Thomas Piketty: a pandemia expôs a ”violência da desigualdade social”

No momento em que quase 30 milhões de norte-americanos entraram com o pedido de auxílio desemprego, em apenas seis semanas, e milhões em todo o mundo enfrentam fome e pobreza, analisamos a catástrofe econômica global desencadeada pela pandemia e seu impacto sobre os mais vulneráveis.

No momento em que o Programa Mundial de Alimentos alerta para um enorme aumento da fome global e que mais de 100 milhões de pessoas nas cidades do mundo podem cair na pobreza, essa crise pode se tornar um catalisador de mudanças?

Perguntamos ao economista francês Thomas Piketty. Seu best-seller internacional “Capital no século XXI”, de 2014, analisou a desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo livro, “Capital e Ideologia”, foi descrito como um manifesto por mudança política.

Amy Goodman: Este é o Democracy Now! Democarcynow.org. As Reportagens da Quarentena. Sou Amy Goodman, aqui na cidade de Nova York, epicentro da pandemia, acompanhada por minha co-anfitriã Nermeen Shaikh, que está em casa para ajudar a impedir a propagação comunitária do vírus. Olá Nermeen.

Nermeen Shaikh: Bom dia, Amy. Sejam bem-vindos, nossos ouvintes e telespectadores em todo o país e em todo o mundo.

Amy Goodman: Hoje analisamos como a pandemia de coronavírus lançou uma luz sobre a desigualdade em todo o mundo. O Programa Mundial de Alimentos adverte que a pandemia pode levar a um aumento enorme da fome global, e um novo relatório prevê que mais de 100 milhões de pessoas nas cidades do mundo provavelmente cairão na pobreza.

A agência do trabalho das Nações Unidas disse na quarta-feira (29/04) que cerca de 1,6 bilhão de trabalhadores na economia informal, “correm o risco imediato de ter seus meios de subsistência destruídos”, pela catástrofe econômica global desencadeada pela pandemia.

Bem, para sabermos mais sobre como a pandemia de coronavírus afetou os mais vulneráveis e se a crise poderá ser um catalisador de mudança, junta-se a nós, de Paris, na França, o economista francês Thomas Piketty, cujo trabalho se concentra na desigualdade de riqueza e renda. Seu best-seller internacional, “Capital no século XXI”, de 2014, analisou a desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo livro, com mais de mil páginas, chama-se “Capital e Ideologia”, e foi descrito como um manifesto por mudança política. Thomas Piketty, bem-vindo ao Democracy Now!

Thomas Piketty: Olá.

Amy Goodman: Bem, é uma grande honra tê-lo conosco. Você pode falar sobre como essa pandemia provavelmente desencadeará a recessão mais acentuada nos Estados Unidos desde a Grande Depressão, talvez uma depressão? Você pode falar sobre os efeitos a longo prazo da crise e, talvez, o que pode ser feito para melhorá-la?

Thomas Piketty: Certo. O que mostro em meu novo livro, Capital e Ideologia, é que esse tipo de crise, muitas frequentemente na história, tem o potencial de mudar as visões dominantes sobre o que devemos fazer na economia, como devemos organizar nossas sociedades, o nível de desigualdade.

O primeiro impacto visível da crise é que vemos a violência da desigualdade social. As pessoas não são iguais em relação aos bloqueios econômicos. Elas não são iguais em relação ao desemprego, à perda de renda. Você pode ver que as pessoas que têm uma casa muito pequena ou pessoas que não têm casa, que estão sem-teto, estão em uma situação muito diferente das pessoas que estão trancadas em seu belo apartamento ou bela casa.

Em termos de apoio à renda, quando você não tem qualquer poupança e quando está em uma posição muito precária no mercado de trabalho, você perde, muito rapidamente, sua renda. Eu diria que o sistema de auxílio ao desemprego nos EUA, em particular, é restritivo demais e você tem muitos trabalhadores que na verdade não têm acesso a um apoio adequado à renda. Você tem muitas pessoas que não têm acesso à moradia.

