Setor de serviços no Brasil: uma análise comparada de desempenho

Em relação à indústria, o setor de serviços possui baixo grau de encadeamento com as demais atividades da economia, o que se reflete em uma capacidade menor de geração de novos postos de trabalho.

Vanessa Moraes Lugli e Celio Hiratuka

Fonte: Brasil Debate
Data original da publicação: 31/08/2015

A nova etapa do processo de mudança estrutural, com a expansão do setor de serviços em detrimento à indústria, bem como de seus impactos sobre o crescimento e desenvolvimento das economias tem sido objeto de muito debate.

No caso brasileiro, este tem sido particularmente acalorado. Alguns autores veem o processo como uma correção do “excesso” de industrialização provocada por políticas intervencionistas de “industrialização forçada”. Outros, como decorrente de uma taxa de câmbio excessivamente valorizada. Outros ainda destacam a falta de uma estratégia mais ampla e coordenada, em um cenário de mudanças internacionais importantes e de acirramento da competição global.

Neste debate, a questão do papel e da dinâmica de outros setores dentro da estrutura produtiva, em especial do setor de serviços, ganha relevância.

Tradicionalmente, o setor de serviços é visto como uma categoria residual, composto por atividades que geram muitos empregos de baixa qualificação e salários, com pequena possibilidade de incrementos de produtividade, além de menor capacidade de incorporação de progresso técnico e aproveitamento das economias de escala.

Porém, a literatura internacional aponta que o setor evoluiu muito ao longo do tempo e que hoje nem todos os serviços apresentam essas características ou respondem a essa dinâmica, tornando problemática a análise do setor de forma agregada.

Embora a principal base de informações sobre serviços no Brasil seja a Pesquisa Anual de Serviços (PAS), é interessante analisar algumas características do setor e sua importância na economia a partir dos dados do Sistema de Contas Nacionais – SCN (por não termos no momento da realização deste trabalho a matriz oficial, esta foi estimada a partir da TRU).

A Matriz Insumo-Produto e seus indicadores nos permitem compreender melhor a relação existente entre os setores e atividades, em especial no que se refere à capacidade de gerar encadeamentos e transbordamentos.

Os serviços foram agrupados de acordo com suas características comuns, em: i) comércio; ii) serviços de transporte e manutenção; iii) serviços empresariais; iv) serviços financeiros; v) serviços pessoais e vi) serviços do governo, enquanto para a agropecuária e para a indústria, utilizamos a mediana dos valores.

O multiplicador de produção/emprego mostra a partir da geração de uma unidade monetária a mais de produto/emprego em determinada atividade, dados os efeitos diretos e indiretos, quanto de produto/emprego é criado na economia como um todo.

Já o índice de ligação de Rasmussem-Hirshman (IRH) mostra a capacidade de encadeamento de determinada atividade e com isso, se ela pode ser considerada uma atividade-chave para a economia.

tabela1_serviços

A tabela 1 mostra que o maior multiplicador da produção ficou com os serviços de transporte e manutenção (1,74), seguido pelos serviços empresariais (1,65), e então pelos demais grupos. A mediana do multiplicador de produção para a agropecuária foi de 1,76 e para a indústria 2,05.

Os serviços financeiros se destacaram com o maior multiplicador de emprego, próximo de 2,96 enquanto os demais apresentaram valores muito mais baixos, ficando o comércio com o menor valor (1,20) seguido pelos serviços pessoais (1,29). A mediana do multiplicador para a agropecuária foi de 1,27 e para a indústria de 4,11.

As comparações mostram que a indústria é o setor com maior capacidade de gerar transbordamentos para toda a economia, não apenas na produção, mas especialmente na geração de empregos, demonstrando uma capacidade de encadeamento que os demais setores não possuem.

Os índices IRH para as atividades de serviço, tanto para trás (demandam) quanto para frente (são demandados) apresentaram valores abaixo de 1. A mediana do IRH para trás da agropecuária foi de 0,90 e da indústria de 1,05. Para os índices de encadeamento para trás, os serviços de transporte e manutenção e os serviços empresariais se destacaram com valores mais próximos a 1, sendo de 0,89 e 0,84, respectivamente.

Os demais grupos de serviços mantiveram valores mais próximos, mas também não superaram a unidade. A mediana do IRH para frente para a agropecuária e para a indústria foi de 1,42 e 0,20 respectivamente enquanto entre os serviços, os valores encontrados foram muito baixos, ficando os maiores índices com os serviços pessoais (0,30) e os serviços financeiros (0,21).

Valores abaixo de 1 para o índice IRH para frente mostram que determinado setor ou atividade não é muito demandado pelos demais, o que poderia indicar que grande parte da sua produção permanece dentro do próprio setor na forma de consumo intermediário (demanda intrassetorial) ou ainda uma grande participação da demanda final – em especial das famílias – no consumo dos produtos, e portanto, não captada pelo indicador, uma vez que o cálculo considera apenas os setores produtivos.

Valores abaixo de 1 para o IRH para trás confirmam a autonomia dos serviços em relação aos demais setores, uma vez que grande parte de seu consumo intermediário é atendido pelo próprio setor de serviços. Já a indústria apresenta um valor elevado demonstrando sua capacidade de encadeamento com os demais setores ao ter um peso considerável na demanda por produtos da agropecuária e por serviços empresariais e de transporte e manutenção.

O nível de agregação utilizado neste artigo ainda é grande, e com certeza análises mais detalhadas do setor de serviços e dos vários segmentos que o compõem são importantes para entender a capacidade e as formas pelas quais o setor poderia contribuir para o desenvolvimento econômico brasileiro.

No entanto, neste nível de agregação, fica evidente que o desempenho dos grupos de serviços encontra-se abaixo da indústria, com destaque para o baixo grau de encadeamento entre os serviços e as demais atividades da economia e sua capacidade de geração de novos postos de trabalho.

Vanessa Moraes Lugli é doutoranda do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisadora colaboradora do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da mesma instituição.

Célio Hiratuka é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da mesma instituição.

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