Trabalho e trabalhadores no segundo governo Vargas: as greves como um “antidireito” (1951-1954)

Juliana Martins Alves

Fonte: Revista de História, São Paulo, n. 172, p. 367-396, jan./jun. 2015.

Resumo: O artigo busca identificar os significados atribuídos às greves dos trabalhadores durante o segundo governo de Getúlio Vargas. Trazendo para reflexão fontes pouco investigadas pela historiografia, o estudo objetiva caracterizar os aspectos da política trabalhista com seus referentes institucionais – atualizada nos anos 1950 – que darão suporte às concepções sobre as greves como um “antidireito”.

Sumário: Introdução | Greves nos anos 1950: “Direito ou violência?” | Os tipos de greve e seus atores | João Goulart no Ministério do Trabalho e as greves | Considerações finais | Referências bibliográficas

Introdução

Durante o Estado Novo (1937-1945), foi construído um novo conceito de “democracia” – definida como “substantiva” (econômica, corporativa, social e sindical) – ligada aos direitos sociais do trabalho, dissociada dos direitos políticos abolidos em 1937, criando um espaço público e institucional: de um lado, para a formulação das leis sociais, atributo exclusivo do Estado, dentro de um modelo legislado e não contratual que nega aos agentes privados da produção o poder de produzir regulação sobre o mercado de trabalho e fazê-la valer. E de outro, para o exercício da cidadania das classes trabalhadoras dentro dos sindicatos oficiais, a “cidadania corporativista”, configurando um projeto de construção de uma identidade operária reapropriada e, permanentemente, ressignificada pelos trabalhadores em suas relações com o Estado.

Além de uma proposta política – que expressou uma dada concepção de Estado corporativo, um corpo de ideias relativas à organização do mundo capital/trabalho e das relações de produção, subordinada aos ideais de progresso econômico – o trabalhismo foi, a meu ver, um amálgama de normas e princípios articulados, que se traduziu em um conjunto empiricamente identificável de estruturas (institucionais) e práticas (governamentais). Todos, histórica e socialmente, referentes. Assentada na progressiva institucionalização da qual extrairia o seu elemento principal, inscrita na estrutura material, corporativa, do Estado brasileiro após 1930 e, permanentemente, associada ao arca— bouço jurídico-estatal e aos marcos institucionais que lhe deram sustentação – a proposta trabalhista será atualizada durante o segundo governo Vargas.

Entre 1951-54, contando com defensores, ideólogos e assessores técnicos da maior relevância, além de publicações, direta ou indiretamente, vinculadas ao Ministério do Trabalho e a outros órgãos oficiais, os princípios do trabalhismo foram recuperados e vivificados. Esses princípios basearam-se: a) na intervenção do Estado nas esferas econômica e social (nesse ponto, contrariando a tendência anti-intervencionista que ganha impulso ao final da Segunda Guerra Mundial); b) no reforço ao sindicalismo estatal, sendo os sindicatos redefinidos como “espaços legítimos” para a manifestação das reivindicações trabalhadoras; e c) no papel ampliado da Justiça do Trabalho, vista como instrumento privilegiado para dirimir as disputas entre capital/ trabalho e conduzir a uma solução “acordada” dos conflitos sociais, com o fim de evitar as greves e seu curso “explosivo”.

Em uma fase de lutas e intensas pressões exercidas pelo movimento operário, se o direito de greve (conforme disposto na Constituição de 1946 e no Decreto-Lei nº 9.070) é, legalmente, assegurado ao proletariado, na prática, esse mesmo direito é negado. Isso porque, de acordo com os defensores da política estatal, o seu “livre exercício” constituiria uma “violência” contra a coletividade, além de ferir um preceito básico do trabalhismo varguista: a “harmonia capital-trabalho”.

O artigo 158 da Constituição de 1946 declarava: “É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”. Conforme a Revista Forense, sofrendo o Brasil o “influxo de ideias estrangeiras”, sobretudo, da França, “juristas açodados” (precipitados) elevaram, de “afogadilho”, a greve – proibida pela Constituição de 1937 – de “delito” à categoria de “direito constitucional”. Por sua vez, o Decreto-Lei nº 9.070, instituído em 15 de março de 1946, no período Dutra, precedendo a Constituição promulgada em setembro, e ainda por força da Carta de 1937, que dava ao Poder Executivo funções legislativas, dispunha sobre a “suspensão ou abandono coletivo do trabalho”. O decreto criava enormes barreiras ao exercício do direito de greve, ampliando o poder da Justiça e dos órgãos estatais em julgar, discricionariamente, as greves como “legais” ou “ilegais”.

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Juliana Martins Alves é Doutora em História pelo programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sudeste, Minas Gerais.

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