Vimos algumas de suas reportagens, logo antes, de que é um problema de serviço. Devemos fazer mais. O governo dos EUA e os governos por todo o mundo devem fazer mais para mudar sua opinião sobre o que fazer com a habitação, para obter soluções urgentes para as pessoas que não têm moradia adequada, estendendo o apoio à renda, levando-as além do que temos feito nos diferentes países.

Precisamos, também, começar a pensar em um tipo diferente de recuperação. Não podemos simplesmente voltar a operar normalmente com os mesmos setores econômicos. Acho que é uma oportunidade de repensar sobre um tipo diferente de recuperação, mais verde, mais social e tentando alcançar um modelo de desenvolvimento mais equitativo e mais sustentável, porque isso é algo que estamos discutindo há muito tempo, especialmente desde a crise financeira de 2008. Acho que, com o financiamento dessa crise, teremos que mudar nossa visão sobre o que é um nível adequado de desigualdade em uma sociedade.

Hoje vemos que todas as ideologias contra a ação do governo, em particular contra os sistemas de saúde pública e o investimento público nos hospitais, esse discurso de hoje, claro, parece muito fraco, dada a realidade da situação. Acho que isso provavelmente mudará. Já foi alterado até certo ponto, mas isso precisa ir muito além do que fizemos até agora.

Nermeen Shaikh: Thomas Piketty, antes de chegarmos ao que pode acontecer quando essa pandemia terminar, você poderia dar sua opinião ao pacote de estímulos que o governo Trump propôs e que o Congresso dos EUA aprovou, quem esse pacote de estímulos está ajudando ou quais empresas o pacote está ajudando e como ele se compara ao pacote de estímulo elaborado pelo governo Macron?

Thomas Piketty: Existem várias diferenças entre os EUA e o pacote de estímulo europeu. Eu diria que a primeira coisa é que o pacote dos EUA é certamente insuficiente em termos de seguro-desemprego. De um modo geral, o seguro-desemprego na Europa – não apenas na França, mas também na Alemanha, na Dinamarca, em toda a Europa – são mais desenvolvidos do que o dos EUA. São mais generosos, incluindo salários, duas vezes, três vezes, quatro vezes o salário mínimo, enquanto o sistema de subsídios de desemprego nos EUA será bastante fraco.

E também, em termos de cobertura de trabalhadores que não têm status de assalariado permanente e que têm status diferentes no mercado de trabalho, incluindo trabalho temporário, eu diria, em ambos os lados do Atlântico, há muitas áreas desassistidas e muitas lacunas … muitas pessoas que simplesmente não têm acesso a um apoio à renda adequado. Eu posso vê-los nas ruas de Paris, e suponho que seja o mesmo nos EUA, pessoas que precisam continuar trabalhando, fazendo trabalhos sujos, de bicicleta ou todos os tipos de trabalhos para os quais não temos um subsídio de desemprego adequado.

O que falta também no plano de recuperação de Trump, creio, é uma compreensão clara de como teremos uma recuperação no médio prazo que coloca mais ênfase em investir primeiro no setor hospitalar. Sabe, acho que será um bom momento nos EUA para avançar na direção de um sistema universal de saúde… com certeza … mas, de maneira mais geral, para investir mais no setor hospitalar.

Acho que vamos ter… não podemos nos recuperar apenas com os mesmos setores de antes… automóveis, aviões, etc. Também temos que aproveitar esta oportunidade para pensar em um modelo de desenvolvimento mais sustentável e equitativo. Isso significa investir mais em setores como saúde, hospitais, mas, de maneira mais geral, investir mais em inovação e tecnologias ambientais. Temos que investir mais em escolas, universidades. Historicamente, a fonte de prosperidade tem sido a educação e o nível de educação relativamente igual. Os EUA, em particular, foram um líder econômico na maior parte do século 20, porque era líder educacional.

Acho que perdemos a memória disso, porque isso foi substituído, começando nos anos 80 e 90, por um tipo diferente de ideologia, segundo a qual a prosperidade virá de mais e mais desigualdade, de mais concentração de riqueza em poucos mãos. Mas, na realidade, isso não funciona. A taxa de crescimento da economia dos EUA foi dividida por dois. Se você observar a renda nacional per capita nos EUA entre 1990 e 2020, ela foi de apenas 1,1% ao ano, enquanto entre 1950 e 1990 foi de 2,2%. Se você olhar entre 1910 e 1950, foi de 2,1%; e entre 1870 e 1910, cerca de 2,1% também.

