Síndrome de Down: trabalho e práticas de inclusão

Dalila Giacomini
Lisandra Espíndula Moreira
Mário Francis Petry Londero

Fonte: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 107-121, 2015.

Resumo: Este artigo analisou enunciados relativos ao trabalho e inclusão para pessoas com Síndrome de Down (SD) que participam de atividades produtivas. Propôs-se uma reflexão genealógica sobre trabalho e sua articulação com inclusão e SD, entendendo que essas marcas funcionam como herança para as possibilidades de inserção nas instâncias do trabalho. A pesquisa foi realizada numa instituição de apoio à pessoa com deficiência, utilizando como metodologias: entrevistas com pessoas que possuem SD e profissionais da instituição, além do acompanhamento das oficinas e confecção de diário de campo. A partir da análise, podemos sintetizar que os enunciados são diversos e apontam para a complexidade do campo. Os enunciados nos apontaram para a importância de três temáticas na forma como as pessoas com SD se relacionam com o trabalho e a inclusão: Construção de vínculos; tempo e ritmo de trabalho; e família e remuneração. Consideramos que o estudo questiona significados atribuídos ao trabalho para funcionários com ou sem Síndrome de Down, possibilitando pensar nas singularidades que constroem formas de inclusão e exclusão no âmbito profissional.

Sumário: Introdução | Construções sobre trabalho, inclusão e Síndrome de Down | Adentrando o campo: aportes metodológicos | Resultados e análises | Construção de vínculos | Tempo e ritmo de trabalho | Família e remuneração | Considerações finais | Referências

Introdução

No princípio não havia nada, apenas música. No primeiro dia ele fez o sol, dói nos olhos. Então, ele fez a terra. No segundo dia ele fez o mar, ele molha os pés […] O vento coça. No terceiro dia ele fez os discos… Pessoas nascidas na América falam inglês. Eu não sei onde eu nasci, acho que foi na Mongólia. No quarto dia ele fez a televisão. No quinto dia ele fez a grama. Quando você corta ela, ela chora. Você tem que confortá-la falando com ela. Se você toca uma árvore, você vira uma árvore. Se você fechar os olhos, vira uma formiga. No sexto dia ele fez os homens, eles são de todas as cores. Eu prefiro as mulheres, elas não espetam quando você as beija […]. No domingo ele descansou, esse foi o sétimo dia (Godeau, 1996).

Iniciamos este artigo inspirados pela descrição da criação do mundo por Georges no filme “O oitavo dia”. Menino cativante e com Síndrome de Down, ele desliza de maneira poética sobre a vida ao desviar de possíveis cotidianidades que nos deixam cabisbaixos para o viver. O filme também conta com Harry, que possui conflitos familiares pela rotina sufocante de seu trabalho e que experimenta com Georges afetos que não dava valor, como o simples fato de deitar-se em um gramado e apreciar a paisagem por um minuto que fosse.

Embalados pelo filme e pela inserção dessa pesquisa no cotidiano do trabalho de pessoas com Síndrome de Down, propomos a questão: Quais os desafios colocados para um convívio menos excludente em relação a essa população no que tange à instituição “trabalho”? Eis a problemática que pautou nossa reflexão ao longo da pesquisa realizada em 2013, numa cidade do Rio Grande do Sul. Desde já, gostaríamos de deixar claro que optamos por uma escrita que não se limita à descrição metodológica e analítica do campo pesquisado, no intuito de compormos um mosaico com outros materiais, como o filme que abre esse texto.

Nosso objetivo é compreender os enunciados construídos por pessoas com SD a respeito do trabalho e da inclusão em atividades produtivas. Entendemos “enunciado” não como uma unidade, mas como uma função. A análise não busca interpretar uma interioridade a partir desses enunciados, mas compreender as condições que os tornaram possíveis, as posições de quem os enunciam e os campos adjacentes aos quais se associam (Foucault, 2005). Inicialmente,
apresentaremos uma forma de compreender os processos históricos acerca da instituição “trabalho” e da deficiência em si, em especial da Síndrome de Down, inspirados pela ferramenta genealógica de Foucault (1984). Após esse breve percurso, apresentaremos o campo da pesquisa e as análises a partir dos materiais produzidos nas entrevistas e nas interações descritas em um diário de campo que compôs o método de nosso estudo.

Clique aqui para continuar a leitura deste artigo no site da revista Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

Dalila Giacomini é psicóloga pelo Centro Universitário Univates.

Lisandra Espíndula Moreira é professora adjunta da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minais Gerais. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Mário Francis Petry Londero é docente na graduação de Psicologia do Centro Universitário Univates. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *