentação (196 mil ou 3,7%); administração pública, defesa e seguridade (442 mil ou 2,8%). Os demais setores de atividade também registraram variações positivas no número de ocupados, contudo, com menor intensidade.

Os aumentos da ocupação neste ano se mostraram um pouco mais intensos do que em 2018. No primeiro semestre de 2018 vis-à-vis o primeiro semestre de 2017, as variações positivas com maior destaque ocorreram nos setores de administração pública, defesa e seguridade (285 mil ou 1,8%); informação, comunicação, atividades financeiras (175 mil ou 1,8%); e alojamento e alimentação (172 mil ou 3,4%). Houve, naquele semestre, dois setores que tiveram retração em seus contingentes, que foram a construção civil (169 mil pessoas ou -2,5%) e a agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (156 mil ou -1,8%).

Gráfico 5 – Variação no número de ocupados por setor de atividade econômica, 2017/2019 (em mil pessoas)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Sob a ótica da forma de inserção das pessoas na ocupação, vale destacar o desempenho do segmento dos empregados assalariados – incluindo setores público e privado e os empregados domésticos, o que corresponde a mais de dois terços da força de trabalho ocupada ou 62.070 mil pessoas na média do primeiro semestre de 2019. O número desses trabalhadores aumentou em 907 mil pessoas (1,5%) em relação ao primeiro semestre de 2018, atingindo desempenho mais positivo do que o havido entre os semestres correspondentes de 2017 e 2018, quando o aumento foi de apenas 32 mil pessoas. Conforme se observa no Gráfico 6, dois dentre os três grupos de assalariados registraram aumentos no primeiro semestre de 2019, sendo de 782 mil pessoas no setor privado e de 143 mil no setor público, enquanto o número de empregados domésticos diminuiu em 18 mil pessoas. No caso do setor privado, a maior contribuição ao aumento na ocupação ocorreu no grupo dos empregados sem carteira assinada, uma vez que 516 mil pessoas se inseriram na relação salarial de forma desprotegida em 2019, praticamente o dobro do aumento no número de assalariados com carteira.

Quanto aos demais grupos da estrutura ocupacional, houve variação expressiva no número de pessoas que trabalham por conta própria. Esse grupo totalizou 23.946 mil ocupados na média semestral de 2019, com incremento de 1.018 mil pessoas (4,4%) no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2018. O grupo dos conta própria contribuiu com 51% do aumento do nível ocupacional em 2019. Se somarmos essa contribuição à dos empregados sem carteira (25,9%), resulta que 76,8% dos empregos gerados no mercado de trabalho brasileiro ocorreu em segmentos que se caracterizam por postos de trabalho de pior qualidade.

Gráfico 6 – Variação no número de ocupados por condição ocupacional, 2017/2019 (mil pessoas)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

A recuperação da ocupação baseada em grupos de emprego relativamente mais precários pode ser comprovada numa perspectiva temporal mais abrangente. No Gráfico 7, observa-se a evolução do nível ocupacional nos subgrupos do emprego no setor privado, no setor público e nos trabalhadores por conta própria desde o início de 2014. Em conjunto, representam 92,8% da ocupação total no primeiro semestre de 2019. O comportamento destes grupos diferiu entre si durante o biênio recessivo e mais ainda a partir do segundo semestre de 2016. No setor privado, o número dos empregados com carteira retraiu tendencialmente até o princípio de 2018, praticamente se estabilizando num nível cerca de 10% inferior à média de 2014 desde então. De outro lado, o contingente de empregados no setor privado sem carteira, que havia amargado uma redução de quase 7% até os primeiros meses de 2016, mostrou uma rápida recuperação, estando 11,3% acima do nível pré-crise. Quanto ao grupo dos trabalhadores por conta própria, salvo por alguns meses em 2016, mantiveram uma trajetória de crescimento ao longo da série e no semestre encerrado em junho, quando seu contingente se situou num patamar 14,1% superior ao da média de 2014. Por fim, o grupo dos empregados do setor público também sofreu uma queda até 2017, vindo a se recuperar muito lentamente no período seguinte.

Gráfico 7 – Índice do número de ocupados por condição na ocupação,  2014/2019 (média de 2014=100)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Desocupação e subutilização da força de trabalho

A taxa de desocupação foi de 12,4% da força de trabalho no primeiro semestre de 2019, retraindo-se em 0,41 pp em relação ao primeiro semestre de 2018. O total de desempregados foi estimado em 13.077 mil pessoas, com redução de 202 mil trabalhadores. No primeiro semestre de 2018, quando comparado ao mesmo período de 2017, a diminuição na taxa foi maior (-0,6 pp), correspondendo a uma saída de 487 mil pessoas da condição de desempregadas.

As reduções na taxa e no número de desocupados, todavia, não têm sido suficientes para provocar uma reversão nas condições do mercado de trabalho que foram fortemente abaladas na crise de 2015-2016. O Gráfico 8 apresenta a trajetória de elevação na desocupação durante a crise até atingir um pico em 2017. A partir de então, a taxa de desocupação vem oscilando em torno de 12% (eixo da esquerda no gráfico) e o número de desocupados se mantém superior a 12 milhões de pessoas (eixo da esquerda no gráfico), quase o dobro da média de 2014.

Gráfico 8 – Número de desocupados (mil pessoas) e taxa de desocupação (%), 2014/2019
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

A PNAD Contínua passou recentemente a estimar os contingentes da população em idade de trabalhar que se encontram em diferentes situações de subutilização de sua força de trabalho, a saber: desalentados, força de trabalho potencial e subocupados por insuficiência de horas. Ao serem contabilizados junto com os desocupados, seus números auxiliam a dimensionar com maior precisão o total de pessoas que efetiva ou potencialmente pressionam o mercado por um posto de trabalho ou buscam simplesmente aumentar o número de horas laboradas.

