Renda Básica Universal e Gestão do Dinheiro Público

Implementar um programa nacional de retomada do crescimento do PIB e uma RBU (Renda Básica Universal), pelo menos para ¼ pobre da população, é prioritário.

Fernando Nogueira da Costa

Fonte: GGN
Data original da publicação: 15/06/2020

Valores e comportamentos frente ao presente e ao futuro se refletem no grau de preocupação com o dinheiro disponível em fluxo de renda e no patrimônio líquido financeiro dos indivíduos. Pesquisa da ANBIMA, “Dinheiro na Trajetória da Vida do Brasileiro”, publicada em julho de 2017, procurou identificar grupos com um nível interno de homogeneidade e suficientemente heterogêneos frente aos demais.

Nessa segmentação, foram identificados, em pesquisa qualitativa, cinco grupos de comportamentos: sonhador (7%), despreocupado (12%), camaleão (27%), planejador (23%), construtor (30%). O tamanho de cada variava conforme o perfil geracional.

A geração Z (16 a 21 anos) se diferencia mais. Tem maior participação de sonhador (14%), despreocupado (17%), planejador (29%), e menor de camaleão (11%) e construtor (27%). Seus perfis ainda estão em formação.

Nas gerações X (40-52 anos) e baby-boomers – BB (53-72 anos), o perfil camaleão (34%) predomina sobre o planejador. Este vai perdendo participação de acordo com o aumento de idade: Z (29%), Y (25%), Z (20%), BB (18%).

Os comportamentos típicos de cada perfil são expressos nas seguintes características:

  1. Sonhador: investimento só se for com as grandes quantias necessárias para viabilizar seu projeto de vida megalomaníaco;
  2. Despreocupado: prefere viver o presente em lugar de se preocupar com o futuro, gasta com prazer sem pensar em investimento, acha sempre ser possível dar um jeito no fim, isto se ele viver até a longínqua aposentadoria;
  3. Camaleão: não sobra dinheiro para investimento, porque toda a renda recebida é gasta em consumo, conta com crédito emergencial para sobreviver a cada mês;
  4. Planejador: planeja um investimento automático de certa parcela da renda recebida, com metas definidas para cada ano, contando com a capitalização do seu dinheiro com foco no longo prazo;
  5. Construtor: poupa se tiver sobra de renda sobre o consumo, porque necessita de segurança para o futuro, e esse dinheiro guardado lhe dá segurança.

Os perfis de Investidor – classificados em arrojado, moderado ou conservador – se definem em relação à aversão de risco. O modelo de ciclos de vida financeira sugere cada qual estar de acordo com a faixa de idade. Grosso modo, até os 40 anos se tem preferência pela rentabilidade. Dessa idade média aos 60 anos passa a ter preferência pela liquidez. Na véspera da aposentadoria a preferência é pela segurança do montante já acumulado. O conservador não se arrisca a perder o dinheiro duramente acumulado.

A partir desse individualismo metodológico se pode extrapolar os respectivos comportamentos para o gestor do dinheiro público? Os analistas das Finanças Públicas pensam como estivessem lidando com Finanças Pessoais? São mais prudentes com a administração de dinheiro público, isto é, não próprio?

Político demagogo, em campanha eleitoral, apela para a promessa de tratar a coisa pública como a dona-de-casa trata o orçamento doméstico. Promete o “espírito-de-contador”, priorizando o equilíbrio entre despesas e receitas no fim do mês/ano. Essa visão estática seria mantida no tratamento do Orçamento Geral da União (OGU).

Uma piada corporativa pergunta: qual é a diferença entre o contabilista e o economista? Resposta em uma palavrinha: hipótese. Contador trabalha com registros do passado até o presente. Economista tenta prever o futuro. Para isso, adota a hipótese de a regularidade do passado ser possível de ser extrapolada para o futuro.

Não é onisciente – e muito menos onipotente, apesar de convertido em tecnocrata se imaginar um PhDeus, baixado do céu (United States) a Terrae Brasilis. Os comportamentos de economistas no trato das Finanças Públicas parecem também se dividir entre conservador, moderado e arrojado.

A equipe econômica do governo populista de direita, para aumentar sua popularidade, debate a expansão da rede de proteção social no pós-pandemia com um novo programa a ser chamado de Renda Brasil. Substituiria de forma perene auxílios já existentes, como o Bolsa Família, uma “marca” do governo social-desenvolvimentista. A ampliação da rede de proteção existente, diz o gestor de perfil conservador, demanda antes de tudo uma definição sobre as fontes de recursos.

Os conservadores só pensam em uma única fonte de recursos, dada a “proibição” de aumento da carga tributária: remanejamento dos gastos públicos para não elevar o endividamento público. Antes, o corte desses gastos para manter a estabilidade da trajetória da relação dívida bruta/PIB era a prioridade deles. Tinham, acima de tudo, aversão ao risco de perder apoio dos rentistas carregadores de títulos de dívida pública.

