Sinais de uma Primavera Francesa

Uma onda de greves e uma revolta estudantil têm abalado a França nos últimos dias, talvez o primeiro real desafio para a agenda de Macron. Maio de 2018 será mais do que apenas um mês de comemorações dos 50 anos de Maio de 1968?

Cole Stangler

Fonte: Jacobin
Tradução: DMT
Data original de publicação: 03/04/2018

Não são apenas as ferrovias.

De universidades a supermercados e aeroportos, a agitação social é latente na França. Face ao cenário da greve do sistema ferroviário nacional – uma luta altamente simbólica que, ao que tudo indica, promete ser longa e intensa – estudantes e trabalhadores em outros setores estão tomando ações por conta própria.

Esta não é a primeira turbulência significativa sob o governo do presidente Emmanuel Macron – suas reformas trabalhistas do ano passado foram rejeitadas por greves e dias de ação – mas a atual onda possui um alcance maior. Uma greve de fim de semana no maior empregador da França, o supermercado Carrefour, foi seguida de greves ferroviárias e em aeroportos no início desta semana, o que impactou seriamente o transporte no país. E agora, um crescente movimento estudantil está aderindo em apoio.

Não está claro se esses vários protestos irão formar um movimento unificado. No momento, eles permanecem em grande parte isolados. Mas o potencial do que a esquerda francesa tem chamado de “convergência de lutas” está se tornando difícil de ignorar. Apresentamos um panorama da situação.

Ferroviários

Após se unir a servidores públicos em protesto no dia 22 de março, ferroviários em toda a França tomaram frente às greves nesta terça-feira (03/04). Os sindicatos pedem ao governo que sejam abandonadas as reformas propostas, pois elas acabariam com benefícios dos trabalhadores e inaugurariam o que eles veem como a primeira fase de uma total privatização do sistema ferroviário público, a Société Nationale des Chemins de fer Français (SNCF). Seguindo o estipulado na greve, os trabalhadores entrarão em séries de dois dias de ações, separados por intervalos de três dias de trabalho, até 28 de junho.

Aa greves estão sendo apoiadas pelos quatro maiores sindicatos. Isso inclui a CGT, o maior sindicato do SNCF (de acordo com a mais recente etapa de eleições profissionais), assim como também os moderados CFDT e UNSA. O radical SUD-Rail, o terceiro sindicato mais popular da SNCF, convocou os trabalhadores a planejar a greve eles mesmos em assembleias gerais diárias.

As bases participaram maciçamente das ações de hoje. Segundo o SNCF, 34% dos 150 mil empregados da companhia aderiram à greve – similar aos 35% que aderiram à greve de 22 de março. Esse número também inclui trabalhadores administrativos. Por outro lado, 48% dos empregados “indispensáveis para a circulação dos trens” entraram na greve de terça, incluindo 77% de condutores. Juntos, eles paralisaram o sistema ferroviário: apenas um entre cada oito trens TGV estiveram em serviço; apenas um em cada cinco trens regionais estava disponível. Do mesmo modo, o transporte ferroviário de Paris funcionou com cerca de ¼ da capacidade usual.

Os grevistas ainda estão longe do ocorrido em 1995, quando os setores público industrial e ferroviário conseguiram conter e repelir reformas previdenciárias do governo. Na época, cerca de 60% dos empregados da SNCF participaram das greves.

Com significativas interrupções e atrasos afetando os passageiros, a opinião pública provavelmente se revelará crítica às consequências da greve. Os ferroviários estão tentando forjar sua luta a partir de uma ampla defesa dos serviços públicos, o que possui grande valor na França. Macron e seu governo, por outro lado, tentam pintar os ferroviários como uma fração “privilegiada” da força laboral, a qual possuiria excessivos benefícios.

Já a opinião pública tem se posicionado a favor dos sindicatos: em uma enquete publicada em 1º de abril, 46% afirmou que as greves eram “justificadas”, cerca de 42% a mais do que algumas semanas antes. Assim como os níveis de participação nas greves, tanto sindicatos quanto o governo estão acompanhando de perto esses números.

Enquanto isso, outras greves estão estourando em todo o país.

Setor privado

O último fim de semana viu uma greve nacional na rede de supermercados Carrefour, o maior empregador francês do setor privado, organizada em resposta ao anúncio de 2.400 demissões e quase 300 fechamentos de unidades no início deste ano. Segundo os sindicatos, as ações afetaram 300 unidades por toda a França. Os trabalhadores também estavam insatisfeitos com os bônus diminutos, cuja média é de 57 euros este ano, comparados aos 610 euros do ano passado. Acionistas, em contrapartida, receberam 345 milhões de euros em dividendos no ano de 2017. Continua incerto o que se seguirá às ações.

