Retrocessos na acessibilidade de pessoas com deficiência a processos seletivos

Abel Batista de Santana Filho

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 17/12/2018

Foi publicado, em 25 de setembro de 2018, o Decreto n. 9.508, que tratava de acessibilidade em concursos públicos e em processos seletivos no âmbito da administração pública federal direta e indireta.

A nova regulamentação apresentava, em seu anexo, tecnologias assistivas asseguradas para os candidatos com deficiência. Dentre elas, destaque para a prova gravada em vídeo por fiscal intérprete da Língua Brasileira de Sinais, naquela ocasião assegurada aos surdos.

A medida acompanhava os avanços observados na aplicação do ENEM 2017, no qual, pela primeira vez, ainda que sem regulamentação, traduziu-se suas provas em vídeo para Libras.

Acompanhava. Foi publicado, em 30 de outubro de 2018, o Decreto n. 9.546, que alterou o Decreto n. 9.508, para excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos. Quase que literalmente o executivo“deu com uma mão e tirou com a outra”!

Além disso, permanece em vigor o parágrafo único do art.  4º da Lei n. 10.436/02, que afirma não poder a Libras substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. O dispositivo vem sendo usado como saída pela administração para evitar promover acessibilidade a surdos sob o pretexto de “proibição” de usar a Libras para avaliar os candidatos com deficiência, em detrimento da língua portuguesa.

A inconstitucionalidade do dispositivo acima foi questionada no Supremo Tribunal Federal através da ADI 5820, ainda em trâmite. Nesta ação discute-se a desigualdade e desproporcionalidade causada pela aplicação da norma, o que impossibilita os surdos de competirem em iguais condições com ouvintes.

Os obstáculos se estendem: não há previsão de adaptação de avaliações escritas para Libras, o que continuará forçando surdos que tem Libras como primeira língua a realizar avaliações em português.

As barreiras acima deverão ser quebradas através de ações populares ou civis-públicas. Associações de surdos ou de pessoas com deficiência são legítimas para encabeçar demandas como essas. Uma atuação incisiva no judiciário deverá ampliar o debate, elevando a participação na discussão a nível nacional.

Abel Batista de Santana Filho é advogado e assessor Jurídico do IPAESE.

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