Então, os últimos 30 anos foram caracterizados por níveis muito altos de desigualdade, aumento da concentração de riqueza no topo, salários em queda na parte de baixo, em particular declínio no salário mínimo e também declínio no crescimento. Então, no final, esse curso em direção a cada vez mais desigualdade não funcionou. Acho que devemos aproveitar a oportunidade desta crise e, após a crise financeira de 2008, repensar não apenas nossa política de saúde e investir mais em hospitais, o que é uma conclusão justa dessa crise, mas também repensar nosso modelo econômico, de maneira mais geral, e avançar em direção a mais igualdade, mais sustentabilidade.

É isso que eu não vejo. Não vejo isso com Trump. Eu realmente não vejo isso com Macron. É claro que ambos os presidentes são, supostamente, muito diferentes, como todos sabemos, mas ao mesmo tempo, há um importante ponto em comum. É que eles começaram seu mandato, promovendo um grande corte de impostos pata os ricos, para resumir. Na França, houve uma revogação do imposto sobre a riqueza. Nos EUA, houve um grande corte de impostos para contribuintes de renda muito alta e para grandes corporações. Trump também queria se livrar do imposto imobiliário. Ele não conseguiu aprovar, mas esse era seu plano. Os dois presidentes fizeram esses enormes cortes de impostos para os ricos.

A grande questão é: eles serão capazes de mudar, recuar um pouco e dizer: “Bem, veja, agora vamos ter que pagar por mais investimentos em serviços públicos. Temos que cuidar mais de todos esses profissionais de saúde, todos esses sem-teto. Nós temos que …”, eles serão capazes de mudar de ideia e mudar sua ideologia sobre esses cortes de impostos?

Acho que é uma questão muito aberta nesta fase. Isso dependerá da força de mobilização dos partidos da oposição e de vários grupos sociais que impulsionem por políticas diferentes. Também dependerá de quais pessoas, dentro do Partido Republicano ou dentro do partido de Macron, no caso da França, aceitarão continuar apoiando seu líder sem uma mudança no pacote de políticas.

E sim, acho que é muito cedo para dizer quais serão as consequências a longo prazo, em termos de política econômica e ideologia política desta crise. E é uma lição geral que eu retiro também do meu livro, Capital and Ideologia, que as crises são uma época em que você tem … que diferentes trajetórias são possíveis. Você tem uma bifurcação muito rápida. Essa é uma lição muito geral da história, que o nível de desigualdade social nas sociedades depende principalmente da mobilização política e da mudança ideológica, em vez de determinantes econômicos ou tecnológicos puros.

As coisas podem mudar muito mais rapidamente do que o discurso dominante e do que as várias elites de diferentes sociedades tendem a imaginar. As elites sempre tendem a apresentar as desigualdades como algo justo e natural, algo que você não pode mudar, como se fosse uma regra da natureza. Mas o que observamos na história são mudanças muito frequentes e muito rápidas na maneira como organizamos os sistemas.

Pense no imposto sobre a riqueza. Alguns anos atrás, a ideia de um imposto progressivo sobre a riqueza para bilionários quase não era discutida. Vimos na recente campanha nos EUA que esse tema era realmente muito popular. Bernie Sanders e Elizabeth Warren não venceram a primária, mas sua proposta de imposto sobre a riqueza era extremamente popular entre os eleitores – e não apenas entre os democratas, mas também entre os republicanos.

Acho que Joe Biden ficaria bem inspirado a emprestar algumas dessas ideias, a fim de mostrar que mais justiça econômica pode realmente se unir a mais prosperidade econômica, o que, historicamente, ocorreu por muito tempo nos Estados Unidos, mas deixou de ser o caso. Acho que é a hora certa de mudar a narrativa e mudar a trajetória.