No primeiro semestre de 2019, o grupo dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas aumentou em 758 mil pessoas ou 12,0% em relação ao primeiro semestre de 2018; quando comparados os mesmos semestres de 2017 e 2018, o incremento foi de 521 mil pessoas ou 9,0% (ver Gráfico 9). Já o grupo da força de trabalho potencial –que reúne as pessoas de 14 anos ou mais que não estavam ocupadas nem desocupadas na semana de referência, mas revelavam potencial interesse em participar da força de trabalho – computou aumento de 316 mil pessoas neste primeiro semestre em relação ao de 2018, totalizando 8,2 milhões de pessoas. Na variação entre 2017 e 2018, o incremento foi ainda maior (942 mil pessoas). Por fim, o grupo dos desalentados – formado por pessoas que estavam fora da força de trabalho por não conseguir trabalho, ou por não ter experiência, ou porque eram muito jovens ou idosos, ou, ainda, porque não encontraram trabalho na localidade, mas que, se tivessem conseguido trabalho, estariam disponíveis para assumir – cresceu 173 mil pessoas no primeiro semestre de 2019 em comparação com o de 2018; na comparação entre os primeiros semestres de 2017 e 2018, este aumento foi bem mais significativo, com incremento de 726 mil pessoas desalentadas ou 18,3%.

Gráfico 9 – Variação no número de pessoas desocupadas e em subutilização, 2017/2019 (mil pessoas)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.

Rendimentos e massa de rendimentos

O rendimento médio habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi estimado em R$ 2.237 na média do primeiro semestre de 2019, registrando variação real positiva de 0,45% em relação ao primeiro semestre de 2018 (Gráfico 10). No primeiro semestre de 2018 com relação ao mesmo período de 2017, a variação foi superior (0,70%). Em 2019, conforme se visualiza no gráfico 10, os maiores aumentos no rendimento real ocorreram para os empregados do setor privado sem carteira (5,33%), os empregados no setor público (2,11%) e os conta própria (0,59%), enquanto os empregados no setor privado com carteira reduziram seu rendimento em 1,03% e os empregados domésticos com carteira em -1,35%. Assim, os trabalhadores do setor privado sem carteira assinada não apenas expandiram seu número em 516 mil empregos, quanto evidenciaram o maior aumento no rendimento médio. Já na comparação dos primeiros semestres de 2018 e 2017, ao contrário, o destaque positivo ficou com os empregados do setor privado com carteira e os empregados domésticos com carteira, que registraram variações positivas de 1,54% e 3,04%, respectivamente.

Gráfico 10 – Variação no rendimento médio real habitualmente recebido, por condição na ocupação, 2017/2019 (%)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.
Nota: Deflator IPCA.

A trajetória do rendimento médio real dos ocupados no período pós-2014 revela os efeitos da recessão e da estagnação que lhe seguiu: após uma redução de aproximadamente 4,0% entre início de 2015 e meados de 2016, o rendimento experimentou uma recuperação continuada até início de 2017, sem, contudo, manter tal impulso desde então. No primeiro semestre de 2019, conforme se observa no Gráfico 11, o rendimento médio real dos ocupados estava num patamar virtualmente igual ao de 2014. Já o salário médio real dos empregados no setor privado, os quais respondem por quase a metade da estrutura ocupacional, não chegou sequer a recuperar seu nível pré-crise e se encontra estabilizado em 1 pp abaixo desse nível desde o final de 2017.

Gráfico 11 – Índice do rendimento médio real habitualmente recebido dos ocupados e dos empregados do setor privado, 2014/2019 (média 2014=100)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.
Nota: Deflator IPCA.

No primeiro semestre de 2019, a massa de rendimentos reais habitualmente recebidos aumentou 2,8% em relação ao primeiro semestre de 2018. Esse crescimento ocorreu em maior medida devido ao desempenho positivo da ocupação, uma vez que o rendimento médio real apresentou pequena variação de 0,4%. Em geral, a recuperação da massa de rendimentos após o auge da crise 2015-2016 tem sido lenta; a média do primeiro semestre de 2019 ficou num patamar apenas 3,4% acima da média do primeiro semestre de 2014 (Gráfico 12).

Gráfico 12 – Índice da massa de rendimentos reais, 2014/2019 (média de 2014 = 100)
Fonte dos dados brutos: PNAD Contínua – IBGE.
Nota: Deflator IPCA.

Síntese: um mercado de trabalho estagnado

Embora alguns indicadores tenham registrado performance positiva, os sinais de estagnação prevalecem no mercado de trabalho brasileiro. À redução lenta na taxa de desemprego e à variação contida do rendimento médio real soma-se a qualidade precária dos postos de trabalho criados, basicamente para empregados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria. Além disso, o número de pessoas que possuem horas disponíveis para trabalhar cresceu de forma significativa. Em síntese, um maior dinamismo do mercado de trabalho, num quadro de reforma trabalhista tendente a precarizar as relações de trabalho e de inovações tecnológicas que arriscam deslocar contingentes consideráveis das ocupações existentes, aguarda por um crescimento bem mais robusto da economia.

Carlos Henrique Horn é economista e diretor da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em
Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo
do Trabalho. É mestre em economia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.

One Response

  • Parabéns pela publicação
    Texto Muito elucidativo.
    Efetivamente, com as reformas neoliberais da economia e as inovações tecnológicas, temos um mercado de trabalho que cada vez mais apresenta opções precárias, principalmente, aos trabalhadores com menor qualificação e, obviamente, vindos de classes mais humildes.

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