Transformações recentes no “mundo do trabalho” e suas consequências para os trabalhadores brasileiros e suas organizações

Inez Terezinha Stampa

Fonte: Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea, v. 10, n. 30, p. 35-60, 2º sem. 2012.

Resumo: A reflexão se pauta na recuperação do trabalho como categoria chave da compreensão da história, e indica limites e possibilidades da ação sindical em um contexto de restrição de espaços públicos e ações coletivas. Ao considerar a importância do espaço público para se compreender a dinâmica do movimento sindical de trabalhadores hoje, busca enfatizar o fato de tal movimento ser um tipo de ação coletiva e que não pode ser pensado apenas no espaço do “mundo do trabalho” ou no espaço institucional das relações profissionais. A ampliação do campo de ação sindical torna-se interessante, para além do que se passa na esfera do trabalho e das empresas, pois a ação tradicional do sindicalismo mostra-se insuficiente para enfrentar a multiplicidade de terrenos, disputas e lutas que devem ser conduzidas fora do trabalho, as quais são tão numerosas e complexas que nenhuma organização pode pretender assumi-las sozinha. A constituição de espaços públicos é uma estratégia que pode reinventar o debate, descentrando-o da oposição estatal-privado, tão em voga e conveniente à operação ideológica liberal.

Sumário: Introdução | A centralidade da categoria trabalho | Novas características da classe trabalhadora e os desafios para os sindicatos | Comentários finais | Notas | Referências

Introdução

Desde 2008 estamos experimentando mais uma crise cíclica do capital. Crise financeira, quebra de bancos e empresas, diminuição do ritmo de crescimento e desemprego são temas em destaque na imprensa nacional e internacional.

Apesar de os Estados, em escala mundial, terem gasto cerca de 34 trilhões de dólares para salvar grandes empresas e bancos, tentando recompor a economia quando as grandes corporações financeiras, comerciais e industriais receberam um valor correspondente a três vezes o PIS da América Latina em 2008, as condições de vida dos trabalhadores ao redor do globo não melhoraram na mesma relação, nem se retirou do horizonte da grande maioria dos trabalhadores dos países pobres as ameaças de desemprego e miséria, que persistem e se agravam.

É preciso, portanto, compreender a crise em uma perspectiva histórica, analisando os seus fundamentos e seu impacto na vida dos trabalhadores. O debate se torna necessário, sobretudo, diante de “esclarecimentos” que são diluídos por grupos que detêm o controle da mídia e que, em seu viés conservador e afinado com os interesses dos grandes conglomerados financeiros, industriais e comerciais, procuram disseminar a ideia de que “o pior já passou”.

Neste sentido, a proposta deste artigo é abordar as repercussões da crise estrutural do capitalismo contemporâneo no “mundo do trabalho”, tendo como referência os ciclos de acumulação e as tendências de médio e longo prazos no modo de produção capitalista, apresentando um panorama sobre o impacto desse processo para as organizações dos trabalhadores, ao longo dos anos 1990 e início dos 2000. Nesta direção, a análise sobre a centralidade do trabalho na sociedade atual, identificando as mudanças conceituais sobre o trabalho a partir da reorganização contemporânea da produção capitalista, é o eixo articulador do debate. Ela traz questões acerca das mudanças que vêm ocorrendo no “mundo do trabalho”, problema fundamental para a compreensão da “questão social” na atualidade.

Percebe-se uma radicalização das desigualdades sociais, advindas, sobretudo, das mudanças nas esferas do trabalho e da produção. As contradições estão mais visíveis em consequência das novas formas de organizar e gerir a força de trabalho. A expressão maior da “questão social”, portanto, centra-se na precarização das relações de trabalho e no desemprego, fazendo parte deste quadro o aviltamento das condições de vida e a redução do Estado e, consequentemente, dos serviços públicos.

Pode-se afirmar que a radicalidade da “questão social” passa, agora, por nova configuração histórica, oriunda das mudanças na esfera do trabalho e da relação entre Estado e sociedade civil. É possível também observar que as mudanças significativas que se verificam no “mundo do trabalho”, no Brasil, estão moldando um novo contorno à “questão social”. As contradições estão mais visíveis em consequência das novas formas de organizar a produção e a gestão do trabalho.

Percebe-se que a recomposição do capital, ao mesmo tempo em que determina um conjunto de mudanças na organização da produção e na gestão do trabalho, provoca, também, mudanças nas relações sociais que se estabelecem na sociedade. Dessa forma, é possível afirmar que as demandas postas ao Serviço Social são, igualmente, impactadas por tais mudanças, tendo em vista a particularidade da profissão, organicamente vinculada às configurações estruturais e conjunturais da “questão social” e às formas históricas de seu enfrentamento, que são permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado. Para que se avance nesse entendimento é requerida uma explicitação dos processos de radicalização da “questão social” neste início de século. Note-se que a “questão social” é aqui entendida como desigualdade e rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elas resistem e se opõem.

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Inez Terezinha Stampa é assistente social e socióloga, doutora em Serviço Social, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenadora do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil – Memórias Reveladas.