Nermeen Shaikh: Thomas, você também poderia avaliar os esforços que foram feitos no nível global para enfrentar esta crise? O Fundo Monetário Internacional anunciou que fornecerá alívio imediato da dívida para 25 países diferentes, entre eles os mais pobres do mundo – Iêmen, República Centro-Africana, Moçambique etc. Os países credores, incluindo França e EUA, também concordaram em suspender as dívidas. Que efeito você acha que isso terá? Quanto isso afetará os países devedores? O que mais você acha que precisa ser feito?

Thomas Piketty: Bem, primeiro, deixe-me esclarecer duas coisas. Essa suspensão do pagamento da dívida é melhor do que nada, mas acho que não é suficiente, porque nas decisões que foram tomadas é que estes países terão que pagar mais daqui a um ano, daqui a dois anos, para compensar o que não pagaram este ano. Portanto, é apenas uma suspensão, mas você ainda tem os pagamentos pendentes. Acho que, em muitos casos, devemos simplesmente cancelar parte dessa dívida para sempre, ou outro horizonte muito mais longo, com um tempo de suspensão muito maior.

Há também uma outra coisa que quero enfatizar: a proposta francesa de suspender o pagamento da dívida na África foi um pouco hipócrita, no sentido de que a maior parte da dívida não é mantida pela França, mas pela China ou por outros países. É bom propor que outros países suspendam suas dívidas, mas acho ainda melhor se você puder mostrar o exemplo, que você decida interromper o pagamento da sua própria dívida.

Você também deve, no caso da Europa, desenvolver mais solidariedade dentro da Europa. Eu gostaria que a França se propusesse a garantir a taxa de juros para países como Itália e Espanha, que foram duramente atingidos. A desculpa usual para não fazer isso na França é dizer: “Bem, veja, a Holanda ou a Alemanha não querem fazer isso, portanto, não podemos fazê-lo”. Mas, é sempre melhor fazer algo com dois países ou três países em vez de um. Claro, é ainda melhor se todos os países ingressarem depois disso. Mas, para começar, toda iniciativa é boa.

Agora, além dessa questão da dívida, que é muito importante, acho que essa crise, especialmente nos países em desenvolvimento da África ou da Índia, por exemplo, deve ser usada como uma oportunidade para acelerar o desenvolvimento do estado de bem-estar social, do sistema de rede de segurança. Em muitos desses países, você simplesmente não tem nada em termos de rede de segurança, o que significa que quando você decide fazer um bloqueio, quando decide um confinamento, como o que aconteceu na Índia algumas semanas atrás, não está claro que seja algo que você possa sustentar por muito tempo, porque, na prática, o que aconteceu – e vimos isso na TV e em muitos artigos – é que, na prática, muitos dos trabalhadores rurais ou os migrantes foram empurrados para fora das cidades.

Muitas pessoas que estavam trabalhando em canteiros de obras nas cidades ou que realmente não tinham um lar sólido nas cidades foram afastadas, o que às vezes é violento, e o transporte em massa de pessoas pelo interior, que provavelmente não é a melhor maneira de se evitar a propagação do vírus. De qualquer forma, se você não tiver uma rede de segurança básica, em algum momento as pessoas terão que sair e trabalhar, encontrar trabalho, encontrar dinheiro e encontrar comida. Assim, essa deveria ser uma oportunidade, na Índia, na África, em todos os países onde você não possui esse sistema, para desenvolver esse tipo de esquema de renda básica, o que é possível.

Deixe-me dizer que se você olhar para o caso da Índia, que é um caso muito importante, é claro… ela está prestes a se tornar o maior país do mundo em breve. Essa é a maior democracia do mundo, a democracia eleitoral. No ano passado, durante a campanha eleitoral na Índia, houve uma proposta do Partido do Congresso e de vários partidos de trabalhadores para implementar um esquema de renda mínima. Infelizmente, eles não venceram a eleição, em parte porque houve ataques terroristas na Caxemira em janeiro de 2019, o que permitiu ao partido nacionalista hindu de Modi reenquadrar a eleição mais na direção de um conflito de identidade hindu-muçulmano, em vez de redistribuição e de desigualdade social. Isso é triste. Mas, este não é o fim da história. Eu acho que a discussão continuará.