Hoje, o Bolsa Família custa R$ 33 bilhões anuais. Um programa com foco em crianças de zero a seis anos traria custo adicional de R$ 129,6 bilhões anuais, considerando 20,7 milhões de beneficiários e auxílio médio de R$ 523 mensais. A manutenção do programa emergencial de R$ 600 mensais por pessoa necessitaria de R$ 369 bilhões adicionais ao ano, considerando 50 milhões de beneficiários mais os gastos atuais do Bolsa Família.

Um programa de Renda Básica Universal (RBU), com R$ 400 por pessoa, custaria pouco mais de R$ 1 trilhão. Se for considerada a substituição do gasto atual de R$ 33 bilhões com o Bolsa Família, demandaria R$ 983,4 bilhões adicionais ao ano.

Conservadores afirmam tornar perene o auxílio emergencial de R$ 600 ser insustentável do ponto de vista fiscal. Faria a dívida bruta sair de controle mesmo nas hipóteses mais otimistas para juros e crescimento. Defendem ainda a manutenção do Teto de Gastos.

Adotam a tese do “cobertor curto”: aquece ou os pés ou a cabeça. Um corte no BPC (Benefício da Prestação Continuada) seria politicamente improvável. Cortes nos incentivos tributários, como os do Simples e da Zona Franca de Manaus, enfrentariam muita resistência das bancadas corporativas e regionais.

Os moderados defendem a tese do “ei você aí, me dá um dinheiro aí. Não vai dar não? Você vai ver grande confusão”. Acham possível aumentar a receita tributária disponível.

Cortar o abono salarial propiciaria R$ 19,8 bilhões anuais. O benefício é destinado a trabalhadores com carteira assinada até dois salários mínimos. Outro corte seria das deduções de saúde e educação para Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Gerariam R$ 27 bilhões adicionais em arrecadação. Cerca de 90% da receita de IRPF vem dos 10% mais ricos da sociedade, recebedores de 43% da massa de rendimentos.

Uma RBU evitaria a duplicação de benefícios, isto é, quem recebe BPC, Bolsa-Família ou Previdência teria de optar. Viabilizaria seu financiamento com a redução nas isenções do Imposto de Renda, em especial com tributação sobre lucros e dividendos. A ideia é equiparar a renda tributável de todos às alíquotas vigentes sobre a renda do trabalho.

Não se deve esquecer: a nova geração de profissionais é “pejotizada”. Teve seus direitos trabalhistas cortados. É contratada como CNPJ com menor desconto em seu pagamento e é isenta de pagar a retirada de “lucros”. Sua renda líquida tem de pagar plano de saúde particular e investir em reserva financeira para acidentalidades e aposentadoria.

O “cobertor” encurtou mais. O PIB estava, no ano passado (2019), em R$ 7,3 trilhões. Deflacionado para valor real, tinha atingido R$ 7,5 trilhões em 2014. Caiu para R$ 7 trilhões em 2016 com a Grande Depressão, provocada pelo golpismo parlamentarista.

pensamento arrojado sugere um comportamento planejador em lugar do conservador defensor de Teto de Gastos. Ao pensar em economia dinâmica, isto é, com variações ao longo do tempo, defende a prioridade ser o aumento do PIB acima do crescimento serviço da dívida. Este seria atenuado pela zeragem do juro básico em fase de deflação.

Contra a hegemonia do conservadorismo fiscalista, desde a volta da Velha Matriz Neoliberal em 2015, dando prioridade total a corte de gastos, inclusive dos investimentos públicos, e desalavancagem financeira dos bancos públicos, é hora de dar um basta nessa estagnação econômica! Implementar um programa nacional da retomada do crescimento do PIB é o prioritário. É possível tecer um maior “cobertor”.

Se o investimento público não cabe no OGU, recorrer à maior tributação ou ao aumento do endividamento enfrentaria as resistências políticas já vistas. Ora, diz o arrojado, cabe o recurso às “heterodoxias”, banidas pelos conservadores no poder desde 2015. Em ciclo deflacionário, há possibilidade de financiamento monetário do déficit público, tanto para a RBU, quanto para o investimento público (União e estatais). Dará o arranque inicial para incentivar os gastos privados em investimento e consumo.

Quanto à RBU, quanto maior for a focalização do gasto público nos mais pobres, dada sua maior propensão ao consumo, aumentará mais o multiplicador do PIB. Há o recurso à alavancagem financeira dos bancos públicos. A capitalização deles, via Instrumento Híbrido de Capital e Dívida (IHCD), um empréstimo perpétuo do Tesouro Nacional, onde só se paga juros, permite um múltiplo de 9 vezes em relação ao dinheiro gasto diretamente pelo governo. Isso porque o Acordo de Basiléia exige 11% de capital bancário para carregar os ativos ponderados por riscos. As instituições financeiras públicas federais constituem um instrumento-chave para o dinamismo econômico.

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Mercados e Planejadores Imperfeitos” (2020).

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