Coletores de lixo também lançaram, nesta terça, uma greve há muito planejada e sem fim determinado, sob a bandeira da CGT. Sindicatos afiliados agora estão convocando os trabalhadores, alguns dos quais se encontram no setor privado, para serem reconhecidos como trabalhadores do setor público. Eles também estão reivindicando as possibilidades de se aposentar mais cedo e de reduzir suas horas de trabalho. Piquetes surgiram nos subúrbios de Paris, com a CGT alegando uma significativa participação no oeste e norte.

Há agitação também na Air France, outro foco da militância sindical. Na terça, pilotos, comissários de bordo e tripulação de terra aderiram à greve pela quarta vez desde o fim de fevereiro, exigindo um aumento salarial de 6%. Enquanto a companhia procurou dividir sindicatos durante as negociações, o trabalho organizado manteve uma frente unida até agora. Cerca de ⅓ da força de trabalho participou da recente onda grevista. Ainda na terça, a companhia afirmou que conseguiria garantir três de cada quatro voos. Futuras greves estão planejadas para 7, 10 e 11 de abril.

Em um movimento claramente pensado para pressionar o governo enquanto prossegue com a reforma ferroviária, a CGT oficializou a greve por um período de três meses no setor de energia, coincidindo com as greves da SNCF. CGT é o maior sindicato no parcialmente privatizado setor de energia, o qual cobre as plantas nucleares e a malha elétrica na França. Exigindo o fim da desregulamentação do setor, o sindicato alertou para apagões direcionados e quedas na produção. Entretanto, a CGT não irá mobilizar trabalhadores todos os dias pelos próximos meses – o fato de ter anunciado a greve apenas permite que os trabalhadores possam participar delas.

Servidores públicos e estudantes

Os protestos do setor público em 22 de março constituíram uma centelha na unidade da classe trabalhadora, o que certamente é necessário para os ferroviários ganharem seu confronto contra o governo. Naquele dia, os servidores públicos entraram em greve contra o congelamento de salários e demissões iminentes. Em Paris, dezenas de milhares de profissionais protestaram, como professores, enfermeiros e ferroviários, convergindo na Praça da Bastilha. Os sindicatos planejam se encontrar nesta noite para anunciar planos futuros. Isso poderá estabelecer a fundação de um movimento de caráter nacional.

Finalmente, há uma crescente movimentação nas universidades. Em grande parte subjugado desde a posse de Macron, o movimento estudantil cresceu em força e visibilidade nas últimas semanas. No início do ano, o governo aprovou um plano para reformular os procedimentos de ingresso em cursos de graduação, autorizando as universidades públicas a rejeitar futuros candidatos em algumas áreas de estudo. Para os estudantes ativistas de esquerda, as reformas cruzaram uma linha que não deveriam e ameaçam a essência do sistema francês de ensino superior, o qual possui ênfase no baixo custo e no acesso aberto.

Enquanto as reformas de ingresso universitário já eram conhecidas há meses, a faísca para as recentes mobilizações vieram da cidade sulista de Montpellier. Em 22 de março – o dia dos protestos nacionais de ferroviários e servidores públicos – estudantes de direito da Universidade de Montpellier organizaram uma assembleia geral em um auditório ocupado, quando um grupo de homens mascarados interromperam, agredindo os estudantes com cassetetes e placas de madeira, os colocando para fora do edifício. Em uma reviravolta bizarra, o diretor da escola de direito foi levado em custódia pela polícia e foi forçado a renunciar, o que levantou suspeitas de que ele estava ciente do ataque. Outro professor também foi questionado.

Os estudantes de Montpellier ocuparam a escola desde então e ações de solidariedade se espalharam por outros campi: para Bordeaux, Nancy, Nantes e outros locais. Estudantes de Toulouse levantaram protestos e ocupações nos últimos meses contra as reformas locais e também contra as nacionais. Enquanto isso, o campus de graduação de uma das maiores universidades públicas francesas – a Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne – permanece ocupada e bloqueada. A Sorbonne em si é frequentada por alunos de pós-graduação e escapou dos conflitos até agora mas, fazendo agora 50 anos do Maio de 68, o paralelo é evidente. Naquela altura, a repressão policial com o movimento estudantil serviu como um barril de pólvora para um levante sem precedentes dos trabalhadores de base. Enquanto o trabalho organizado e a esquerda estão imensuravelmente fracos nos dias de hoje, jovens ativistas são menos preocupados com esses tipos de detalhes. Eles esperam que o Maio de 2018 esteja repleto de muito mais do que apenas comemorações.

Cole Stangler é jornalista radicado em Paris e escreve sobre trabalho e política. Já trabalhou para o International Business Times e In These Times, além de possuir publicações no VICE, The Nation e The Village Voice, entre outros.

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