Às vezes o que você vê na história, seguindo grandes crises como esta, é que mesmo um governo como o de Modi, mesmo um governo que inicialmente não planejava introduzir o estado de bem-estar ou introduzir impostos progressivos… como você vê depois da Primeira Guerra Mundial, após a Segunda Guerra Mundial, até governos de direita ou governos que não tinham tais planos, acabam desenvolvendo novas ferramentas políticas apenas porque as circunstâncias os obrigam a fazê-lo.

Nesta fase, ninguém sabe. Neste estágio, falamos principalmente sobre os EUA, sobre a Europa. Ninguém sabe como a epidemia se espalhará no sul. Não temos muitos dados. Isso pode demorar um pouco mais. O que sabemos da gripe espanhola de 1918, 1919, que é o precedente histórico mais próximo do que temos hoje, é que as vítimas humanas, como proporção da população, foram muito, muito maiores na Índia, na Indonésia, na África do Sul. Foi até 5% da população que morreu nesses países, em comparação com 0,5% a 1% na Europa ou nos Estados Unidos, o que já é enorme.

Hoje, de 0,5% a 1% no mundo significaria 50 milhões de pessoas mortas. Portanto, essa já é uma enorme taxa de mortalidade. Mas nos países pobres, foi cinco vezes mais. Portanto, ninguém sabe, neste estágio, como as coisas vão acontecer no Sul, mas é claro que, se as coisas derem errado e se for necessário um bloqueio mais completo nesses países, os governos terão que desenvolver uma rede de segurança.

A comunidade internacional terá, não apenas que suspender toda a dívida e realmente cancelar toda essa dívida, mas nós realmente… também pensaremos em um sistema econômico, financeiro e tributário internacional diferente. Nos últimos dez anos, houve muita discussão no nível da OCDE sobre como tributar grandes empresas multinacionais, que, como sabemos, muitas vezes não pagam impostos em lugar algum. Portanto, há uma proposta no nível da OCDE, para que todos estejam ao redor da mesa e fingindo ser cooperativos, pelo menos por uma vez. A ideia é ter uma declaração comum de lucros em nível mundial para grandes corporações multinacionais. Então a pergunta é: como você distribui esses lucros tributáveis entre países?

Até agora, como a OCDE é um clube de países ricos, os países da Europa e América do Norte disseram: “Bem, vamos tentar tirar o dinheiro dos paraísos fiscais e trazer esses lucros tributáveis, de volta para nós”, basicamente, ao invés de fazê-los voltar para o sul.

Então, eles estão discutindo sobre a distribuição da base tributável das empresas proporcionalmente às vendas, proporcionalmente aos indicadores, que são uma espécie de debate, com efeito, sobre onde os consumidores finais estão no Norte em termos de valor total que está sendo classificado.

Amy Goodman: Thomas Piketty, detesto ter que interromper você…

Thomas Piketty: Mas, você sabe, acho que existem outras propostas… sim.

Amy Goodman: … mas temos apenas um minuto restante e quero lhe perguntar –

Thomas Piketty: Claro.

Amy Goodman: O Departamento do Trabalho dos EUA acaba de divulgar seus últimos números de desemprego, enquanto você falava, mostrando mais de 3,8 milhões de pessoas solicitaram benefícios de desemprego na última semana. Então, isso eleva o número total para 30 milhões de pessoas que entraram com o pedido de auxílio desemprego em apenas seis semanas.

Eu quero voltar para dois meses atrás. Bernie Sanders era o candidato democrata à presidência, um homem que você apoiou. A taxa de desemprego era de 3,5%, e os EUA tinham acabado de relatar sua primeira morte por coronavírus. Então, eu quero perguntar sobre o significado disso. No mês passado, você tuitou um gráfico mostrando a participação dos eleitores de 1945 a 2020, que revelou muito menos norte-americanos naquele período votaram nas eleições do que o eleitorado, proporcionalmente, na Grã-Bretanha ou na França.

Você tuitou: “Sanders em auxílio da democracia americana. Somente uma reorientação em larga escala do tipo proposto por Sanders acabaria por livrar a democracia norte-americana das práticas de desigualdade que a minam e conseguiria lidar com o descontentamento eleitoral das classes trabalhadoras.” Foi o que você escreveu naquela ocasião. Fale sobre o que aconteceu nesses dois meses, o que você acha que precisa acontecer, quando o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, disse que os estados deveriam simplesmente ir à falência, a menos que concordassem com um plano republicano de austeridade, e então poderiam obter alguma ajuda do governo dos EUA.

Thomas Piketty: Essa afirmação é particularmente louca. Tivemos esse tipo de afirmação nos anos 30. Eles eram o que chamamos de ideologia liquidacionista: “Vamos liquidar firmas ruins, bancos ruins, estados ruins”. Mas, é claro, essa é a pior política que você pode imaginar, tanto em termos de consequências sociais quanto em consequências macroeconômicas.

Eu acho que, voltando a Joe Biden e ao Partido Democrata, acho que Joe Biden ficará muito bem inspirado a emprestar algumas das novas ideias apresentadas por Bernie Sander, por Elizabeth Warren, incluindo um imposto progressivo sobre a riqueza dos bilionários, incluindo mais investimentos em hospitais públicos, em universidades públicas.

Acho que é a hora do Partido Democrata mostrar à classe média e à classe média baixa e aos grupos socioeconômicos mais baixos que eles se preocupam com a redistribuição e se preocupam em melhorar o salário mínimo, que é o que o Partido Democrata defendeu até os anos 60, 70 e até 80.

O que mostro no meu livro “Capital e Ideologia” – que, a propósito, devo dizer, é uma leitura agradável. Sabe, é um pouco longo, mas realmente é possível de se ler. Não é nada técnico e é um amplo histórico do regime de desigualdade nas sociedades. Mostro que o Partido Democrata nos EUA, começando, como você dizia, nos anos 50, 60, assim como os partidos social-democratas da Europa, gradualmente perdeu o contato com o eleitorado mais desfavorecido. Eu comparo todos esses países e tempo juntos. E minha conclusão é que isso ocorre principalmente porque eles falharam em renovar seu pacote de políticas e em manter a ambição redistributiva.

Acho que muitos dos eleitores da classe baixa e da classe média baixa pararam de votar, então agora, de alguma forma, também estão votando em Trump, e, na Europa, de alguma forma, também estão votando no partido nacionalista, penso, em grande parte, por falta de uma alternativa melhor. Eles sentem que a proteção e o retorno ao Estado-nação e às fronteiras do Estado-nação pelo menos os protegerão um pouco mais do que nada.

Não tenho certeza de que sejam tão otimistas que toda a gesticulação de pessoas como Trump ou Marine Le Pen na França fará muito bem, mas pelo menos elas veem algo novo e não ouvem nada do outro lado, portanto, eles sentem… mas lembremo-nos que a maioria desses eleitores está realmente em casa. Se eles estivessem realmente entusiasmados com Trump ou Le Pen, todos iriam votar, e você teria uma taxa de participação de 90%, o que não é exatamente o que você tem.

Amy Goodman: Vinte segundos.

Thomas Piketty: Sim. Se você olha, nos EUA, em particular, os 50% de eleitores com menos renda, você tem uma enorme abstenção, uma participação muito baixa. Acho que isso mostra que é necessário um discurso diferente tentando trazer de volta esses eleitores para a cabine de votação. Acho que essa crise é a oportunidade para Joe Biden, em particular, enviar um forte sinal a esse eleitorado.

Amy Goodman: Bem, quero lhe agradecer muito, Thomas Piketty, e há muito mais sobre o que conversar. Mas as pessoas podem ler muito sobre seus pensamentos em seu novo livro. Thomas Piketty, economista francês, cujo trabalho se concentra na desigualdade de riqueza e renda. Seu novo livro acabou de sair; chama-se “Capital e Ideologia”.

Fonte: Carta Maior, com Democracy Now!
Tradução: César Locatelli
Data original da publicação: 03/05/2020

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